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“Pessoas, Natureza e Gastronomia”. Não é um novo partido, é o regresso do Congresso Nacional dos Cozinheiros

Este artigo tem mais de 2 anos

Este fim de semana, o CNC retoma o formato presencial, em Oeiras. Há conversas, debates, street art, chefs estrelados, painéis de cozinha africana, e até a eleição do melhor pastel de nata do ano.

O Congresso volta ao presencial, em Oeiras, e terá também transmissão online
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O Congresso volta ao presencial, em Oeiras, e terá também transmissão online

CATIA BARBOSA

O Congresso volta ao presencial, em Oeiras, e terá também transmissão online

CATIA BARBOSA

“A gastronomia há muito que deixou de ser o lugar da técnica para haver um reconhecimento que teve a ver com as figuras, a gastronomia passou a ter pessoas” — e são essas pessoas que Paulo Amado, organizador do Congresso Nacional dos Cozinheiros (CNC), não esquece, tanto que as trouxe da edição passada do evento, que decorreu com o lema “#nósaspessoas”. Em 2021, o CNC volta a falar das figuras que dão a cara e o corpo ao manifesto na cozinha, mas não só: “Pessoas, Natureza e Gastronomia” é a tríade temática que vai dar o mote a mais uma edição que traz a debate uma série de questões inerentes ao setor que está em constante mutação, em grande parte reflexo da própria sociedade. Debates, apresentações, documentários, demonstrações de cozinha e muitos dedos de conversa — é ir em modo livro aberto e perceber que o mundo da cozinha está a mudar, mesmo depois de um período que parecia o fim de tudo.

No ano passado, numa edição totalmente virtual, pôs-se o dedo na ferida para finalmente olhar para a saúde mental no setor da restauração e da hotelaria, mas este ano há uma espécie de continuação do capítulo humano, daqueles que fazem mover a cozinha. “As pessoas à medida que as gerações vão mudando têm causas, e o Congresso dos Cozinheiros é uma ferramenta para causas e para evidenciar como a gastronomia procura ser lugar de mudança social”, afirma Paulo, figura da divulgação gastronómica portuguesa e coordenador das Edições do Gosto, sobre o evento que acontece a 17 e 18 de outubro nos Nirvana Studios, em Oeiras. “A gastronomia pode espelhar para a sociedade temas como o equilíbrio entre homem e mulher, integração social, respeito pelas diferentes gerações, sustentabilidade no seu todo, conexão com as artes, saúde mental…nós estamos sintonizados com esta ideia e tentamos pô-las em prática.”

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Paulo pretende que o CNC seja o primeiro palco de partilha técnica, mas também um palco de partilha entre pessoas, comunidade de assuntos não técnicos. “Continua a ser relevante destacar quem faz a cozinha. Vemos outros eventos no mundo que estão centrados na técnica, no produto, na origem, e nós apreciamos e abordamos isso, mas a base de tudo são as pessoas. A natureza entra aqui porque foi preciso repensar a nossa relação com a natureza e ver que resultados tem na gastronomia”, explica.

O estado da nação da restauração

A pandemia mexeu com tudo e um dos visados foi precisamente o setor da restauração, com consequências em geral mas desde logo a nível individual. “Acho que houve uma mudança de paradigma a diferentes níveis, a começar pelo próprio indivíduo”, refere. “Mas no mundo inteiro as pessoas sentiram estes efeitos. O paradigma atual das profissões da restauração tem de mudar a nível das condições de trabalho, da remuneração, dos horários e das folgas. O que aconteceu é que as pessoas abandonaram a gastronomia para ir para outros sítios porque o grau de atratividade é baixo”, diz, referindo-se ao cenário atual de falta de mão de obra no setor.

O organizador do CNC aponta que se há uma crise o que lhe sucede é uma mudança, e que essa mudança poderá passar por uma fase “menos humanizada” e por uma “hospitalidade menos hospitaleira”.

Mas nem tudo foi um ponto negativo na narrativa, e uma das questões que Paulo nota é que aumentou a procura por informalidade na gastronomia, provocando uma consequente adaptação da própria restauração que “é um negócio extremamente adaptativo”.

