Estados Unidos, Reino Unido e Austrália apresentaram esta quarta-feira a AUKUS, uma nova parceria entre as três democracias marítimas de língua inglesa que, entre outras coisas, vai dotar Camberra de uma nova frota de submarinos movidos a energia nuclear.

Apesar de terem feito questão de frisar, no momento do anúncio, que esta nova aliança não visa especificamente a China, o presidente dos Estados Unidos reconheceu que o novo acordo nasce da necessidade de “garantir a paz e a estabilidade na região do Indo-Pacífico a longo prazo” — o que, previsivelmente, incomodou Pequim, que esta quinta-feira já reagiu, num misto de recriminação e ameaça. “Deviam abandonar esta mentalidade obsoleta de guerra fria de soma zero e estes conceitos geopolíticos tacanhos e respeitar as aspirações dos povos da região e fazer mais em prol da paz, da estabilidade e do desenvolvimento — caso contrário, só acabarão por prejudicar os seus próprios interesses”, disse Zhao Lijian, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Mais indignada foi a reação de França que, sem qualquer aviso prévio, viu, com o nascimento da AUKUS, cair por terra o contrato de 56 mil milhões de euros que tinha firmado com a Austrália, para fornecer ao país, ao longo de um período de 50 anos, submarinos de fabrico francês. “É uma faca nas costas. Isto não se faz entre aliados”, disse em entrevista à radio France Info Jean-Yves Le Drian, o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, acrescentando ainda que o negócio dos submarinos foi uma “decisão unilateral, brutal e imprevisível” e equiparando este novo anúncio ao modus operandi de Donald Trump durante os seus anos na Casa Branca — o que, de acordo com fontes próximas da administração ouvidas pelo New York Times, não terá caído nada bem a Joe Biden, que no anúncio de quarta-feira lembrou que França continua a ser um “aliado-chave”, com uma presença importante na região.

Num comunicado conjunto assinado por Le Drian e Florence Parly, o ministro das Forças Armadas, Paris classificou como “uma decisão lamentável” que “demonstra falta de coerência” aquilo a que chama “a escolha americana de excluir um aliado e parceiro europeu como a França”. Ato contínuo, cancelou uma gala que esta sexta-feira deveria acontecer na embaixada francesa em Washington, para assinalar os 240 anos da Batalha de Chesapeake, durante a Guerra da Independência dos Estados Unidos.

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O anúncio da AUKUS surgiu apenas um dia antes de a União Europeia propor a sua própria estratégia para a mesma região do Indo-Pacífico — que passará por um “envolvimento multifacetado com a China”, o que essencialmente significará cooperação em questões de interesse comum e “oposição nas questões em que existe desacordo fundamental com a China, como em matéria de direitos humanos”.

Ao apresentar o documento, o espanhol Josep Borrel juntou-se a França e criticou a nova aliança firmada entre Joe Biden, Boris Johnson e Scott Morrison: “Acho que um acordo como estes não foi cozinhado antes de ontem, demora algum tempo. E, apesar disso, a União Europeia não foi consultada”.

Para o chefe da diplomacia europeia, esta nova aliança só vem dar ênfase à ideia de que a União Europeia tem de ser mais autosuficiente: “Isto força-nos novamente a refletir sobre a importância de avançar na questão da autonomia estratégica da União Europeia. É uma nova prova de que temos de existir por nós próprios”.