O antigo diretor da Inteligência Económica dos serviços secretos moçambicanos disse esta terça-feira em tribunal que a empresa de pesca que beneficiou do dinheiro das dívidas ocultas recebeu material de defesa que está a ser usado pelas Forças Armadas.

“Temos provas bastantes de que o equipamento de defesa recebido à luz do contrato com a Ematum está a ser usado”, declarou António Carlos do Rosário.

Rosário respondia como arguido ao interrogatório do Ministério Público sobre os contratos entre a Empresa Moçambicana de Atum (Ematum) e o grupo de estaleiros navais de Dubai Privinvest, acusada de pagamento de subornos alimentados pelo dinheiro do caso das dívidas ocultas.

Questionado sobre se o equipamento de defesa alegadamente fornecido à Ematum está orçado em 500 milhões de dólares (433 milhões de euros), o arguido respondeu afirmativamente, recordando que o montante foi inscrito na Conta Geral do Estado de 2014 aprovada pela Assembleia da República.

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O Ministério Público considera que, no total, a empresa de pesca recebeu 850 milhões de dólares do dinheiro das dívidas ocultas.

A acusação confrontou António Carlos do Rosário com respostas do então ministro da Defesa Nacional Atanásio Mtumuke à auditoria forense, nas quais disse que as Forças Armadas não receberam nenhum equipamento através da Ematum.

Em resposta, António Carlos do Rosário disse ao tribunal que Mtumuke lhe assegurou que não confirmou na auditoria forense a receção do material, porque não podia fornecer informação sobre aspetos de defesa e segurança a uma entidade estranha ao Estado moçambicano.

Atanásio Mtumuke sucedeu no cargo de ministro da Defesa Nacional a Filipe Nyusi, quando este ascendeu a Presidente da República em 2015.

Interrogado sobre o facto de a Privinvest ter negado na auditoria o fornecimento de “armas” à Ematum, o antigo diretor da Inteligência Económica do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE) declarou não haver nenhuma contradição, porque o negócio envolvia “material de defesa” o que não quer dizer necessariamente armas.

António Carlos do Rosário afirmou que a Ematum foi usada como um “veículo” para a compra de material de defesa pelo Estado moçambicano, porque se tivesse ficado claro que o país pretendia comprar equipamento militar, os bancos que financiaram a implementação do Sistema Integrado de Monitoria e Proteção (SIMP) da Zona Económica Exclusiva não teriam concedido os empréstimos. 

Questionado sobre as conclusões da auditoria forense de que os preços das embarcações compradas pela Ematum foram inflacionados, António Carlos do Rosário acusou o Ministério Público de apenas avaliar o custo dos barcos sem ter em conta as despesas inerentes à formação, transferência de tecnologia e de conhecimento previstos nos contratos entre a empresa de pesca e a Privinvest.

O antigo diretor da Inteligência Económica do SISE e que era também diretor das três empresas é acusado de ter recebido subornos no valor de 8,9 milhões de dólares (7,6 milhões de euros) pelo seu papel no projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva e criação das três empresas que a justiça considera que foram usadas como ardil para a mobilização dos empréstimos.

A justiça moçambicana acusa os 19 arguidos do processo principal das dívidas ocultas de se terem associado em “quadrilha” e delapidado o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares (2,28 mil milhões de euros) – valor apontado pela procuradoria e superior aos 2,2 milhões de dólares até agora conhecidos no caso – angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo Governo.

As dívidas ocultas foram contraídas entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.

Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.