Eu vejo uma mudança de maior informalidade o que mostra restaurantes mais casuais, repensa-se o fine dining, ficamos sem saber o que vai acontecer. Nada acaba, tudo se transforma.”

Depois de mais de um ano e meio de restrições, Paulo associa esta necessidade a um certo “joie de vivre”, como sinal de uma alegria de viver por haver esta “segunda oportunidade” de voltar à vida.

Repensar o fine dining e a olhar para a cultura colaborativa

Um dos temas a discussão será o futuro do fine dining, palavras que serão trocadas entre Alexandre Silva (Loco, 1 estrela), João Rodrigues (Feitoria, 1 estrela) e Henrique Sá Pessoa (Alma, 2 estrelas) numa conversa (dia 18) chamada “A Luta Verde e o Futuro do Fine Dining”. Este registo gastronómico tem vindo a evoluir ao longo do tempo, e com a pandemia muitas questões surgiram sobre o futuro daquilo que é (ou era) o fine dining na sua verdadeira aceção. “O fine dining desenhou-se numa pirâmide virtual como o topo da restauração, é o estilo de restauração em que se procura levar à mesa o topo da técnica, do produto, do serviço, numa instalação também ela soberba. Foi assim que se foi desenhando, como o expoente máximo”, explica Paulo Amado, que refere que a tem havido uma tendência de mudança e que começou a surgir um “fine casual”. E nesse registo tudo acaba por ser mais informal, sem retirar a valorização da técnica e do produto apresentado.

A pandemia ofereceu tempo num sentido, mas fez as pessoas refletir sobre onde e como o queriam gastar. “Há uma discussão sobre se as pessoas querem ou não sentar-se à mesa para food pairings com vinhos, refeições muito longas ou se, em vez disso, preferem ambientes mais descontraídos com tipo de serviço e comida menos exigente e mais orientada à fruição do convívio entre pessoas à mesa de um restaurante”, expõe o mentor do CNC.

Paulo Amado, responsável pelo evento e pelas Edições do Gosto

Luís Ferraz

Os ecos que se vão ouvindo, conta, vão no sentido de uma espécie de libertação pós-pandémica que desenvolveu a vontade “de querer ter experiências, procurar restaurantes com o ambiente em que se possa estar à mesa com ambiente familiar ou entre amigos para se divertir”. Mas isso não é sinal que está ditada a sentença de morte do fine dining e Paulo acredita que, “como sempre”, a restauração vai acabar por se adaptar às exigências desta mudança para a casualidade.

Mas esta evolução também ela tem vindo a ser construída com base noutras mudanças que se têm operado. “O restaurante era um local já propício à convivialidade, e vemos isso com o crescimento de coisas como haver mais música nos restaurantes ou mais refeições para partilhar — isso gera oportunidades para fazer conciliações inesperadas”, afirma. “Vai continuar a haver uma fórmula sempre, mas abre-se espaço a outros sítios.”

E por falar em conciliações, o Congresso terá também uma conversa (dia 18) sobre experiência coletiva relacionada com a comida, com três membros representantes dos espaços que compõem o Coral Coletivo: Martha Varela, da Artesanalis Bottle Shop, Thiago Rocha, do Valsa, e Vitor Mortara, do Café Mortara. O Coral vem para falar sobre a experiência de cozinha colaborativa, mas não é o único coletivo presente no Congresso — são exemplo também os Food Riders ou os New Kids On The Block (NKOTB), apesar de estarem lá para abordarem outras temáticas.

Uma das tendências atuais passa precisamente pelos coletivos gastronómicos, que acabam sempre por meter ao barulho mais do que comida, e bem. “Há de facto uma tendência que tem que ver com a cozinha colaborativa, há uma predisposição desta geração para poderem colaborar mais uns com os outros”, explica Paulo.

Há uma nova geração que tem outra postura sobre a vida e as profissões, a maneira de se relacionar e estão muito abertos a interações uns com os outros da mesma área e de diferentes áreas.”

