Foi um Conselho Nacional do CDS novamente tenso e bem demonstrativo da fratura que existe hoje no partido. Apoiantes de Francisco Rodrigues dos Santos e os homens de Nuno Melo mediram forças este domingo e não deixaram nada por dizer. A primeira vitória (previsível, apesar de tudo) acabou por cair para o lado da atual direção do partido, que conseguiu manter o congresso eletivo para as datas 27 e 28 de novembro — apesar dos protestos dos críticos internos.

O filme do confronto anunciado começou ainda antes do meio-dia. Em declarações aos jornalistas, já depois do arranque dos trabalhos, Francisco Rodrigues dos Santos não se furtou a falar diretamente sobre Nuno Melo — que apresentou no sábado a candidatura — e de fazer a defesa da sua direção e estratégia.

“Vivemos um tempo de anseio por novos rostos e novas ideias. Não é tempo de recuar e voltar a insistir nos erros do passado. A política faz-se a cores, não se faz a preto e branco. Comigo o CDS nunca será um partido de grupo. O resultado viu-se: 4% dos votos e quebra brutal do número de deputados. Não me lembrei agora de me disponibilizar para servir o meu partido “, atirou o líder do CDS.

“Estou seguro de que sou a pessoa certa, que cumpri o meu dever e ninguém era capaz de fazer melhor, nestas circunstâncias, do que eu e a minha equipa.”

Antes, Rodrigues dos Santos já tinha respondido às críticas de Nuno Melo e dos seus apoiantes, que contestam a convocação de um Conselho Nacional em tão curto prazo e a marcação de eleições para o final de novembro, argumentando que a “democraticidade interna” do CDS está em risco.

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Ora, para o líder do CDS, a resposta é simples: “A minha oposição está-se a preparar desde o primeiro momento para me derrubar. Se não conseguirem vencer o congresso não é por falta de tempo“, sublinhou.

Francisco Rodrigues dos Santos, de resto, fez chegar à comunicação social vários documentos que provam que, no passado, houve convocatórias feitas num prazo ainda mais curto e eleições marcadas em menos tempo, algumas assinadas ou apoiadas por alguns dos que agora contestam a atual direção.

Numa dessas atas que o presidente do partido fez chegar aos jornalistas, pode ler-se Paulo Portas a argumentar que “três meses é muito tempo em política” e que “quanto mais cedo” o partido começasse a “trabalhar num novo ciclo melhor”.

“Sinto-me mais próximo de Paulo Portas do que aqueles que se apregoam portistas”, ironizou Rodrigues dos Santos, antes de acrescentar: “Têm de se mentalizar de uma coisa: já não são eles a direção do partido“.

Quanto ao resto, o líder do CDS argumentou mais uma vez que o partido tinha demonstrado “uma extraordinária prova de vida” nas últimas autárquicas e que não existe “tortura de números nem contabilidade criativa que apaguem o resultado do trabalho” do CDS.

Já durante o Conselho Nacional do CDS, que decorreu à porta fechada, Francisco Rodrigues dos Santos voltou a contestar todos os argumentos usados pela oposição interna e a forma como muitos críticos não hesitaram em passar duas semanas a “apoucar constantemente” o resultado do partido.

“Até podem achar que esta direção não presta para nada, mas ir para os jornais e para as televisões dizer que o CDS teve um mau resultado…? Isto beneficia quem? Não foi isso que aprendi com a formação militar que tive. Aquilo que se passa dentro de quatro paredes fica dentro de quatro paredes. E para fora somos os melhores do mundo”, rematou o líder do CDS.

Mais à frente, Francisco Rodrigues dos Santos voltaria à carga contra os seus críticos internos, que em janeiro apoiaram Adolfo Mesquita Nunes e exigiram a marcação de eleições internas ainda antes das autárquicas. Para o líder democrata-cristão, é mais um sinal da inconsistência da argumentação dos seus opositores.

Malvado do presidente do partido que demorou tanto tempo a marcar um congresso eletivo. Vá-se lá entender a cabeça de alguns conselheiros”, ironizou o presidente do CDS. “Na altura, havia a urgência. A urgência era correr comigo daqui para fora”.

Francisco Rodrigues dos Santos não poupou nos adjetivos para se referir aos “profetas do apocalipse” que diziam que o partido ia acabar, as “luminárias que queriam correr” com a atual presidência do partido, que se julgam donos do partido.

