Miguel Barreto, ex-diretor-geral da Energia, entregou um requerimento nos autos do processo EDP a defender a extinção do procedimento criminal pelo crime de corrupção passiva por alegadamente ter recebido cerca de 1,4 milhões de euros da EDP a troco de alegados benefícios concedidos à elétrica. Isto acontece depois de ter sido interrogado como arguido a 9 de julho de 2021 por suspeitas de corrupção passiva, tráfico de influências e participação económica em negócio.

A defesa do ex-diretor-geral da Energia alega que a prescrição do crime de corrupção passiva ocorreu em 2016. Para chegarem a essa conclusão, os advogados José Lobo e Claúdia Amorim invocam um acórdão do Tribunal Constitucional que já tinha sido usado pelo juiz Ivo Rosa para declarar prescritos todos os crimes de corrupção imputados a José Sócrates, Armando Vara e a outros arguidos na Operação Marquês.

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Este é um pormenor relevante visto que o requerimento da defesa de Barreto foi dirigido aos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto, titulares do inquérito do caso EDP, mas também foi remetido para o juiz Ivo Rosa — que é o titular destes autos no Tribunal Central de Instrução Criminal. Sendo o Ministério Público o ‘dono’ do inquérito, terão de ser os procuradores titulares dos autos a decidir sobre o requerimento da defesa. O facto de o juiz de instrução ter sido envolvido nesta discussão indica que a defesa de Miguel Barreto poderá recorrer a Ivo Rosa para fazer valer os seus argumentos.

As suspeitas de corrupção e os argumentos a favor da prescrição

No centro das suspeitas contra Miguel Barreto estão dois factos que, na óptica da prova indiciária reunida pelos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto, estão interligados:

  • Enquanto diretor-geral da Energia, Miguel Barreto concedeu a 28 de junho de 2007 uma licença ilimitada para a exploração da central térmica de Sines sem aparente contrapartida. Quer o ex-secretário de Estado da Energia Henrique Gomes, quer o seu chefe de gabinete Tiago Andrade e Sousa testemunharam nos autos que deveriam ter sido pagas contrapartidas ao Estado. Os peritos do Núcleo de Assessoria Técnica da Procuradoria-Geral da República calcularam o valor económico de tal licença em “várias centenas de milhões de euros”.
  • Após ter saído da Direção-Geral de Energia, Miguel Barreto fundou em 2008 uma empresa de certificação energética (uma área de negócio que foi por si criada e regulada enquanto diretor-geral) chamada Home Energy. A Martinfer detinha 60% do capital, enquanto Barreto tinha 40%. A EDP comprou os 100% da sociedade em janeiro de 2011, tendo pago cerca de 1,4 milhões de euros a Miguel Barreto.

A defesa de Miguel Barreto entende, de acordo com o requerimento que o Observador consultou nos autos do caso EDP, que estes factos estarão prescritos porque “à data dos factos imputados a Miguel Barreto o crime de corrupção passiva para ato lícito tinha uma moldura de pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias”.

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Logo, e tendo em conta que o Ministério Público imputa um alegado pacto criminoso a Miguel Barreto e a João Conceição (ex-assessor do ministro Manuel Pinho e atual administrador da REN) alegadamente firmado em 2006 e que, “à data de tais factos, o prazo de prescrição aplicável era de cinco anos”, a defesa entende que o procedimento criminal terá “prescrito em 2011”.

Os advogados José Lobo e Claúdia Amorim defendem igualmente que, mesmo que o crime imputado fosse o de corrupção para ato ilícito (como, na realidade, é), então a prescrição do procedimento criminal teria acontecido em 2016. Daí que a defesa entenda que o Ministério Público deva “declarar, desde já, a sua extinção relativamente ao arguido”.

Contas da defesa não são unânimes mas o tema da prescrição não vai cair

As contas feita pela defesa de Miguel Barreto, contudo, não são unânimes na comunidade jurídica. Com efeito, o requerimento tem subjacente o prazo máximo de prescrição de 10 anos a contar de 2006 mas tais contas só fazem sentido se a contagem do prazo de prescrição se iniciar “desde a data em que o facto se tiver consumado”.

Isto é, a defesa entende que o prazo de contagem da prescrição deve iniciar-se no momento em que o alegado acordo corruptivo terá sido firmado (em 2006) — e não quando as contrapartidas financeiras (cerca de 1,4 milhões de euros) foram alegadamente concedidas a Miguel Barreto, em 2011.

Para tal, a defesa do ex-diretor-geral da Energia recorre a um acórdão do Tribunal Constitucional que já tinha sido usado pelo juiz Ivo Rosa para declarar prescritos todos os crimes de corrupção imputados a José Sócrates, Armando Vara e a outros arguidos na Operação Marquês.

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Trata-se de um acórdão polémico do conselheiro Cláudio Monteiro que declarou inconstitucional, por violação do principio da legalidade, a interpretação de que “o prazo de prescrição do crime de corrupção ativa [no caso de Miguel Barreto está em causa um crime de corrupção passiva] é contado a partir da data em que ocorra a entrega de uma dada vantagem ao funcionário, e não a partir da data em que ocorra a promessa dessa vantagem”. Ou seja, o “bem jurídico é violado com a promessa da entrega da vantagem indevida e não necessariamente com a entrega dessa vantagem”.

A defesa de Miguel Barreto invoca ainda um acórdão da Relação de Lisboa que acolheu um parecer jurídico de Germano Marques da Silva a defender a mesma posição do conselheiro Cláudio Monteiro.

“Em suma, deve, portanto, considerar-se como momento determinante da consumação do crime de corrupção passiva (e, por isso, também do início da contagem do respetivo prazo prescricional), o da solicitação ou aceitação da vantagem, ou da sua promessa, e não o dos eventuais actos lícitos ou ilícitos praticados em consequência ou concretização, nem o da sua efetiva entrega. Assim, se concluindo pela inevitável prescrição do procedimento criminal relativamente ao arguido”, lê-se no requerimento da defesa.