“Oportunidade” é a palavra que Isabel Santos mais utiliza quando chamada a comentar a missão de observação eleitoral que vai liderar na Venezuela, aquando das eleições regionais marcadas para 21 de novembro. “Há uma oportunidade para o país de encontrar uma saída pacífica e por via de eleições democráticas para a crise profunda que está a atravessar”, declara a eurodeputada socialista ao Observador, numa entrevista exclusiva no seu gabinete no Parlamento Europeu, em Estrasburgo.

A União Europeia (UE) não envia uma missão de observação eleitoral à Venezuela há 15 anos, mas, desta vez, chegou a entendimento com a Comissão Nacional Eleitoral venezuelana  — um sinal claro de avanços no processo de negociação que decorre atualmente entre Caracas, a oposição e a comunidade internacional.

Isabel Santos sublinha que tem noção “da exigência” da missão: “Temos de ter a noção de que estamos a trabalhar num país onde a situação é muito volátil e que está numa crise profunda”, afirma. A Venezuela é atualmente alvo de sanções por vários países e blocos, incluindo a UE. Penalizações impostas sequência do não reconhecimento do resultado das suas eleições presidenciais (2018) e legislativas (2020), que levaram a que Bruxelas, a par dos EUA, reconhecessem Juan Guaidó como presidente legítimo do país e não Nicolás Maduro.

Agora, na sequência das negociações internacionais que decorrem com o regime de Maduro, a UE irá enviar uma missão com 11 especialistas já em outubro, a que se juntarão mais 116 observadores no dia do ato eleitoral.  “É um sinal de comprometimento [por parte de Caracas]”, afirma a eurodeputada portuguesa, que tem uma década de experiência na observação de atos eleitorais — primeiro com a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e mais recentemente com o Parlamento Europeu. “Como também há um sinal de comprometimento por parte da oposição, que está neste momento a participar. E esse é também um sinal muito forte. E só nessa circunstância é que existe essa missão”.

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A oposição venezuelana anunciou em finais de agosto que irá participar nas eleições regionais de novembro, as primeiras em que participa desde a crise institucional de 2017, quando Maduro criou uma nova Assembleia Constituinte, não reconhecida pela oposição. “Sabemos que estas eleições não serão convencionais nem justas, já que a ditadura impôs obstáculos sérios que colocam a expressão de mudança para o povo venezuelano em risco. Contudo, achamos que serão úteis como campo de luta”, declarou o Voluntad Popular, partido a que pertence Juan Guaidó e o antigo autarca de Caracas Leopoldo López.

A tensão entre Maduro e a oposição venezuelana atingiu um momento mais agudo com as eleições legislativas de 2020. À altura, Guaidó declarou que o seu partido não iria a jogo, já que “participar numa fraude eleitoral é legitimar a ditadura”. O resultado dessas eleições, que deu uma ampla maioria ao PSUV de Maduro (253 lugares em 277), não foi reconhecido pelos EUA, pela Organização dos Estados Americanos nem pela própria UE.

Em causa estavam relatos de diversas formas de fraude eleitoral, como a alteração de locais de voto para eleitores e a compra de votos através de bens essenciais como bilhas de gás ou cabazes de comida — uma estratégia particularmente eficaz num país que enfrenta uma inflação galopante e uma crise social que já coloca quase 95% dos venezuelanos em situação de pobreza, de acordo com um estudo da ​​Universidade Católica Andrés Bello.

Atos de fraude eleitoral que, a repetirem-se em novembro, irão constar no relatório final da missão europeia, garante Isabel Santos: “As missões de observação eleitoral debruçam-se sobre o financiamento das campanhas, a forma como estas decorrem, o próprio quadro legislativo, a liberdade de voto, a forma como o direito de voto é exercido, os tempos de antena, os casos de intimidação, as queixas, o funcionamento das próprias assembleias de voto… Tudo isso será escrutinado até ao mais pequeno pormenor”, assegura a eurodeputada portuguesa. “O resultado será aquilo que resulta da observação, dos factos observados e nada mais. Esta é uma missão independente e absolutamente imparcial. É um ponto de honra.”

As conclusões da missão europeia serão divulgadas num relatório preliminar que será apresentado em conferência de imprensa nas 48 horas a seguir ao ato eleitoral, e posteriormente completadas num relatório final apresentado em janeiro de 2022. “O que for observado estará no relatório. Nem mais, nem menos”, assegura Isabel Santos.

Caracas e comunidade internacional negoceiam fim das sanções

A missão de observação eleitoral da UE surge após dois anos de tensão entre Caracas e Bruxelas. O apoio da Europa a Guaidó fez agudizar as tensões com o regime de Maduro, que chegou mesmo a expulsar a representante europeia no seu território, a portuguesa Isabel Brilhante Pedrosa, em março de 2021.

Embaixadora da União Europeia deixou Caracas

Mais recentemente, porém, a UE tem suavizado o seu discurso, tendo até começado a referir-se a Guaidó como “um ator da sociedade civil e política” do país, em vez do termo Presidente eleito.

A mudança de tom surge ao mesmo tempo que a UE, os EUA e o Canadá negoceiam com Nicolás Maduro e com a oposição venezuelana. Em junho deste ano, os representantes estrangeiros emitiram uma declaração onde abrem a porta ao fim da aplicação de sanções a Caracas: “Estamos a rever a política de sanções com base num progresso significativo, que faça parte de uma negociação alargada.”

Em troca do abandono de sanções, a comunidade internacional quer a realização de atos eleitorais em condições livres. Um compromisso que a própria oposição venezuelana parece estar a aceitar taticamente, ao participar neste ato eleitoral — o que não invalida que líderes como Leopoldo López expressem a sua preocupação de que a UE esteja a “legitimar” estas eleições regionais com o envio desta missão. Algo que Isabel Santos garante não ser o propósito da decisão europeia: “Esperamos que este ato eleitoral constitua um primeiro passo para um desbloquear de tensões e para o encontrar de uma solução delineada pelos venezuelanos”, afirma. “Sem ingerências ou qualquer tipo de condicionamento, com um horizonte de democracia e de respeito pelos direitos fundamentais.”

O Observador viajou para Estrasburgo a convite do Parlamento Europeu