Poder-se-á dizer que por causa de Peter Madsen todos os prisioneiros dinamarqueses condenados a prisão perpétua vão pagar: durante os dez primeiros anos da pena, vão estar impedidos de estabelecer contacto, por telefone, carta, e-mail ou qualquer outra plataforma online, com pessoas que não fizessem já parte do seu círculo antes de serem detidos. Tudo para não terem qualquer hipótese de começar novos romances — pelo menos não com pessoas incautas e desconhecidas.

Em causa está uma lei, apresentada pelo governo social-democrata e secundada pela oposição de centro-direita, que deverá entrar em vigor a partir de janeiro de 2022. “Nos últimos anos temos visto exemplos desagradáveis de presos que cometeram crimes vis e contactaram jovens com o objetivo de conquistar a sua simpatia e atenção. Isto tem obviamente de ser parado”, justificou o ministro da justiça, Nick Hækkerup. Para além de impedir o florescimento de novas relações, a lei vai também proibir estes reclusos de longa duração de partilharem informação sobre os crimes que cometeram na Internet ou de tecerem comentários sobre eles em podcasts. As prisões não devem funcionar como “centros de encontros ou plataformas para se gabarem sobre os seus crimes”, acrescentou ainda o ministro.

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Apesar de Nick Hækkerup em momento algum ter proferido o nome de Peter Madsen, a imprensa dinamarquesa atribui ao engenheiro e empresário, preso desde 2017 pelo homicídio e desmembramento da jornalista sueca Kim Walls, o último e mais ultrajante dos referidos “exemplos desagradáveis”.

Em 2020, Cammilla Kürstein, então com 20 anos, revelou numa entrevista como três anos antes, com apenas 17, tinha escrito uma carta ao assassino, com quem teria desde então mantido uma relação, primeiro por escrito, depois por telefone, em conversas diárias que chegariam a durar três horas. “Estava absolutamente apaixonada por ele”, assumiu a rapariga, que contou ainda que os pais eram contra a relação e chegaram a rasgar várias cartas, mas que isso nunca a deteve, tendo mesmo chegado ao ponto de fazer uma tatuagem, “como símbolo do seu amor”.

O pior é que este nem sequer foi o primeiro caso tornado público de relacionamentos iniciados e mantidos a partir da prisão por Peter Madsen, agora com 50 anos: em 2018, uma guarda prisional de 40 anos, mãe de duas crianças, foi despedida depois de ter sido descoberta a relação que mantinha com o recluso; e em dezembro de 2019 foi notícia o seu casamento, na prisão de Herstedvester, nos arredores de Copenhaga, com Jenny Curpen, uma artista russa exilada na Finlândia. “O meu marido cometeu um crime horrível e é punido por isso. No entanto, conhecê-lo na vida real dá-me o direito exclusivo de dizer que tenho sorte em estar com a pessoa e o homem mais belo, inteligente, talentoso, dedicado e empático de sempre”, escreveu a noiva numa publicação no Facebook, pouco depois de mudar o estado para “casada”.

Outro mau exemplo foi dado por Peter Lundin, um assassino em série que em 2001 foi condenado a prisão perpétua pelo triplo homicídio da mulher e dos dois filhos. Para além de lhe já terem sido conhecidos vários namoros a partir da prisão, as autoridades descobriram no ano passado que Lundin, agora com 49 anos, tinha um perfil no Facebook (criado anos depois da sua prisão) e mantinha um podcast em que partilhava detalhes sobre os seus crimes.

A legislação ainda em vigor na Dinamarca permite tudo isto, nomeadamente que os reclusos condenados a penas de prisão perpétua escrevam, telefonem ou sejam visitados por pessoas que não conheciam antes da detenção, ou partilhem na Internet toda a informação que entenderem, incluindo sobre os crimes que cometeram. Esta nova lei, alertou Jens Elo Rytter, especialista em direitos humanos da Universidade de Copenhaga, em declarações ao jornal B.T. vai, “para além de levantar questões sobre censura”, “interferir com o direito dos prisioneiros à sua vida privada”.