O Ministério Público (MP) deduziu acusação contra um ex-presidente da direção, uma ex-diretora de serviços e a própria instituição do Lar do Comércio, em Matosinhos, imputando-os de 67 crimes de maus tratos, sendo 17 deles agravados por resultarem em morte, entre janeiro de 2015 e fevereiro de 2020.

De acordo com uma nota publicada esta segunda-feira na sua página, a Procuradoria-Geral Regional do Porto (PGR-P) refere que “o Ministério Público no DIAP do Porto (Matosinhos, 3ª Secção) deduziu acusação contra três arguidos, duas pessoas individuais, que assumiam os cargos de presidente da direção e de diretor de serviços, e a pessoa coletiva, O Lar do Comércio, imputando-lhes a prática, em coautoria, de 50 crimes de maus tratos e 17 crimes de maus tratos, agravados pelo resultado morte”.

Segundo síntese da acusação do MP, entre janeiro de 2015 e fevereiro de 2020, os arguidos, quando ainda exerciam funções, decidiram deixar de adquirir produtos de higiene e terapêuticos para os utentes do lar — desde “apósitos para escaras, colchões antiescaras, fraldas, suplementos proteicos” — com o objetivo de “diminuição e contenção de gastos”. Além disso, os arguidos também decidiram conter gastos em recursos humanos (na contratação de mais médicos, enfermeiros e funcionários) e nas despesas na aquisição de equipamentos e de mobiliário. Tudo isto, acrescenta o MP, “violando as funções dos cargos que ocupavam e apesar de saberem que a instituição dispunha de meios económicos para o fazer”.

O MP considera que “os arguidos atuaram com a consciência de que as suas condutas resultariam na falta de cuidados na saúde, na higiene, na alimentação, na atenção, nos afetos, no entretenimento e socialização dos residentes acamados” e que determinaram “o agravamento do estado de saúde, provocando-lhes mazelas físicas e sofrimento físico e psíquico, atentando contra a dignidade da pessoa humana, como ocorreu em 50 dos utentes ali internados”.

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Além disso, acrescenta a nota, consideram que “os arguidos atuaram também com a consciência que a omissão dos cuidados aos utentes poderia causar-lhes a morte, e que se conformaram com tal resultado, como veio a suceder em 17 dos utentes ali internados”.

Em maio do ano passado, o Ministério Público anunciou a abertura de um inquérito à atuação do Lar do Comércio, onde ocorreram mais de 100 infeções por Covid-19 e 24 mortes. A direção do Lar do Comércio da altura negou qualquer negligência por parte da instituição.

Ministério Público abre inquérito à atuação do Lar do Comércio em Matosinhos, após autarca falar em negligência. Direção nega acusações

Esta terça-feira, em comunicado, a atual direção do Lar do Comércio (em exercício desde janeiro deste ano) referiu que “repudia as suspeitas de eventuais práticas que possam pôr em causa a dignidade e a vida humana” e assegurou estar sempre disponível “para colaborar com as entidades competentes, tendo em vista o apuramento da verdade, aguardando com serenidade a evolução do processo”.

“O nosso trabalho de revitalização e credibilização de O Lar do Comércio não vai parar. A Direção tem um projeto bem definido para a Instituição em prol do bem-estar e conforto dos utentes”, acrescenta a mesma nota, publicada no site da instituição.

(Título do artigo atualizado às 12h03 com a clarificação de que os arguidos são ex-dirigentes do Lar do Comércio e às 16h34 com um comunicado da atual direção do lar)