Um “mau resultado”. Se o Bloco de Esquerda não quis reagir ao resultado das eleições sem perceber as contas finais e o papel que poderia desempenhar em Lisboa, nesta segunda-feira, já com a notícia da vitória de Carlos Moedas, Catarina Martins não hesitou em assumir a derrota. Com um aviso importante dirigido ao novo presidente da câmara da capital, mas sobretudo aos vereadores da esquerda: “Existe uma maioria que pode travar retrocessos que a direita queira impor”.

As expectativas do Bloco recaíam em grande parte sobre o resultado de Lisboa, por várias razões: por um lado, o partido praticamente não tem implantação autárquica pelo país fora e tem zero presidências de câmara, sendo Lisboa a câmara mais relevante onde conseguiu há quatro anos eleger vereação; por outro, foi também há quatro anos que assinou um acordo de governo local com Fernando Medina, passando a influenciar a governação da principal autarquia do país.

Ora a derrota do parceiro Medina, que na noite de domingo os bloquistas ainda não tinham por fechada, complica a vida ao partido do lado: para o BE, desfazem-se as expectativas que tinha — e à volta das quais construiu toda a sua campanha — de voltar a chegar a acordo com o PS. O plano será agora outro — o oposto — e Catarina Martins anunciou-o esta tarde, quando recusou desde logo a hipótese de fazer “coligações à direita”.

A garantia vai, no entanto, mais longe do que isso: não se trata apenas de não fazer “coligações”, trata-se de uma promessa de “travar” Moedas. Em que dossiês concretos? “Estaremos em cumprimento do nosso mandato. Não estou a ver nenhuma proximidade entre o programa do BE e da direita”, disparou. O objetivo parece, agora, passar por dificultar a vida a Moedas, que será confrontado com um executivo em que a esquerda tem maioria (são sete vereadores PSD/CDS ‘contra’ sete do PS, dois da CDU e um do BE).

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Para o BE, uma das “más notícias” da noite foi mesmo a vitória da direita em Lisboa. Mas, se Fernando Medina e António Costa falavam ontem numa transferência de votos para a esquerda (sobretudo para o PCP) e culpavam os partidos por terem agitado o papão da maioria absoluta, a coordenadora do Bloco fez questão de desresponsabilizar o BE: “O PS perdeu milhares de votos para a direita”. E para isso, insistiu, terão contribuído os “problemas próprios” dos socialistas em Lisboa, mas também a “instrumentalização” da bazuca, que poderá ter funcionado como uma espécie de tiro na culatra do PS.

A mensagem era importante, uma vez que o Bloco passou a campanha a avisar contra uma possível maioria absoluta de Medina e a dramatizar esses apelos, colocando mesmo a escolha dos eleitores como um dilema entre esse cenário ou uma vereação do Bloco. No final, nem houve maioria, nem sequer vitória do PS. Mas o BE rejeita que o seu discurso possa ter ajudado a entregar a câmara à direita.

Bipolarização e influência em Almada

A análise, que será ainda afinada no sábado, em reunião da direção alargada do BE, passou no entanto por outros fatores. Reconhecendo o “mau” resultado, Catarina explicou a perda de vereadores (de 12 passou a 4) com os “cenários de bipolarização”, muitas vezes em câmaras onde havia disputas PS/CDU, que afastaram o BE dos executivos.

O copo meio cheio? A eleição de Beatriz Gomes Dias, mantendo a vereação em Lisboa, embora essa fosse uma fasquia humilde; a “muito difícil” eleição de Joana Mortágua como vereadora em Almada, cenário em que o BE já tenta ganhar influência — “o PS terá agora de escolher se quer governar à direita ou à esquerda”, desafiou Catarina; a eleição da vereadora Carla Castelo em Oeiras; e a inesperada — e só confirmada de madrugada — eleição, pela primeira vez, de um representante (Sérgio Aires) na câmara do Porto, “determinando a perda de maioria absoluta de Rui Moreira”.

Sobre leituras nacionais, Catarina Martins afiançou estar tranquila, garantindo que a posição em que o partido parte para a próxima fase de negociações orçamentais é “exatamente a mesma” em que estava antes das eleições. É uma questão de expectativas: em autárquicas, o Bloco continua a apostar pouco, mesmo tendo já 22 anos de vida e uma relevância mediática e política que não é capaz de traduzir para o nível local.