Está em curso uma espécie de afirmação conjunta de quem quer fazer mais do que está convencionado, fazer nascer colaborações, por exemplo, de cozinheiros com artistas de todo o tipo, com músicos ou com a moda.

“Isto da gastronomia é uma expressão cultural num determinado ponto, numa determinada localização, e existem outras pessoas à procura de fazer a sua afirmação. Então eu vejo como natural estas possibilidades que se abrem das pessoas partilharem no tempo e no espaço uma atitude que eles querem conjugar”, remata Paulo.

Pop up: o desafio de ocupar cozinhas alheias

A gastronomia acaba por não ser estanque, envolve-se e deixa-se influenciar por outros aspetos externos, e Pedro Abril, dos NKOTB e chef da Musa da Bica, vai encabeçar uma conversa no dia 17 sob a temática “Identidade & Contracultura”. Nela vai abordar o movimento de contracultura dos anos 70, a beat generation ou até os movimentos punk e hippie e como estes de aplicam de alguma maneira à gastronomia.

Do chef com três estrelas à arte urbana gastronómica

A programação conta com mais de meia centena de convidados nacionais e internacionais ligados de alguma forma à cozinha. Um dos destaques está na entrevista que vai ser feita a Dabiz Muñoz (dia 17, 19h15), o chef que este ano encabeça a lista dos The Best Chef Awards. O chef madrilenho foi o mais jovem da história a conquistar três estrelas Michelin em Espanha, com o seu restaurante DiverXO, e é considerado dos chefs mais irreverentes da atualidade gastronómica — no CNC vai abordar temas como a criatividade na cozinha.

The Best Chef Awards: Henrique Sá Pessoa entra para lista dos 100 melhores chefs

E por falar em criatividade, essa também chega ao Congresso noutros formatos além da comida propriamente dita. O street artist Cibo, natural de Verona em Itália, vem até Lisboa falar e mostrar o seu trabalho numa conversa sob o tema “A comida como elemento inclusivo” (dia 18). Na rua, Cibo pinta símbolos de comida por cima de mensagens de ódio e racistas, no palco do CNC o artista vai abordar o seu trabalho e como a gastronomia pode ser um fator preponderante num trabalho de rejeição de mensagens negativas à sociedade.

Outro dos destaques está na apresentação do projeto — e do sonho — Nantes Calling, de Catarina Nascimento (dia 17). Voltou a Portugal em 2019, depois de ter estado em Espanha nos  restaurantes StreetXO e DiverXO de Dabiz Muñoz, e tem o desejo de abrir um restaurante na sua terra natal, em Nantes, Trás-os-Montes, com as suas ideias fixas.

Outros dos convidados internacionais são Ignacio e Carlos Echapresto do Venta Moncalvillo, em La Rioja, que no dia 18, vão falar sobre ciclos lunares na gastronomia. Isto porque no seu restaurante com uma estrela Michelin, as propostas são governadas com a influência da lua, com base nas regras da biodinâmica que usa para cultivar a sua horta.

Neste Congresso surgem também dois painéis de cozinha africana, sob o domínio de Conexão Africana, que são, no fundo, uma reflexão sobre os legados e heranças das duas gastronomias e como é que se fundem. Paulo Amado justifica esta escolha como uma lacuna por preencher, uma vez que “Portugal é um país de tamanha diversidade e a cozinha africana parece que ainda está por descobrir”, afirma.

Paulo descreve que o panorama em Portugal definiu um protótipo da imagem de cozinheiro como sendo “um homem branco com menos de 40 anos”, mas que essa imagem não é o espelho da sociedade à nossa volta.

“O tema da conexão africana tem a ver com uma evidência social do nosso país que é o número de pessoas africanas, ou de descendência africana, que são portugueses de direito e que têm uma cultura alimentar que faz parte da nossa sociedade”, explica, “Mas não se evidencia a não ser pelas mulheres de origem africana que estão nos principais restaurantes africanos em Lisboa lá atrás a fazer comidas populares.”

