O presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia (SPG) defendeu esta quarta-feira que é preciso encontrar os doentes oncológicos que ficaram por identificar devido à pandemia, mas alertou que esta tentativa de recuperação não pode prejudicar diagnósticos e tratamentos futuros.

O alerta de Guilherme Macedo surge na véspera do Dia Nacional do Cancro Digestivo, que engloba os cancros do pâncreas, intestino, estômago, fígado e esófago, responsáveis por um terço do total de casos oncológicos no país, que em 2020 somaram 60.467.

A mensagem principal para este dia deve assentar em dois grandes aspetos, por um lado, a pandemia não fez reduzir o número de pessoas que infelizmente padecem de cancros digestivos”, o que significa que essas pessoas precisam de ser identificadas para serem tratadas a tempo.

Por outro lado, apontou, também é muito importante que, “num futuro próximo”, os doentes que vão precisar de identificação e tratamentos “não sejam agora prejudicados por esta tentativa de recuperação do que está para trás”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Para isso, defendeu, “é fundamental” converter e readaptar as instituições para terem capacidade de responder “às necessidades correntes que já são muitíssimas”, mas também “às necessidades acrescidas” resultantes de “um ano e meio de atraso indiscutível no diagnóstico e tratamento”.

“Estamos a tentar ultrapassar um ‘tempo que parou’ (…) Portanto, em primeiro lugar é preciso termos a coragem e a perceção de compreender que isso é uma realidade”, disse Guilherme Macedo, também diretor do serviço de Gastrenterologia do Centro Hospitalar de São João, no Porto.

O que temos agora é uma pressão suplementar e é este o grande desafio que se coloca, sobretudo, na área da saúde digestiva e na área da oncologia digestiva, o que implica que haja uma postura e uma previsão muito racional da forma como podemos atuar nos próximos meses”, uma situação para a qual a SPG pretende sensibilizar a tutela e os doentes, disse.

Apesar de alguns doentes estarem a ser identificados em fases mais avançadas da doença, Guilherme Macedo disse que “felizmente os tratamentos continuam a ser muito eficazes, mas a custo mais elevado”.

“É preciso dar uma perspetiva mais otimista porque felizmente na área da oncologia digestiva a nossa capacidade de ir mais longe, de ir mais fundo, de ir mais próximo dos doentes é cada vez maior. Agora, os recursos é que infelizmente não são só limitados como são mais onerosos nesta fase”, vincou.

Este atraso prejudicou os doentes com cancro do pâncreas e do fígado em que a evolução fatal está dependente do tempo.

O presidente da Europacolon – Associação de Luta contra o cancro do Intestino disse, por seu turno à Lusa, que as consequências da pandemia nos doentes não-covid foram “muito mais graves” do que as consequências da pandemia para a população.

“O nosso ponto de situação neste momento é de muita intranquilidade, de muita inquietude relativamente ao posicionamento da saúde em Portugal para os doentes não covid”, disse Vítor Neves, adiantando que “já é tempo de as autoridades de saúde se dedicarem e planearem a retoma do acompanhamento regular dos doentes crónicos e oncológicos”.

“A implementação das políticas de prevenção e diagnóstico precoce tem que ser feita”, mas de “uma forma planeada, transparente e visível para a população”, advogou.

Vítor Neves disse que os médicos têm referido à associação que “os doentes estão a chegar às especialidades num estado muito mais evoluído”, defendendo, por isso, que “é preciso encontrar os doentes que entre março de 2020 e outubro de 2021 não fizeram o diagnóstico (…) para que cheguem aos centros de saúde e sejam reavaliados”.