O recurso do Ministério Público sobre a decisão instrutória do caso Operação Marquês tem 1818 páginas e não poupa críticas ao despacho de pronúncia do juiz Ivo Rosa, referindo mesmo que ele menosprezou a investigação e as provas e distorceu os crimes. O magistrado decidiu que dos 28 arguidos do caso (19 pessoas singulares e 9 empresas) só cinco iriam a julgamento, passando os 189 crimes em causa para 17.

Agora o MP quer que o Tribunal da Relação mude a decisão para os crimes que ele retirou a 27 arguidos (oito são empresas), entre eles o ex-primeiro-ministro José Sócrates e os arguidos Ricardo Salgado, João Perna e Armando Vara — quanto a estes três mantendo os crimes por que foram pronunciados pelo juiz Ivo Rosa e que estão em fase de julgamento. O MP desiste, porém, dos crimes que Ivo Rosa não pronunciou relativamente à empresa XMI Management & Investments SA.

Deturpações, erros e absurdos. Como o Ministério Pública desmonta a decisão de Ivo Rosa em 5 pontos

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No recurso, a que o Observador teve acesso, o Ministério Público acusa o juiz Ivo Rosa de “menosprezo e incompreensão pelo trabalho de recolha de prova feito em sede de inquérito”, revelando uma especial preocupação “em forçar a existência de lacunas e contradições na acusação”. Como consequência, prosseguem os procuradores na parte destinadas às conclusões, a decisão instrutória omite “os factos relacionados com os movimentos financeiros, que ocupam uma parte significativa da acusação, apesar de os admitir como indiciados”.

“Esse desprezo sobre o narrativo acusatório tem a sua principal expressão na  circunstância de a decisão instrutória ter omitido os factos relacionados com os  movimentos financeiros, que ocupam uma parte significativa da acusação, apesar de os admitir como indiciados”, lê-se. O MP chega a escrever que o juiz de instrução Ivo Rosa “distorce” algumas das incriminações da acusação.

Os procuradores Rosário Teixeira e Vítor Pinto dizem também que a “agressividade da decisão instrutória” não deixa “de evidenciar uma interpretação errada e viciada da tese vertida na acusação, isto é, da leitura dos factos narrados na acusação”.

Os 189 crimes da Operação Marquês passaram a 17. Quem vai afinal julgamento e por quais?

Assim o Ministério Público propõe neste recurso, enviado terça-feira, “fazer uma interpretação autêntica da acusação, de forma a repor o seu verdadeiro sentido, quer narrativo quer das incriminações realizadas, que foram também distorcidas”.

E começa por lembrar que todos os factos narrados no despacho de acusação refletem a evolução da recolha de prova, à medida que foram sendo cruzados os movimentos financeiros detetados com os negócios então são feitos.

“As entidades favorecidas foram o Grupo Lena, a administração que assumiu o controlo do Grupo Vale do Lobo e o Grupo Espírito Santo (GES), na definição de interesses feita pelo arguido Ricardo Salgado”, refere.

Esse favorecimento, continua o Ministério Público, teve “sempre a presença do arguido José Sócrates, mas nunca foi feita por intervenção direta no ato decisório do Estado, mas sim através da antecipação das oportunidades de negócio, do apoio diplomático, da conformação dos termos jurídicos da contratação, da colocação de personagens maleáveis nos lugares de decisão e da conformação das opções do Estado aos interesses privados subjacentes a esses negócios”, resume o recurso.

O juiz Ivo Rosa considerou que perante a prova que lhe foi apresentada, o ex-primeiro-ministro José Sócrates devia ser julgado por seis dos 31 crimes que que vinha acusado — três por branqueamento de capitais e três por falsificação de documentos. Deixando cair três crimes de corrupção passiva de titular de cargo política, 13 crimes de branqueamento de capitais, seis crimes crimes de falsificação de documentos e três crimes de fraude fiscal qualificada.