Desde o caso do Chefe do Estado-Maior da Armada até aos efeitos das autárquicas, Marcelo Rebelo de Sousa deixou vários recados a António Costa, ao Governo e à oposição. Em entrevista à TVI, o Presidente da República diz que “as autárquicas têm sempre uma leitura nacional“, mas que isso não altera a sua perspetiva de que “tem de haver estabilidade governativa até 2023” e que irá “até ao limite dos seus poderes” para o garantir. Ainda assim, o chefe de Estado não deixa de vincar que é dele a última palavra: “Não tenciono, se for possível, ter exercício do poder de dissolução do Parlamento até ao fim do mandato parlamentar.”

Numa altura em que à direita — com as várias confusões entre Forças Armadas e Governo — já há quem fale em estar em causa o regular funcionamento das instituições, Marcelo avisa que não quer utilizar a “bomba atómica” da dissolução do Parlamento. Acrescentando, claro, essas três palavras: “Se for possível”.

Ainda em matéria de autoridade de chefe de Estado, Marcelo voltou a afirmá-la como Comandante Supremo nas Forças Armadas em mais um recado para o ministro da Defesa João Gomes Cravinho. O Presidente da República diz que foi “inopinadamente” que surgiram notícias de que  Chefe do Estado Maior da Armada (CEMA) iria ser “demitido” e “substituído”, algo que “não correspondia à realidade”.

O Presidente deixou ainda uma indireta. a António Costa sobre o pedido de audiência em que levou João Gomes Cravinho em mão até ao Palácio de Belém: “Eu não quis dramatizar e esperei pela manhã seguinte”. Para o Presidente é claro que “quem exonera é o Presidente” e sugere que o lacónico comunicado lhe dá a razão toda. Garante ainda, neste aspeto, que agora há uma “situação de estabilidade”, assegurada por si.

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“Problema da direita não é liderança, é estratégia”

Voltando à consequência das autárquicas, Marcelo Rebelo de Sousa defende que vai ser “decisivo o que se vai passar para os próximos três,quatro  meses”, em que os partidos se vão ver forçados a “ter de refletir sobre as autárquicas”. O Presidente da República diz que, à esquerda, “o PS e os partidos que têm viabilizado orçamentos” têm de “pensar que leitura retiram das autárquicas: reforçar a prazo a base de poder ou enfranquecê-la“.

Já à direita, lembra o Presidente, “ficou clara a falta de coligação possível” entre os dois partidos com a demissão de Passos Coelho, provocando fragmentação à direita. Segundo Marcelo, “para haver uma alternativa forte à direita, não é um problema de liderança, é um problema de estratégia” e diz que os próximos meses são decisivos porque “os partidos [PSD e CDS] vão ter congressos, vão ter diretas”.

Sobre a mudança de líderes do PSD e do CDS, Marcelo demarca-se: “Isso já não é comigo”. E elenca o que espera nunca fazer: “Eu não tenciono criar nenhum partido, nem promover nenhum congresso para apoiar uma oposição, não tenciono, se for possível, ter exercício do poder de dissolução do Parlamento até ao fim do mandato parlamentar.” Marcelo diz que, do que depender dele, o que pode ser acusado é de ser “estabilizador a mais”.

Marcelo dá puxão de orelhas a Costa sobre PRR

Quanto a António Costa poder continuar como primeiro-ministro para lá de 2023, Marcelo Rebelo de Sousa diz que “dependerá da reflexão que o secretário-geral do PS fará da situação pós-autárquicas”. O Presidente da República defendeu ainda a sua versão de analista como algo útil para “furar balões” e “prevenir crises”.

Marcelo Rebelo de Sousa seria ainda particularmente duro ao dar um puxão de orelhas a António Costa. O Presidente começou por dizer que não comenta “campanhas nem resultados eleitorais”, mas sobre o facto de o primeiro-ministro ter utilizado o PRR como arma eleitoral, disse que “os líderes partidários têm sempre a tentação de, no poder, utilizar os instrumentos de poder.” E acrescentou: “Para mim é claro uma coisa: o PRR não é monopólio do PS, é do país (…) Mas não comento, analisei para mim e, se for útil para explicar aos portugueses, utilizarei”.

O Presidente foi questionado sobre casos específicos, como a fuga de Rendeiro, mas optou por dar uma resposta genérica, lembrando que já defendeu uma reforma da Justiça e que espera que as doze medidas contra a corrupção proposta pelo Governo, que estão em discussão no Parlamento, sejam aprovadas.

Sobre os avanços do país nos últimos anos, o Presidente da República lamenta que em Portugal haja “uma tendência para a autoestima baixa” e para um “amor próprio baixo”, mas elencou vários bons sinais do país, destacando a “indústria renovada”, um “aumento das exportações” e um “SNS que respondeu bem à pandemia”. No entanto, diz que “é preciso ir mais longe” e lembra que “os países mais ricos fazem acordos de regime”.