Os partidos políticos com assento parlamentar concordaram na necessidade de proibir a discriminação dos doadores de sangue em função da orientação sexual e defenderam que se feche de vez a porta à questão.

Na agenda da reunião plenária desta quarta-feira estiveram quatro projetos de lei para acabar com a discriminação dos doadores de sangue em função da orientação sexual e identidade de género, na sequência de denúncias sobre situações que persistem e, da esquerda à direita do hemiciclo, houve um consenso generalizado.

“Se ciência é clara, a igualdade não pode estar sujeita a novas ambiguidades, ela precisa de força de lei e é isso que o PS quer fazer com o projeto que hoje discutimos”, sublinhou o deputado socialista, Miguel Matos.

Um dos projetos que esteve esta quarta-feira em discussão partiu precisamente do PS, que quer alterar o Estatuto do Doador com uma iniciativa que “protege, com força de lei, a não-discriminação de homens que fazem sexo com homens na dádiva de sangue”, pretendendo, ao mesmo tempo, promover a dádiva de sangue junto dos jovens.

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Na apresentação da proposta, o deputado Miguel Matos recordou o “caminho de progresso lento” que foi percorrido na última década e sublinhou que ainda não está concluído, já que continuam a conhecer-se situações de discriminação.

“Está na hora de o parlamento, mais uma vez, dizer que a homofobia não tem lugar neste gesto nobre e solidário”, apelou o deputado do PS, defendendo que “o preconceito não se pode mascarar de fundamento científicos, que já se mostrou não existirem”.

A intenção dos socialistas foi também a intenção partilhada pelos outros proponentes. Da parte do BE, repetiu-se a necessidade de tomar decisões com base na informação científica e de fechar definitivamente a porta à discriminação.

“São muitos os pontos de encontro das quatro propostas”, sublinhou a deputada Fabíola Cardoso, manifestando-se otimista com um entendimento entre os várias bancadas parlamentares para “acabar definitivamente com esta humilhante e abjeta discriminação”.

Além de concordarem com o objetivo final das propostas, os deputados concordaram também na justificação e houve uma mensagem comum, partilhada por todos, de que não existem grupos de risco, mas antes comportamentos de risco.

“O processo de doação de sangue tem que cumprir parâmetros científicos e técnicos que garantam a sua segurança em todo o processo, mas não podem entrar nesta equação critérios de natureza subjetiva ou discriminatória”, sublinhou a deputada do PAN, que apresentava igualmente um projeto de lei, bem como a deputada não-inscrita Cristina Rodrigues, que classificou de intolerável a discriminação da doação de sangue.

Ao longo do debate, quase todos os partidos adiantaram que acompanhariam as propostas, replicando muitos dos mesmo argumentos, como a deputada do PSD, Catarina Rocha Ferreira, que sublinhou que “deve ser a ciência a definir a base da nossa política”.

“Não existem quaisquer factos que justifiquem qualquer diferenciação, ou seja, está cientificamente comprovado que a orientação sexual de um doador não coloca em causa a qualidade do sangue que é recolhido”, frisou a deputada.

Já a deputada Paula Santos do PCP insistiu que “não faz sentido fazer a avaliação de risco em função da orientação sexual, mas em função dos comportamentos individuais de cada um”, e Mariana Silva do PEV defendeu que “os dadores de sangue, sejam quem forem, têm de ser tratados como heróis.

O apoio às iniciativas apareceu também dos mais conservadores, com Telmo Correia do CDS-PP a considerar que a resposta é “direta, simples e óbvia” quando se questiona se alguém pode ser discriminado em função da sua orientação sexual, mas a criticar as intervenções de alguns deputados por recusar que exista uma “intenção discriminatória por parte dos profissionais de saúde”.

Diogo Pacheco de Amorim, que ainda substitui o líder do Chega, André Ventura, na Assembleia da República, sublinhou também o papel da ciência, mas considerou que o país começa “a ter leis a mais”, desvalorizando assim a necessidade de legislar sobre este tema.

Por outro lado, João Cotrim de Figueiredo, da IL, colocou-se ao lado dos proponentes, defendendo que “esta luta não acabou com a alteração da norma (da Direção-Geral da Saúde), e é preciso que a lei a salvaguarde também”.

Em março, a Direção-Geral da Saúde atualizou a norma que define os critérios de inclusão e exclusão de dadores de sangue, determinando que a triagem clínica “é feita de acordo com os princípios da não-discriminação”.

O Instituto Português do Sangue arquivou este mês três processos de inquérito a profissionais por alegadas práticas discriminatórias na doação de sangue de homens homossexuais, entendendo não haver factos que justifiquem infração disciplinar.