Foi a 14 de agosto de 2020, há precisamente um ano e um mês, que no Estádio da Luz, o Bayern enviou o ex-poderoso Barcelona para a Catalunha com expressivos e humilhantes 8-2. Pensando em anos recentes, talvez seja um dos dois jogos sem história com mais história, se contarmos aqui também com o 7-1 da Alemanha ao Brasil, nas meias do Mundial de 2014, em Belo Horizonte.

Em ambos os casos, uma equipa alemã, à moda do que é o futebol germânico, sempre próximo dos ou nos jogos decisivos, acabou com uma “ideia”. Em 2014, foi a de que o público e a habilidade intrínseca e exímia do futebol brasileiro seria suficiente. No ano passado, a equipa bávara disse ao Barça que o romance escrito por Pep Guardiola e continuado por outros a que se chamou na versão inicial tiki taka estava acabado ou em vias de acabar. Um conto em que Messi era de tal forma merecedor do papel principal que outros com qualidade para serem protagonistas passavam a atores secundários ao pé da Pulga argentina.

Foi já em plena pandemia que Portugal recebeu então uma Final Eight da Liga dos Campeões de 2019/2020, que o Bayern acabaria por conquistar frente ao PSG com golo de Coman e que ficará eternamente marcada pelos 8-2. No Bayern pode dizer-se que pouco mudou. No banco saiu Flick para a seleção alemã e entrou o jovem prodígio Nagelsmann, Alaba até foi esta época para Madrid, mas a bitola mantém-se, não só com os títulos ou a tal proximidade aos mesmos, como com a manutenção de uma estrutura que vem de há muito tempo, com jogadores como Neuer, Müller, Kimmich, Lewandowski e mais recentemente craques como Gnabry ou jovem e rápido (que o diga Nelson Semedo na tal goleada…) Davies.

Messi contra 11 e no final golearam os alemães – e acabou de vez uma era no futebol (a crónica do Barcelona-Bayern)

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Para 2020/2021 saiu Quique Setién do banco e entrou Ronald Koeman, holandês e herói do clube desde 1992, quando numa final da Liga dos Campeões, em Wembley, frente à Sampdoria, fez no prolongamento um golo de livre que deu então a primeira Champions aos culés. Ainda Koeman se estava ambientar quando o presidente Josep Maria Bartomeu se demitiu do cargo da presidência do Barcelona. Passados alguns meses, Joan Laporta regressa às eleições e em março é reeleito presidente, depois de já ter estado no cargo entre 2003 e 2010, tendo sido o responsável pela chegada de Pep Guardiola à primeira equipa.

Resumindo: atualmente o Barça tem Laporta nos escritórios (embora muita imprensa em Espanha diga que gosta muito de tentar “mandar” no campo) e Koeman (o que manda ou tenta mandar efetivamente no campo). E esta terça-feira, quando no arranque da fase de grupos da Liga dos Campeões, em Camp Nou, Barcelona e Bayern se voltam a encontrar, é a relação entre presidente e treinador que marca a atualidade do clube – se bem que nos bastidores da estrutura dos catalães alguns julguem certamente ouvir ainda o “fantasma” Lionel Messi, presente em todos os jogos sem o ’10’.

O 30, o número que Messi escolhe quando quer mudar o mundo

Apesar de Koeman ter dito na antevisão ao jogo com a equipa de Munique que já se passaram “algumas coisas” com o presidente Laporta, mas que agora estão de acordo, a verdade é que não foi isso que deu a entender ao site neerlandês nos.nl, ainda com a mente na sua muito questionada continuação, até pelo título perdido para o Atl. Madrid, que acabou por acontecer. “Acho que as coisas devem ser claras e quando se espalham por um clube e não são claras, quanto ao futuro do treinador, existe muita especulação. E se fores o treinador isso não é bom. Laporta disse demasiado, porque são coisas que podem ser feitas em privado. Gosto quando o presidente está comprometido e faz perguntas, mas há coisas que não deviam chegar à imprensa”, disse o treinador que já passou pelo Benfica. Dizendo que está “aberto” a ficar no clube, foi claro: “Graças a mim este clube tem futuro. Tenho a sensação de que todos no clube estão comigo”. Estas declarações não caíram bem junto de pessoas próximas a Laporta…

Enric Masip, antigo capitão da equipa de andebol dos catalães, escreveu no Twitter que o “clube tem futuro graças à mudança de direção e presidente que mudou o desastre. “Podia ter sido o final do clube. Não é uma frase feita, é uma realidade que o Barça não podia pagar salários”, acrescentou.

