O  juiz Carlos Alexandre não aceitou os recursos interpostos nos últimos dias por Luís Filipe Vieira e pelo seu filho e nos quais se pedia a devolução das cauções, invocando a a arbitrariedade e a ilegitimidade da decisão e da detenção, fora de flagrante delito. O Observador sabe que, chamado a pronunciar-se, o Ministério Público considerou que os recursos foram apresentados muito depois da data estabelecida por lei, tendo o magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal validado os argumentos apresentados: as defesas tinham até ao início de setembro para apresentar as contestações, tendo-o feito só a 27 de setembro, no caso de Tiago Vieira, e a 1 de outubro, no caso de Luís Filipe Vieira.

Os advogados Magalhães e Silva e Tiago Rodrigues Bastos, porém, terão considerado que com as férias judiciais o prazo de recurso para a Relação de Lisboa fora interrompido, mas para o Ministério Público esse entendimento não faz qualquer sentido. E explica porquê: Luís Filipe Vieira foi detido no dia 7 de julho, tendo após a audição de várias pessoas, sido tomada uma decisão pelo juiz no dia 10, já à noite. Estávamos a cinco dias do início das férias judiciais e partir desse momento havia 30 dias para recorrer, prazo que não ficava suspenso com as férias judiciais, dado que havia um arguido privado da liberdade — neste caso Luís Filipe Vieira. O prazo correu assim sem interrupções, na ótica do MP e que foi validada pelo juiz, até 6 de agosto, altura em que Vieira apresenta a segunda versão de modalidade de prestação da caução — que já não contempla ações, mas sim imóveis e dinheiro (Tiago Vieira apresentou a sua modalidade de caução dias antes do pai).

Caso a caução só fosse apresentada e aceite no dia 10 de agosto, o prazo terminava nesse momento. Mas não foi, faltavam quatro dias para essa data limite. E, com o arguido em liberdade, suspendeu-se aí o prazo com as férias judiciais, retomando a contagem dos poucos dias que sobraram com o fim das férias. O MP diz que, ao considerarem que o prazo recomeçou no início de setembro sem contar com o período que tiveram nas férias por conta da natureza urgente do processo, as defesas ignoraram 20 e tal dias que vinham de julho e agosto.

Ao início da tarde desta sexta-feira, Magalhães e Silva, advogado de Luís Filipe Vieira, disse ao Observador desconhecer ainda o despacho, alegando que, no caso de ser este o entendimento do MP, discorda totalmente e que avançará com uma reclamação para a Relação de Lisboa. O advogado entende que assim que houve a libertação do arguido privado de liberdade todo o processo deixou de ter natureza urgente. E que, por isso, tudo voltou à estaca zero, ou seja, contando suspensão de prazos durante o período de férias judiciais.

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O Observador também tentou uma reação por telefone junto da defesa de Tiago Vieira, mas sem sucesso até à hora de publicação deste artigo.

Mas qual tem sido o entendimento dos tribunais da Relação?

De acordo com a jurisprudência dominante dos tribunais da Relação o entendimento tem sido em linha com o que foi agora determinado pelo Tribunal Central de Instrução Criminal, tendo em conta uma alteração à lei de 1995. “Quando o processo tem natureza urgente o prazo corre mesmo em férias. E depois de deixar de ser urgente, quando volta a correr, só corre o que faltava”, explica uma fonte ao Observador, insistindo que esta não é uma questão que admita muitos entendimentos.

“Se correu prazo não pode correr outra vez o mesmo prazo. A questão é fácil, não se pode contar duas vezes a mesma coisa como se não fosse nada, as coisas têm consequências jurídicas. A Relação tem entendido o contrário”, disse, recordando que “a questão coloca-se há muito tempo, desde umas alterações de 1995 em que a lei passou a determinar que como havia presos o prazo corria nas férias”.

Como exemplo, a mesma fonte deu um caso mediático com alguns anos: “Aconteceu até em casos como o homem que foi decapitado e o corpo queimado em Lisboa, conhecido como o crime da Alameda. O rapaz apanhou 16 a 17 anos. O acórdão foi proferido antes de férias, ele recorreu depois das férias e o recurso não foi admitido, porque contou em férias o período em que esteve preso”.

E não muda nada o facto de durante as férias haver a libertação do arguido preso? “Não, porque o prazo correu até ali e depois, quando volta a contar, aquele período está contado”.

Uma outra magistrada, que também pediu para não ser identificada, sublinhou que “o processo urgente não para nas férias, mesmo que o arguido queira que pare”.

“A partir do momento em que o arguido é libertado, em vez de começar a correr um novo prazo, continua a correr o anterior”, disse, salvaguardando: “Admito um entendimento diverso, mas sentir-me-ia inclinada a dizer que o prazo não volta a contar. Assim como se um arguido mudar a meio do prazo de advogado também não se começa a contar novo prazo. Lamentamos, mas é assim. O prazo iniciou-se, conta até certo momento de uma determinada forma, esse prazo continua em curso, ainda que de outra forma. Não vejo qualquer incorreção num entendimento de que o prazo não pode contar duas vezes”.

O que pretendiam as defesas com estes recursos

Tanto a defesa de Luís Filipe Vieira, como a de Tiago Vieira, invocavam nestes recursos a arbitrariedade e a legitimidade com que fora feita a detenção, fora de flagrante delito. E, com esses argumentos, pediam assim que fosse anulado mandado de detenção feito à data e que se considerasse a mesma ilegal, em consequência, pediam que fossem anuladas as medidas de coação.

No caso de Luís Filipe Vieira está em causa uma caução de 3 milhões de euros, determinada pelo Juiz Carlos Alexandre, e que foi garantida com a hipoteca de dois imóveis no Dafundo, um dos quais onde vive o ex-presidente do Benfica. O remanescente foi pago em dinheiro – um depósito de cerca de 240 mil euros.

Já em relação a Tiago Vieira está em causa uma caução de 600 mil euros. E, no recurso deste, pode mesmo ler-se as críticas feitas à justiça: “É evidente que o Tribunal não podia, como fez, determinar a detenção do recorrente por causa da natureza e circunstâncias dos factos indiciariamente apurados”, escreve o advogado num documento de 34 páginas noticiado pelo CM, considerando que a decisão do juiz é “infundada, imotivada, arbitrária, desnecessária, inadequada e desproporcional”.

Na Operação Cartão Vermelho, em que o ex-presidente do Benfica foi um dos quatro detidos, estão sob investigação negócios e créditos que ascendem aos 100 milhões de euros. O Ministério Público considera que tais esquemas fora prejudiciais e lesivos não só para o Estado, como para o Novo Banco (antigo BES) e para a SAD encarnada. Luis Filipe Vieira é suspeito dos crimes de abuso de confiança, burla qualificada, falsificação de documentos, branqueamento de capitais, fraude fiscal e abuso de informação.

Artigo atualizado às 19h30 com o entendimento de duas fontes da justiça sobre a contagem dos prazos em processos urgentes.