Envolvidos no debate vão estar André Magalhães, da Taberna da Rua das Flores, no dia 17, e no dia seguinte será a vez de Bel Coelho, do Clandestino Restaurante, e Ieda de Matos e Zé do Carmo, Casa da Ieda, ambos em São Paulo, no Brasil.

É preciso evidenciar aquilo que socialmente está presente que precisa de ser reconhecido, evidenciado e valorizado. Se a gastronomia pode ajudar a integrar pessoas, então que assim seja.”

Será também no dia 18, que o CNC vai ser palco para a final do concurso d’ O Melhor Pastel de Nata 2021, para o qual foram selecionados 12 finalistas: Altis Belém Hotel (Lisboa), Cantinho da Nata (Queijas), Casa do Preto (Sintra), Nilo Pastelaria (Benfica), Padaria da Né (Damaia), Pastelaria Casa do Padeiro (Pontinha), Pastelaria Fim de Século (Lisboa), Pastelaria Nata Morango (Pontinha), Pastelaria Viriato (Ramada), Pastelaria Santo António (Lisboa; detentora do título), Pastelaria Aloma (Lisboa, vencedora 2019) e Pastelaria Patyanne (Castanheira do Ribatejo). A prova-cega avaliou os pastéis consoante o seu aspeto, toque da massa, sabor e consistência da massa, recheio e sabor global. Pela primeira vez integrada no Congresso dos Cozinheiros, a entrega dos prémios acontece às 17h.

Oeiras é, neste momento, Capital Europeia da Cultura Gastronómica, o que se alia à candidatura de Oeiras a Capital Europeia da Cultura 2027, da qual faz parte a Gastronomia enquanto ativo cultural educativo — e da qual Paulo Amado é agora consultor para essa mesma candidatura. A aposta na gastronomia segue em vários sentidos e um deles é a rota pelos restaurantes do concelho, aqui apadrinhada pelo evento, a decorrer até 23 de outubro. Restaurantes como a Casa da Dízima, Confraria do Polvo, O Faustino, O Parreirinha, Pátio Antico, Zé Varunca ou o Sítio de Gente Feliz são alguns dos locais sugeridos, sempre com uma especialidade em destaque nesta rota.

A cozinha continua a ter a sua versão digital

Nesta edição, apesar do tão desejado regresso ao formato presencial, Paulo admite que o universo digital não podia ser largado de um ano para o outro. No ano passado, a poucos dias da edição acontecer, já em Oeiras, mudaram de local porque perceberam que nem a pouquíssima lotação prevista poderia ser levada avante devido às restrições pandémicas. Mas não ia o Congresso ficar pendurado, ainda para mais tendo em conta o tema de peso que estariam prestes a abordar.

“Mudámos de sítio à última e, como tal, a única solução foi adaptarmo-nos para sermos todos digitais. Montámos um estúdio de televisão lá e transmitimos o que tínhamos no programa, aprendemos com os erros e com os desafios que se puseram diante de nós naquela altura de incerteza total”, explica Paulo. E o impacto foi tal que não podiam descer essa escada, pelo menos não para já.

“Em vez das quase 1500 pessoas que tivemos na edição anterior a essa, na Lx Factory, tivemos 25 mil visualizações e isso para nós foi uma boa surpresa. Pensámos que tínhamos de manter isto também digital, até numa perspetiva de acesso livre”, refere. “Esta pandemia trouxe-nos uma certa lógica e obrigação de que a partir de agora queremos ampliar tudo o que for possível através da transmissão online.”

Apesar de não substituir o calor humano de ver e rever caras, do rodopio que é saltar de conversa em conversa, do prazer de provar o que resulta das demonstrações de cozinha ou de ouvir quem dá a cara pelo setor, tudo o que se passar no Congresso será transmitido também online nas redes sociais das Edições do Gosto, e de forma gratuita.

Os bilhetes para o Congresso Nacional dos Cozinheiros estão à venda online por 45 euros (bilhete diário) ou 80 euros (passe de dois dias). O programa completo está disponível aqui.

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