“Não tenho apelidos de família, não tenho uma conta choruda, não sou um tipo da fina flor da sociedade lisboeta-portuense, mas olhem, cheguei a presidente do partido. Peço desculpa”, atirou, antes de pedir um “pingo de decoro” aos seus críticos e que não “subestimem” a inteligência dos outros.

Nuno Melo: “Quero crer que o CDS ainda não foi transformado numa espécie de Igreja Maná”

De acordo com relatos que chegaram ao Observador, Nuno Melo usou da palavra para tecer duras críticas à decisão da direção do partido de antecipar o congresso eletivo e agendá-lo para a mesma data em que se realiza a reunião magna do Chega.

“Os senhores conselheiros já perceberam que vamos propor um congresso para o mesmo fim de semana que o Chega? Têm noção do que isso representa? Vamos partilhar o palco com o Chega, do qual nos temos necessariamente de distinguir? Se isto não é não ter noção de nada, não sei. É tão absurdo“, interpelou Melo.

O eurodeputado voltaria mais tarde ao assunto, mas, antes, voltou a acusar Francisco Rodrigues dos Santos de tentar impedir que disputasse as eleições em igualdade de circunstâncias. “Não estamos a falar de umas eleições para uma Associação de Estudantes. O CDS sempre garantiu igualdade de armas. Quando se marca a mata-cavalos um congresso para os mesmos dias do que o congresso do Chega percebe-se que o que está em causa é mesmo ganhar o congresso e não ganhar o país”, criticou o eurodeputado.

Melo diria ainda que a atual direção do partido está mergulhada numa “realidade paralela“, incapaz de ver que os resultados conseguidos pelo CDS quando foi a votos sozinho sem o chapéu do PSD foram manifestamente preocupantes. “Se não enfrentarmos a realidade como ela é, como é que vamos enfrentar os desafios diretos?”, questionou.

E já depois de sugerir que Francisco Rodrigues dos Santos está a usar meios do CDS para fazer campanha eleitoral interna, Nuno Melo não esqueceu a tirada do líder do partido, que horas antes tinha dito acreditar que “ninguém era capaz de fazer melhor” do que ele. Ora, para Melo, esse foi também um sinal do estado em que se encontrar o CDS.

“Quero crer que o CDS ainda não foi transformado numa espécie de Igreja Maná, em que o grande líder é omnipresente, omnisciente e clarividente acima de todos os outros”, ironizou Nuno Melo.

Foi a única intervenção de Nuno Melo neste Conselho Nacional, uma vez que o candidato à liderança do CDS teve de se ausentar para, na qualidade de presidente da Assembleia Municipal de Famalicão, dar posse aos novos órgãos eleitos.

“Virgem ofendida” e “tom tasqueiro”: o duelo particular entre velhos adversários

O Conselho Nacional do CDS acabou por ficar igualmente marcado pelo duelo particular entre Francisco Rodrigues dos Santos e João Almeida, que se enfrentaram nas últimas eleições internas do partido.

Na sua intervenção, João Almeida começou por fazer uma análise crua dos resultados autárquicos. “Tivemos menos votos e temos menos autarcas do que tínhamos há quatro anos. O nosso resultado há quatro anos não foi bom e agora foi pior. Prefiro olhar para a realidade e vê-la como ela é. Se querem ver a realidade como ela não é, acho que não vamos pelo bom caminho“, sublinhou o deputado.

Numa espécie de ajuste de contas com o passado, João Almeida diria mesmo que, se tivesse vencido as últimas eleições, teria feito “muito melhor do que o Francisco Rodrigues dos Santos”.

Almeida, que foi candidato autárquico em São João da Madeira, queixar-se-ia também de ter feito “uma campanha inteira sem ter tido um telefonema ou uma SMS do presidente, do coordenador autárquico ou do secretário-geral” do partido, e de ainda ter visto Francisco Rodrigues dos Santos a dizer aos jornalistas que só não ia ao concelho por falta de convite do candidato. “Declarações vergonhosas“, sintetizou Almeida.

Na resposta, Francisco Rodrigues dos Santos foi particularmente duro e para dar “um troco” que João Almeida “não tem tido nos últimos tempos”. Depois de desafiar João Almeida a provar objetivamente que o CDS tinha tido menos mandatos e autarcas eleitos nestas eleições, o líder do CDS acusou João Almeida de se fazer de “calimero” e de “virgem ofendida” quando, na verdade, foi ele que nunca quis o presidente do partido em campanha.

