O Chega elegeu 19 vereadores em todo o país nas primeiras eleições autárquicas a que foi a votos, mas a grande questão que subsiste é o que pode fazer com estes representantes para influenciar a governação autárquica. Se em grande parte dos municípios o vereador do partido liderado por André Ventura não é necessário para que seja formada uma maioria, há um município que encaixa nas possibilidades permitidas por André Ventura.

Para já, as atenções centram-se em Santarém. Pedro dos Santos Frazão — que no último congresso foi promovido de vogal a vice-presidente da direção — é um dos homens do Chega que pode desbloquear um processo de governação do executivo. Em Santarém, o PSD elegeu quatro vereadores, o PS outros quatro e o Chega um.

Com o PS à espreita para fazer novo assalto ao poder (aproximou-se do PSD) daqui a quatro anos, poderá querer dificultar a vida ao presidente Ricardo Gonçalves, o que pode forçar o reeleito presidente a acordos com o Chega (algo que o presidente do PSD, Rui Rio, desaconselha). Mas Ricardo Gonçalves é desalinhado com o líder do partido e tem autonomia legal para tomar a decisão.

Do lado do Chega, Pedro dos Santos Frazão admite ao Observador que está disponível para ouvir e falar com o PSD, mas até agora não recebeu qualquer contacto nem de Ricardo Gonçalves, reeleito presidente da Câmara Municipal de Santarém, nem da distrital.  “O Chega não é um partido irresponsável”, aponta, ao recordar o caso dos Açores e a forma como o partido deu apoio parlamentar ao Governo do PSD.

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Mas, além dos quatro pontos estabelecidos pela direção do Chega para aceitar acordos — um plano de acompanhamento dos problemas da etnia cigana no município, combate à corrupção, redução da subsidiodepêndencia para metade e a existência de um complemento solidário municipal —, Pedro dos Santos Frazão não firma qualquer entendimento sem que o autarca do PSD aceite uma auditoria externa às contas da câmara e empresas. “Se não aceitar é porque tem consciência pesada e será ele a inviabilizar o acordo”, insiste, frisando que esta auditoria é uma “pedra basilar”.

Ora, se o dirigente do Chega tem o ‘ok’ para avançar para acordo com o PSD, o mesmo não acontece com todos os outros vereadores, tendo em conta que (tirando as maiorias) todos os outros municípios em que o Chega elegeu pertencem a PS ou CDU. E, foi Ventura que o disse, no partido não há espaço para negociar à esquerda: “Não haverá nenhum acordo nem com o PS nem com a CDU que tenha o aval do Chega.”

É o caso de Loures, por exemplo, em que PS e CDU podem não conseguir chegar a acordo, mas o Chega também não o fará. Bruno Nunes disse ao Observador que “não será força de bloqueio”, mas fará o seu “papel de oposição”, garantindo que vai analisar proposta a proposta o que for “melhor para a população”. Além disso, o executivo (PS) precisaria de dois vereadores para conseguir uma maioria e o Chega tem apenas um.

No Entroncamento, por exemplo, o Chega já podia ser fundamental para garantir a maioria, mas mantém-se a recusa porque, quem ganhou, foi o PS. Há três vereadores socialistas, seguidos do PSD com o mesmo número e o Chega com um. O mesmo aconteceu em Moura, onde o Chega é terceira força política com um vereador, atrás de PS com três e CDU com os mesmos. Exatamente o mesmo aconteceu em Sesimbra e em Moita, neste último com quatro vereadores para PS e CDU.

Na Azambuja e na Moita, por exemplo, o PS conseguiu três vereadores, o PSD dois, enquanto Chega e CDU seguem com um. Caso parecido com Vila Franca de Xira, em que o PS tem cinco, o CDU três, o PSD dois e o Chega um e o Seixal, com CDU com cinco, PS com quatro, PSD e Chega com um cada.

Em Cascais, Odivelas, Vila Verde, Mangualde, Salvaterra de Magos, Portimão, Serpa e Loulé o Chega elegeu um vereador em cada município, mas as maiorias dos vencedores deixam o partido sem qualquer tipo de influência na governação desses municípios.

Ou seja, feitas as contas o Chega até pode ter mais hipóteses de governar a nível local, mas apenas em freguesias. André Ventura, na conferência de imprensa, desvalorizou o facto de Santarém ser o único executivo — até tendo em conta que o próprio André Ventura excluiu acordos com PS e CDU — e focou-se nas várias dezenas de autarcas pelo país, para dizer que os entendimentos também podem acontecer em assembleias de freguesia.

Um desses casos é em Sintra, onde o PS elegeu cinco vereadores, o PSD quatro e o Chega e a CDU um cada um. E na visão de Ventura não há qualquer acordo para este local.

O vereador do Chega eleito neste município é Nuno Afonso, um dos homens que tem vindo a perder espaço dentro da direção do Chega. Fundador do partido e muito próximo de Ventura, foi vice-presidente desde o primeiro congresso e acabou despromovido a vogal da direção pelo próprio líder do Chega. Nessa altura já tinha a missão de ser coordenador autárquico. Agora que as eleições terminaram, no rescaldo e na preparação do dia seguinte, volta a ser afastado da linha da frente.

Aliás, Nuno Afonso foi o coordenador autárquico do Chega para estas eleições e, ainda assim, André Ventura revelou na conferência de imprensa de rescaldo do ato eleitoral que não será o nome escolhido para estar à frente da comissão de apoio aos autarcas criada pelo Chega, que pretende dar apoio em termos de programa e de linhas orientadoras do partido.

Haverá ainda uma outra comissão estratégica para definir e autorizar acordos que será presidida pelo próprio André Ventura. O líder do partido revelou ainda que todos os autarcas que viabilizarem a “solução socialista estarão a violar as regras do partido”. Nesses casos, o Chega será “implacável a nível disciplinar” com todos os que atuarem “à revelia da direção”, estando mesmo em cima da mesa a expulsão do partido.