O ambiente era de despedida naquele que foi o último grande ato protocolar do ainda presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Em cerca de 10 minutos, Fernando Medina agradeceu aos lisboetas, enalteceu o convite que dirigiu ao presidente eleito Carlos Moedas para estar na cerimónia, recordou Jorge Sampaio e deixou recados para o futuro. Com uma governação muitas vezes alvo de críticas pelas opções tomadas em prol da mobilidade suave — com a construção de várias ciclovias e implementação de uma rede de bicicletas partilhadas na cidade — e com Moedas a fazer bandeira da remoção de uma das ciclovias, Medina optou por dedicar parte do discurso precisamente às questões sobre alterações climáticas.

Para Fernando Medina proteger a mudança climática é um “imperativo moral” e as alterações climáticas são “o maior desafio” que a humanidade tem em mãos. Isto, claro, aproveitando a presença de Moedas para deixar esses recados sobre aquelas que devem ser as preocupações do futuro da cidade. As opções sobre a mobilidade foram das grandes clivagens entre os dois candidatos à autarquia e Medina tenta amarrar, com argumentos, o sucessor a estas opções.

“É nas cidades, onde vive 70% da população mundial, que está em jogo esse futuro. Da mesma forma que nos mobilizamos numa pandemia para proteger a saúde temos a responsabilidade de nos mobilizarmos para proteger a vida e a saúde perante a mudança climática. Este é um imperativo moral ao qual a política tem que dar respostas urgentes e eficazes”, apontou Medina, acrescentando que é preciso “mobilizar os cidadãos, vencendo hábitos instalados” e que não há “combate mais urgente e indispensável”.

Sobre o tempo que se pode “perder” com alterações ou novos planeamentos, Medina considera que, neste combate, o “facilitismo, demagogia e adiamento são crimes” e que o combate às alterações climáticas “deve unir” não pode ser “interrompido, adiado ou abrandado”.

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A luta por decibéis e os valores da democracia postos em causa

O outro foco do discurso de Fernando Medina ficou para forças “muito minoritárias”, ainda assim, considera Medin,a capazes de condicionar “tantas vezes o debate público e a atuação de responsáveis políticos que cedem ao que julgam ser o voto fácil”.

“Exige-se aos democratas que tenham uma consciência clara do que está em causa e não cedam à chantagem demagógica e ao ar do tempo caindo na armadilha de responder ao populismo com populismo”, pediu Fernando Medin,a frisando que “não há radicalismo nem populismo que sejam bons para a democracia, ambos são o caminho para a desagregação coletiva”.

Medina atira ainda ao Chega dizendo que as forças “muito minoritárias” contestam “património fundamental dos direitos humanos, da democracia representativa, da igualdade na cidadania e dignidade fundamental de todos os homens e mulheres” e que “conseguem obter na sociedade do espetáculo uma projeção desproporcionada”.

“Não estamos apenas a invocar um tempo passado e a sua história dessa história aprendemos a lição que precisamos para combater tudo o que contribui para a erosão da democracia e para a quebra de confiança dos cidadãos nas instituições”, disse, acrescentando que a política tem que estar ao serviço da res publica.

Alertando para valores “perigosamente, estridentemente, postos em causa nas democracias” e também na portuguesa, Medina diz que se vive “um tempo complexo e contraditório na história”. “Embora muito minoritárias, estas vozes exploram as fragilidades que todos os sistemas políticos e sociedades têm, não para corrigir e aperfeiçoar o que está mal, mas para procurarem enfraquecer a democracia nos seus fundamentos”, apontou o presidente cessante da autarquia que aproveitou para pedir que o “debate político se centre nas grandes questões nacionais”: a “melhoria da qualidade da democracia e participação dos cidadãos”, o “défice de qualificações”, o “reforço da competitividade”, a “modernização da sociedade”, a “redução da pobreza e desigualdade”, as “reformas no direito à habitação, justiça ” e o “lugar de Portugal na Europa e no Mundo”.

A 13 dias de novo executivo, Moedas foi convidado de Medina e atitude de presidente cessante valeu-lhe elogios

Com a presença de Carlos Moedas nos Paços do Concelho, na condição de convidado de Fernando Medina, o ainda presidente da autarquia recolheu elogios dos vários partidos e do seu sucessor no cargo pela atitude. O presidente eleito, Carlos Moedas, chegou à Praça do Município para dizer que “como presidente eleito” ainda não tem “muito para acrescentar”, mas apenas “a sua presença”, que pretende “dar valor a um dia tão importante para Portugal”.

Carlos Moedas lembrou ainda que só será anfitrião em 2022: “Vamos ter de esperar um ano, hoje estou aqui como convidado e presidente eleito”. O recém-eleito presidente mostrou-se também satisfeito com o convite: “É muito importante estar aqui e muito importante que as transições sejam feitas com toda esta dignidade com que a estamos a fazer entre o presidente da câmara e o presidente eleito. É muito importante para todos nós e para a democracia”.

E foi essa mesma dignidade que Rui Rio decidiu destacar, com uma publicação no Twitter, já depois de um dos seus vice-presidentes ter destacado a atitude de Medina na reação oficial do partido ao discurso de Marcelo Rebelo de Sousa na cerimónia.

“Ao contrário do que muitos pensam e praticam, é assim que se deve estar na política; com grandeza e com respeito pelos adversários”, escreveu o líder do PSD depois de André Coelho Lima ter afirmado que o PSD “não era indiferente” ao convite formalizado por Medina, considerando-o: “uma boa forma de marcar a importância do 5 de Outubro, a transversalidade da democracia e a forma como de facto a democracia é a pronuncia popular e nós, os agentes, temos que a saber respeitar e honrar”.

Também o líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos destacou o convite considerando que “revela lisura institucional e dignidade”. “Gostaria de salientar e a importância da continuidade das instituições e transição pacifica e ordenada de pastas, fundamental para o bom exercício dos poderes governativos da cidade de Lisboa. Em democracia temos adversários políticos, não temos inimigos. O povo fala, é soberano e quando exerce as suas escolhas cabe aos titulares das pastas assegurarem que a democracia se realiza através de uma continuidade pacifica entre o passado e o seu futuro”, notou.