Rodrigues dos Santos lembrou que foi a São João da Madeira, única e exclusivamente a convite do grupo parlamentar, para participar numas jornadas parlamentares que serviram de “primeiro comício do Nuno Melo”. “Que tu aplaudias alegremente enquanto destruía a direção do partido para todas as televisões”, atirou.

“O grande João Almeida vai ter que devolver luz do firmamento ao CDS, o defensor acérrimo do partido… Foste o único candidato do CDS que não utilizou a sigla do partido”, insistiu.

“Não vale a pena tu tentares fazer esse discurso de virgem ofendida“, repetiu Rodrigues dos Santos, antes de uma nova tirada sobre comentários feitos por João Almeida a propósito da exclusão de Gonçalves Pereira das listas de Lisboa.

“Disseste que era uma atitude cobarde não termos o João Gonçalves Pereira para as listas… Oh meu amigo, não sou obrigado a escolher quem tu entendes que deve ir para as listas do CDS”, reforçou o líder do CDS.

Na resposta, João Almeida refutou todas as acusações de Francisco Rodrigues dos Santos e matou assim a discussão. “Não tem resposta o tom tasqueiro. Não frequento tascas, a não ser em campanhas eleitorais.”

“Não quero que o CDS se funda com o PSD”, diz Cecília Meireles

Noutra intervenção, Cecília Meireles lamentou que o debate do Conselho Nacional tenha sido tudo menos “racional, sereno e realista”. Ainda assim, a deputada e antiga líder parlamentar garantiu não estar ali para responder aos “insultos” de que foi alvo durante os “últimos meses”.

A democrata-cristã, tal como Nuno Melo e outros antes dela, defendeu que o partido devia reagendar o congresso para que não acontecesse no mesmo dia do do Chega.

Quanto às eleições autárquicas, Cecília Meireles disse que os números apresentados pela direção não correspondem à verdade e que o partido tem hoje “menos mandatos” do que tinha em 2017. “Divergimos em opiniões, não divergimos em factos. Isso não existe“, argumentou.

O mesmo em relação ao número de votos, indicador que a direção de Francisco Rodrigues dos Santos tem desvalorizado argumentado que nunca foi um fator preponderante na análise de resultados. Para Cecília Meireles, “os votos representam a confiança que as pessoas depositam” no CDS e é “preocupante” que o partido “tenha descido em número de votos, quer em números absolutos quer em percentagens”.

A terminar, Cecília Meireles lamentou a estratégia seguida pela atual liderança do partido. “Acredito que as várias direitas têm de se organizar e apresentar uma alternativa ao país. Quero que o CDS seja uma dessas direitas. Não quero que o CDS se funda no PSD.”

Francisco Tavares: “Não recebo lições de ninguém”

O secretário-geral do partido fez uma intervenção exaustiva onde refutou todas as críticas à forma como geriu os apoios às várias candidaturas do CDS por todo o país. Lembrando por várias vezes a herança financeira deixada pela anterior direção, Francisco Tavares revelou que chegou a ser confrontado, em vésperas da campanha, com uma penhora de 40 mil euros relativa a uma dívida de 2001, contraída pela estrutura do CDS/Porto para as autárquicas desse ano.

“Mais uma vez, tive de passar pela vergonha de ter perguntar porque nos estavam a penhorar. Portanto, não recebo lições de ninguém sobre a forma de gerir o partido”, disse, referindo-se diretamente às críticas que Nuno Melo tinha feito sobre um CDS transformado em “Associação de Estudantes”.

Também sobre Nuno Melo, que colocou em causa a fiabilidade do método de votação usado neste Conselho Nacional, Francisco Tavares garantiu estar perfeitamente disponível para que todos possam “fiscalizar todo o ato eleitoral”.

Tavares deixou ainda um recado aos críticos internos: “Contra tudo e contra todos temos um reforço do CDS, contornamos o declínio do partido.”

Telmo Correia: “A urgência é inexplicável e a pressa incompreensível”

Outra das vozes a levantar-se contra a marcação do congresso para o mesmo fim de semana em que o Chega realiza a sua reunião magna foi Telmo Correia, líder parlamentar e apoiante de Nuno Melo. Para o democrata-cristão, há uma “contradição insanável” na direção do CDS.

