O secretário de Estado britânico para as Relações com a União Europeia (UE) considerou esta terça-feira, em Lisboa, que o Protocolo da Irlanda do Norte, no âmbito do Brexit, constitui “a maior fonte de desconfiança” entre Londres e Bruxelas.

Numa intervenção de quase uma hora na residência do embaixador do Reino Unido em Lisboa, onde chegou de manhã, David Frost realçou ser necessário ultrapassar as divergências, “o que não é fácil”, criticando o “momento de exagero” da UE na altura de negociar o protocolo, em que o Reino Unido estava desequilibrado.

“Existe um sentimento generalizado no Reino Unido de que a UE tentou usar a Irlanda do Norte para encorajar as forças políticas do Reino Unido a reverter o resultado do referendo ou, pelo menos, para nos manter estreitamente alinhados com a UE”, sublinhou Frost, insistindo na ideia de que o acordo “não está a resultar”.

Para Frost, que se deslocou propositadamente a Lisboa, simbolicamente, “em nome da mais antiga aliança do Reino Unido”, para proferir a intervenção, na véspera de nova reunião entre as duas partes, é, assim, necessária uma mudança significativa no protocolo existente”.

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Manifestando a disponibilidade de Londres para negociar, o antigo mediador britânico do Brexit (é ministro de Estado desde 01 de março passado) defendeu, porém, que se devem proceder a mudanças “significativas” e que a UE “tem de mostrar a mesma ambição e vontade”.

Segundo Frost, as novas propostas de Londres são “viradas para o futuro, uma vez que o protocolo original foi acordado “num momento em que não se sabia se haveria um acordo comercial” entre o Reino Unido e a UE.

“Muitas das disposições mais incomuns e desproporcionais foram acordadas precisamente porque não sabíamos como seria a nossa futura relação comercial. Em face da incerteza, o protocolo original padronizou para uma rigidez excessiva – rigidez que agora está a prejudicar desnecessariamente a Irlanda do Norte”, considerou.

O papel do Tribunal de Justiça Europeu e das instituições dos 27 na Irlanda do Norte foi outro dos temas abordado por Frost, que lembrou que Londres defende um “tratado normal, com arbitragem internacional, em vez de um sistema de direito da UE, em última análise policiado no tribunal de uma das partes”.

“A Comissão [Europeia] tem sido muito rápida em descartar a governança como uma questão secundária. A realidade é o oposto. O papel do Tribunal de Justiça Europeu e das instituições da UE na Irlanda do Norte cria uma situação em que parece não haver qualquer poder discricionário sobre a forma como as disposições do Protocolo são aplicadas, mas ele existe”, argumentou.

“Mas não se trata apenas do Tribunal. É sobre o sistema em que o Tribunal é o ápice – o sistema que significa que a UE pode fazer leis aplicáveis na Irlanda do Norte sem qualquer tipo de escrutínio ou discussão democrática. Mesmo agora, enquanto a UE considera possíveis soluções, há um ar dizendo ‘nós decidimos o que é melhor para vocês e agora vamos implementá-lo’. Nada disso que podemos ver agora funcionará como parte de um acordo duradouro”, argumentou.

Nesse sentido, Frost exortou a Portugal e a UE a “olharem cuidadosamente” para o que Londres está a propor, lembrando que Bruxelas já afirmou que o protocolo “nunca poderá ser melhorado”, o que é contrariado pelo facto de “estar a causar problemas tão significativos”.

“Insistir nesta rota seria prestar um mau serviço à Irlanda do Norte e não reconhecer o processo de melhoria interativa que manteve o equilíbrio e sustentou o processo de paz na Irlanda do Norte nas últimas décadas. Claro que se pode insistir nesta rota. Mas se se fizer isso, lembrem-se de que é este Governo que governa a Irlanda do Norte, assim como o resto do Reino Unido. A Irlanda do Norte não é território da UE. É nossa responsabilidade salvaguardar a paz e a prosperidade na Irlanda do Norte, e isso pode incluir o uso do Artigo 16.º, se necessário. Não seguiríamos este caminho gratuitamente ou com algum prazer particular”, avisou.

“O Protocolo existe para apoiar o Acordo de Belfast (‘Sexta-feira Santa’). As salvaguardas do Artigo 16.º existem para lidar com a situação se ela deixar de fazê-lo. Sempre agiremos com isso em mente. Sejamos ambos ambiciosos e concordemos numa maneira melhor de avançar”, sustentou.

No contexto da deslocação a Lisboa, Frost manteve esta terça-feira um almoço de cortesia com a secretária de Estado dos Assuntos Europeus portuguesa, Ana Paula Zacarias, em que, segundo um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), foram analisadas as relações bilaterais, bem como o relacionamento entre a UE e o Reino Unido.

“Sobre este último tema, reiterámos as linhas centrais da posição da União Europeia relativamente à implementação do Acordo de Saída e do Acordo de Comércio e Cooperação (cuja conclusão ocorreu sob Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia), nomeadamente no que respeita ao Protocolo sobre a Irlanda do Norte, esperando-se que amanhã [quarta-feira] a Comissão Europeia apresente um pacote de medidas sobre a sua implementação”, lê-se na nota do MNE.