Desde 2010 que Instituto Nacional de Música do Afeganistão tem sido uma referência na luta pela igualdade de género no país. Não só apoiava a educação de raparigas, como criou a sua própria orquestra inteiramente feminina em 2015 — a Zohra — que chegou mesmo a fazer uma turné mundial e se tornou num símbolo de mudança.

Mas o panorama mudou quando o grupo talibã assumiu o controlo do Afeganistão e o instituto se tornou um alvo a abater, conta o diretor, Ahmad Naser Sarmast, em declarações à rádio Observador.

O professor recebeu a notícia na Austrália, país onde está desde então, mas mantém um contacto próximo com os alunos e os colegas do instituto de música. São eles que lhe vão avançando o estado em que a escola vai ficando. Instalações encerradas plo novo governo, conta bancária congelada e até ataques constantes aos professores e a alunos.

Com a chegada dos talibãs, calou-se a orquestra feminina e não só: “Se as coisas continuarem assim, não haverá música no Afeganistão”

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Para além disso, o diretor do instituto refere o regresso de uma velha regra: no antigo governo do grupo extremista, entre 1996 e 2001, a maior parte dos estilos de música foram proibidos e agora Sarmast descreve um cenário em que os alunos não podem aprender música no Afeganistão.

Muitos meios de comunicação, muitas missões diplomáticas, muitas pessoas que visitam a nossa escola costumam dizer que é o lugar mais feliz do Afeganistão. Mas logo depois da insurgência dos talibã.. Aquele lugar feliz também se tornou no sítio mais triste do Afeganistão.

Sarmast fala ainda da tristeza de jovens que têm o sonho de se tornarem músicos profissionais e que “perderam essa oportunidade em 7 dias”.

Mas há uma luz em todos os túneis e este não é exceção. Nesta história, o nome dessa luz é Portugal.

Em agosto, Ahmad Naser Sarmast sentiu “o dever de proteger os estudantes” e fez vários contactos para lhes descobrir uma nova casa. O professor acabou por falar com representantes do Governo português, que garantiram uma nova oportunidade para os jovens do Afeganistão.

Os pormenores foram acertados, a viagem estava marcada para 28 de agosto, na reta final das missões de repatriamento. No entanto, o diretor conta que “a segurança do aeroporto (de Cabul) e a presença dos talibãs” destruíram essa esperança.

O grupo foi obrigado a permanecer no país indefinidamente, onde esconderam os próprios instrumentos e as associações com o instituto. Vários alunos tentaram fugir do Afeganistão por mais de um mês, mas foi neste domingo que finalmente conseguiram.

AAhmad Naser Sarmast conta que 101 jovens conseguiram fugir para Doha, a capital do Qatar, e agora contam chegar a Portugal nos próximos dias.

Sarmast afirma que o Governo português manteve a vontade de receber estes estudantes, assim como os jovens que ainda não conseguiram sair do Afeganistão. Para além disso, serão ainda acolhidos familiares destes estudantes, dos professores e dos funcionários do Instituto Nacional de Música do Afeganistão. Ao todo serão 284 pessoas que recebem uma nova oportunidade.

Ahmad Naser Sarmast descreve esta disponibilidade de Portugal como uma forma de devolver a felicidade aos estudantes.

Eu vi muitas vezes a felicidade que tocar um instrumento dá a uma criança, a um adolescente. É o quanto a música faz as pessoas felizes. É assim que a música junta civilizações, religiões, pessoas, países. O que o governo de Portugal fez foi dar uma bela oportunidade de salvar a música tradicional do Afeganistão e partilhá-la também com as pessoas de Portugal

Sarmast conta que os alunos vão ficar em pousadas e dormitórios temporários, assim como os professores e os funcionários. O diretor não tem a certeza se estes refugiados vão ficar todos juntos, mas tem um único pedido: “os alunos têm de ficar juntos”. O responsável admite ainda que vão surgir vários problemas durante os primeiros dias, motivo pelo qual anseia por chegar a Portugal e conseguir respostas pessoalmente com o Governo.

O professor aceitou o convite do Governo português também porque o país está numa fase avançada do processo de vacinação. Sarmast admite que esse é um fator de alívio e garante que os alunos vão passar por todos os procedimentos necessários antes de vir para o país para não comprometer a saúde pública.

Durante a conversa, o diretor da escola de música remete ainda para a visita do Instituto Nacional de Música do Afeganistão a Portugal, em 2018. Graças a essa viagem, o diretor garante esta é “uma escolha maravilhosa” e que os alunos já estão “familiarizados com o país e com o amor dos portugueses pela música”.

Ahmad Naser Sarmast revela ainda que meia hora antes de falar com o Observador tinha recebido uma mensagem de um antigo associado à escola e da filha. Uma mensagem que trazia esperança e força para os tempos difíceis, mas também um agradecimento. “Disse que lhe demos uma vida nova e que nos amava”, conta Sarmast. Um sentimento que o professor quer agora estender a Portugal e ao Qatar, onde os alunos ainda aguardam.

Esta contribuição entre o Qatar e Portugal, nesta grande missão humanitária, não só salva a vida de centenas de pessoa, como também é o primeiro passo para salvar a música tradicional do Afeganistão. E essa é uma viagem linda em que todas as partes vão ganhar

Mas Ahmad Naser Sarmast quer mais. O diretor do Instituto Nacional de Música refere que a prioridade também é salvar o sonho das crianças que querem ter um futuro na música. Sarmast conta que tem ligações ao Instituto Gulbenkian, mas que quer “a própria escola de música” para preservar a  música tradicional afegã e para a partilhar com os portugueses.

O Observador tentou entrar em contacto com o Ministério dos Negócios Estrangeiros para confirmar a receção destes alunos, mas não conseguiu obter uma resposta. Já o Ministério da Administração Interna desconhece o acordo para acolher os alunos do Instituto Nacional de Música do Afeganistão.