Também Lluís Carrasco, diretor de campanha de Laporta na corrida à presidência do Barcelona, atacou Koeman, também nas redes sociais, acusando-o de ser “autodestrutivo” de Laporta o manter “contra toda a lógica e depois paga por isso”.

Depois dos sinais de paz vindos do lado de Koeman, foi o presidente, já esta terça-feira, a falar também de forma tranquilizante para com o mundo blaugrana. “Fui ver o treino, saudei Koeman e dei-lhe motivação. Temos um jogo complicado contra uma grande equipa, mas vi-o confiante. É um grande rival que chega numa altura em que temos alguns jogadores por recuperar”, afirmou, referindo-se às lesões de jogadores como Agüero ou Ansu Fati. “Dou-me bem com Koeman, é uma pessoa de quem gosto e tenho toda a confiança nele. Tem todo o meu apoio e respeito. Desejar-lhe sorte é desejar sorte a mim mesmo. Estamos no mesmo barco, temos os mesmos objetivos e partilhamos o modelo do que estamos a construir. Não há divergências, mas há opiniões que podem não coincidir. A comunicação com Koeman é fluida”, questionado sobre se o lugar do treinador estaria em causa com uma possível derrota, respondeu com um simples “não”. No mesmo sentido, fontes próximas do clube ouvidas pelo El Mundo dizem que a carreira de Koeman como treinador do Barcelona será “julgada pelos resultados e pelos jogos”.

Voltando ao 8-2, já não há Griezmann, já não há Suárez, já não há… Messi. Koeman admitiu que ficou “f*****” por ter ficado sem o jogador e, embora haja muita discussão sobre se terá sido a vertente económica apenas a ditar a saída do afinal não tão eterno jogador do Barcelona, é um ponto muito, mas muito marcante da vida do Barcelona. De toda a vida do Barcelona, provavelmente. Mas indo pela versão oficial de que era praticamente impossível cumprir o fair play financeiro da La Liga e manter Messi também não se concluem coisas boas. A dívida atual do Barcelona é de 1,35 mil milhões de euros e, segundo Laporta, em agosto, os salários do clube atingiam os 103% relativamente às receitas do Barcelona, o que significava 33% a mais do que a liga espanhola pretende limitar, os tais 70%.

Para inscrever reforços como Eric Garcia, Depay ou Agüero, que vieram todos a custo zero precisamente devido à situação financeira do clube, foi necessário renegociar os contratos com os quatro capitães: Piqué, Busquets, Jordi Alba e Sergi Roberto. Foi também necessário “despachar” Griezmann, que recebia cerca de 20 milhões de euros líquidos por época, valor totalmente incomportável para o Barcelona.

Mas nem a redução salarial dos capitães foi pacífica para Laporta. Não que tenham noticiados entraves por parte dos jogadores, mas Jordi Alba, assobiado a dada altura pela massa adepta, “chutou” também para o presidente do clube algumas respostas, supostamente por ter dificultado a revisão do seu contrato e, a partir daí, ter alguma culpa na saída de Messi. “Ninguém me ligou antes do Euro 2020 [para negociar o contrato]. É falso. Quando o clube fala comigo, eu estou aqui, passei a minha vida no Barcelona. O meu compromisso com o clube ser posto em causa magoa-me muito. Como o presidente ainda não falou sobre isto, suponho que ele venha a falar e diga a verdade. As mentiras cansam-me. Além de ser o melhor jogador de sempre, Leo era o que me entendia melhor, por isso imaginem os esforços que teria feito para ele ficar. A questão Messi não está ligada à dos capitães”, garantiu o defesa esquerdo a meio de agosto.

“A rivalidade com José Mourinho desgastou-nos muito”, diz Piqué sobre os tempos de Guardiola (que mudaram com Shakira)

Nem o capitão Busquets nem o treinador Ronald Koeman rejeitaram a ideia de que a derrota do Estádio da Luz não tenha sido marcante e que hoje não seja um dia importante para uma possível retoma do clube. O médio espanhol diz que a equipa tem “ambição” e que está “mentalizada para começar a mudar e digerir o choque do adeus de Messi”. Já para o técnico neerlandês a receita é simples, mas complicada: “ter a bola”.

Mas o encontro desta terça-feira não tem apenas o Barcelona e do lado do Bayern Munique um dos melhores sons vem de alguém que habituou os adeptos a tal: o ex-dirigente Uli Hoeness. “O Barcelona já não é um modelo para nós, de todo. Na realidade o Barcelona está em queda e, na Alemanha, seria caso para um juiz de insolvência”.

Em queda, ou não, a verdade é que o super titulado Barcelona recebe esta terça-feira o super titulado Bayern Munique. Há muito a passar-se fora de campo, mas dentro das quatro linhas não há muito melhor que o mundo possa ver e apresentar.