“Se está tudo a correr tão bem, se até se abriu um novo ciclo, porquê então esta antecipação e esta pressão. A urgência é inexplicável e a pressa incompreensível”, afirmou.

De resto, para Telmo Correia, este calendário “é disparatado para afirmação deste ciclo e do ponto de vista da afirmação do partido”. “Se não querem em janeiro, pelo menos avancem um fim de semana”, sugeriu o líder parlamentar do CDS.

Também João Gonçalves Pereira, líder da distrital do CDS/Lisboa, questionou os prazos e foi mais longe: eleições marcadas à pressa revelam “desnorte, desorientação e nervosismo”.

Os opositores de Francisco Rodrigues dos Santos fizeram uma proposta para que o congresso do CDS seja reagendado para 19 de dezembro. A proposta seria rejeitada: o congresso vai mesmo acontecer a 27 e 28 de novembro — a data foi aprovada por 67% dos conselheiros que votaram.

Direção blinda Francisco Rodrigues dos Santos

Os dois lados da barricada trocaram duras acusações sobre a estratégia seguida por uns e por outros. Depois de uma fase inicial em que os apoiantes de Nuno Melo — com Pedro Mota Soares à cabeça — voltaram a acusar a atual direção de estar a tentar condicionar a democracia interna do partido, o debate fixou-se depois nos resultados autárquicos conseguidos.

Pedro Melo lembrou a herança deixada pela ‘ala portista’ e o esforço que a atual direção teve de fazer para recuperar um CDS que vinha do pior resultado em legislativas de sempre, sem recursos e em guerra interna permanente. O vice-presidente do partido disse que, depois de ultrapassados os desafios eleitorais mais imediatos, era agora tempo de concentrar os esforços nas legislativas e desafiou os rostos mais mediáticos do partido (precisamente, a oposição interna a Rodrigues dos Santos) a combaterem o socialista em vez de usarem a influência que têm para cansar os portugueses.

Martim Borges de Freitas, presidente do Congresso, refutou todas as acusações de falta de democraticidade interna, e recordou, mais uma vez, que outras direções convocaram congressos e conselhos nacionais em igual período de tempo e deixou uma indireta aos que querem derrubar Rodrigues dos Santos: “O meu apelo é que não nos deixamos ir a reboque de outras estratégias, porventura pessoais, que em nada defender ou beneficiam os interesses do CDS.”

António Carlos Monteiro, vice-presidente do partido, fez a defesa da honra da direção e sublinhou a importância dos sinais que o CDS recebeu em Lisboa e Coimbra, fruto, argumentou o democrata-cristão, de uma preparação de meses.

As tropas de Francisco Rodrigues dos Santos acusaram ainda os críticos internos de tentarem sabotar a campanha autárquica do partido, em particular Hélder Amaral, em Armamar, e João Viegas, em Setúbal. Também não foi esquecido o mau resultado conseguido em Oeiras, onde a concelhia liderada por Nuno Gusmão — um dos grandes apoiantes de Melo — recusou a coligação com o PSD e não foi além dos 1,73%, ficando atrás de Iniciativa Liberal e Chega.

Miguel Barbosa, vice-presidente do partido, reconheceu a pressão da Iniciativa Liberal e do Chega, mas apontou o dedo diretamente ao ‘portismo’: foi a estratégia conduzida por aqueles que agora querem derrubar Assunção Cristas que deixou o espaço vazio que os novos partidos vieram ocupar.

Filipa Correia Pinto, também da direção de Francisco Rodrigues dos Santos, lembrou que os resultados conseguidos em Lisboa e em Coimbra foram conseguidos apesar da vontade dos críticos da atual direção, que teriam preferido candidaturas autónomas do partido.

Novo deputado furou coesão do grupo parlamentar

Miguel Arrobas, o novo deputado do CDS que substituiu Ana Rita Bessa no Parlamento, teve uma posição contrária à dos seus colegas de bancada que até agora se pronunciaram sobre a data de realização do Congresso.

O democrata-cristão manifestou-se contra a ideia de mudar o calendário do congresso porque, argumentou, tal daria um sinal de que o partido andava a reboque de outros.

Foi também um sinal a reter deste Conselho Nacional: ao contrário do que tem acontecido até aqui, em que o grupo parlamentar — escolhido por Assunção Cristas — tem funcionado como um grupo coeso, autónomo e muitas vezes em rota de colisão com a direção do partido, a decisão de Arrobas pode significar que o grupo parlamentar é agora mais poroso.