A venda de tecnologia norte-americana de submarinos nucleares à Austrália é sinal de que a estratégia dos EUA se centra no Indo-Pacífico e deixa a Europa como ator secundário, defende o analista Álvaro Vasconcelos.

“Durante muito tempo, considerou-se que a NATO era o centro da segurança europeia, num confronto com a Rússia. Hoje a estratégia americana está a mudar para o Pacífico, nomeadamente no confronto com a China“, disse à agência Lusa Álvaro Vasconcelos, para contextualizar o anúncio, esta semana, de que os EUA e o Reino Unido vão vender à Austrália tecnologia para a construção de submarinos nucleares.

Acordo entre EUA e Reino Unido para dotar Austrália de submarinos nucleares afronta China e gera tensão em França: “É uma faca nas costas”

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“A Europa passou a ser secundária. A Rússia passou a ser secundária. A NATO passou a ser secundária, para os EUA”, defendeu Álvaro Vasconcelos, fundador do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais (IEEI).

Para este especialista, o tema ganha ainda mais relevância pelo risco que coloca de uma corrida ao armamento nuclear.

“Esta venda de tecnologia implica o recurso a urânio enriquecido a um nível de poder ser utilizado também para armas nucleares”, explicou Álvaro Vasconcelos, reconhecendo que esta é a questão que preocupa a China, que já criticou esta operação de venda.

A diplomacia de Pequim avisou que a transferência de tecnologia norte-americana e britânica de construção de submarinos nucleares à Austrália constitui uma “ameaça à estabilidade” na região.

O que pode acontecer é que a China, percebendo que há uma disseminação de tecnologia nuclear na região pelos aliados dos ocidentais, entre também nessa corrida e procure parceiros. Desde logo o Paquistão”, acrescentou Álvaro Vasconcelos, chamando a atenção para outros riscos paralelos, incluindo o facto de a Coreia do Sul, que é aliada dos EUA, também querer ter acesso a esta tecnologia, até porque é rival da Coreia do Norte, que tem armas nucleares.

Outra vertente para que Vasconcelos chama a atenção relaciona-se com o facto de a França ter apenas tido conhecimento desta operação horas antes de ela se ter realizado, o que levou o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Jean-Yves Le Drian, a ter classificado o gesto dos EUA e do Reino Unido como “uma facada nas costas”.

“A França, como a União Europeia, estão preocupadas com a transferência de tecnologia nuclear”, explicou Álvaro Vasconcelos, lembrando que a França tinha um acordo de venda de submarinos convencionais à Austrália, que ficou “rasgado” com esta operação.

“A França não quer contribuir para a proliferação de armas nucleares. Porque a França também poderia ter exportado para a Austrália submarinos nucleares. Mas não o quis fazer”, disse Vasconcelos.

“Mas ainda pior para a Europa é o envolvimento do Reino Unido nesta operação. Boris Johnson tinha abandonado a ideia do ‘Global Britain’, que era um fiasco. Agora, o ‘Global Britain’ é um sucesso, porque faz parte da aliança com os Estados Unidos”, defendeu o especialista em política internacional, dizendo que o Reino Unido parece estar a seguir Washington “de forma um pouco cega” nesta aliança global.