A saturação da população e a banalização das mortes causadas por Covid-19 são atualmente os principais riscos da pandemia provocada pelo novo coronavírus, na opinião da especialista em comunicação Cristina Ponte, da Universidade Nova de Lisboa.

“Há uma saturação com uma situação que sabemos que não acabou, mas há um cansaço, há um risco de banalização, isso é o que me preocupa mais”, afirmou em entrevista à agência Lusa a professora catedrática, referindo que a tendência começa a ser a de desvalorizar as mortes de cinco a seis pessoas por dia e de as comparar às causadas por outras doenças ou acidentes.

Para a investigadora, a “banalização da informação” diária apresentada pelas autoridades de saúde deve ser alvo de reflexão, por forma a ser transmitida com clareza e objetividade, mas evitando que o modelo de fornecimento dos dados deixe de ter impacto.

“A pandemia não acabou, isso tem de ser comunicado, mas há uma necessidade de fornecer dados de uma forma diferente, mais espaçada (semanal), menos monótona e menos cansativa”, vaticinou.

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A intenção já manifestada pela diretora-geral da saúde, Graça Freitas, de libertar os portugueses do boletim diário relativo à Covid-19 parece-lhe, por isso, uma boa medida.

Numa análise à comunicação institucional feita ao longo do último ano e meio, Cristina Ponte identificou também o risco de “confusão” com a panóplia de regras aplicadas sucessivamente em diferentes contextos, de estabelecimentos comerciais a territórios: “Houve uma diversificação que penso que foi necessária, no sentido em que o país não era homogéneo, havia zonas que tinham contextos diferentes, mas isso também levou a alguma confusão”.

“Depois, as próprias vozes governamentais também nem sempre estiveram em sintonia e claro que os meios de comunicação social também aproveitam isso para evidenciar essa ausência de sintonia”, observou, referindo-se às tutelas da educação, da saúde e da economia, face às medidas de confinamento que condicionaram as diversas atividades.

Às vezes até o próprio poder local e isso é uma situação que decorre do nosso próprio calendário – estivemos em período pré-eleitoral e isto foi também muito usado -, quase que cada autarca se transformou num expert de como gerir a pandemia no seu concelho. Houve aqui alguma confusão”, admitiu.

Ao nível do aconselhamento, a investigadora do Instituto de Comunicação da Nova considera que foi dada atenção aos especialistas em saúde nas diferentes vertentes, com destaque para pneumologistas, epidemiologistas e pediatras, mas descurada a área da comunicação e do comportamento, nomeadamente psicólogos e peritos em comunicação de crise.

“Acho que neste lado de olhar para uma situação que era sem dúvida muito difícil e inesperada, terá havido uma certa cacofonia, que levou a um efeito cujo maior risco neste momento é as pessoas estarem a banalizar a situação”, constatou.

A circunstância faz também, segundo Cristina Ponte, com que os chamados negacionistas e movimentos que encaram todas as medidas de segurança sanitária como “um exagero” tenham encontrado terreno – “felizmente um espaço ainda muito pequeno e esperemos que continuem assim”.

“Acho que há aqui um esforço que tem de ser pensado em termos de comunicação e, nomeadamente, em termos de visualização, o que é que é mais eficaz para contrariar estes três efeitos que identifiquei, da saturação, da banalização e da confusão”, defendeu.

Task force marcou viragem na comunicação

A entrada em funções da task-force para a vacinação, liderada pelo oficial Henrique Gouveia e Melo, marcou um ponto de viragem na comunicação relativa à pandemia de Covid-19, defendeu em entrevista à Lusa a investigadora Cristina Ponte.

“Para já foi logo uma figura diferente, uma figura singular, não era um tecnocrata, era alguém operacional, que até se apresentava daquela maneira não é?”, afirmou a especialista em comunicação, referindo-se ao uniforme militar com que o coordenador da task-force assumiu o combate ao novo coronavírus, o camuflado, comum aos três ramos das Forças Armadas.

Acho que o contributo dele, ainda por cima num momento em que não estavam a chegar as vacinas com a velocidade que se pretendeu, a liderança que imprimiu neste processo foi muito importante, porque foi uma figura tranquila, sem dramatização e ao mesmo tempo uma figura em que as pessoas reviram a autoridade do ser capaz de conduzir a missão”, considerou a catedrática do Instituto de Comunicação da Universidade Nova de Lisboa.

Para Cristina Ponte foi também “muito importante” o facto de a grande maioria da população desejar ser vacinada e de não ter vingado em Portugal “um movimento anti-vacinas forte”, como noutros países da Europa, nomeadamente em França.

“Foi um bom exemplo de uma liderança eficaz para a condução de uma ação, complementada com um contexto de saúde e de uma população que confiou e que desejou também ser vacinada”, disse.

De acordo com os dados divulgados esta semana pela Direção-Geral da Saúde, 83% da população portuguesa já tem a vacinação completa.

Uma comunicação “pragmática, segura” e que inspirou “confiança”, destacou a investigadora, ao analisar a postura do vice-almirante, sublinhando que estes são fatores a ter em conta quando existe necessidade de “estabelecer confiança”.

O desempenho da missão acabou por contribuir para o prestígio das Forças Armadas, cuja imagem de se encontrava abalada, admitiu. “Também foi uma ocasião para as próprias Forças Armadas aparecerem aos olhos da sociedade como tendo um papel de relevância pública“, afirmou Cristina Ponte, acrescentando que o desempenho da task-force foi “um aspeto positivo para a coesão”, para uma ideia de que as FA podem ser: “Foram aqui neste caso uma infraestrutura logística que tornou possível este sucesso, à parte também o papel que tiveram os profissionais de saúde”.

A gestão da comunicação da pandemia foi, segundo a investigadora, “um enorme desafio”, porque “não vinha nos manuais” e abrange vários fenómenos que não apenas a questão da saúde pública como um todo, mas a forma como as pessoas lidam com situações inesperadas, com os medos, com a recusa e a manipulação da informação.