Difamação, ameaças de violência física e sexual ou até ameaças de mortes são algumas das queixas dos investigadores que fizeram comentários sobre a pandemia de Covid-19, segundo um levantamento feito pela Nature com 321 especialistas.

Mais de dois terços dos cientistas que responderam ao inquérito disseram ter sofrido os impactos negativos da sua exposição pública, desde receberem queixas na entidade patronal a verem as suas moradas divulgadas online.

Um caso extremo, não incluído neste inquérito, foi o de um virologista belga, Marc Van Ranst, que teve de ser colocado numa casa segura com a família por causa de um sniper militar que ameaçou matar virologistas.

Os ataques a cientistas são comuns tanto entre mulheres como entre homens, mas o teor dos ataques a mulheres e minorias étnicas e raciais vai além das críticas do que defendem em termos científicos e entra num campo mais pessoal, do aspeto físico às origens.

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“Sei que às vezes somos incentivados a ignorar os trolls e as ameaças, mas eu discordo. Acho que devemos denunciar essas atividades à polícia, garantir que a polícia faz o acompanhamento — que fez na minha situação — e divulgá-las em vários fóruns”, disse a vice-diretora de um instituto australiano, também ela alvo de um email ameaçador.

Tal como a violência doméstica, que foi ignorada como sendo de menor importância durante muitos anos, os abusos e as ameaças nas redes sociais são igualmente ignorados, mas podem ter um grande impacto na vida das pessoas de muitas maneiras diferentes. Para as mulheres jovens é particularmente difícil”, acrescentou a vice-diretora.

Os resultados mostram ainda que mais de metade dos inquiridos recebeu ataques à sua credibilidade e cerca de 30% referiu ter sofrido dados reputacionais. Mais de 40% dos cientistas que responderam ao inquérito sofreram efeitos psicológicos e emocionais e houve seis cientistas que foram atacados fisicamente.

A noite em que manifestantes cercaram o vice-almirante e um DJ foi a um centro de vacinação

Em Portugal, o coordenador da task force, o vice-almirante Gouveia e Melo, que teve de reforçar a segurança pessoal, tal como aconteceu com Anthony Fauci, conselheiro da Casa Branca (Estados Unidos), e a família, depois de terem recebido ameaças de morte.

Apesar do assédio online e presencial, a larga maioria dos especialistas (84,7%) diz ter tive uma experiência positiva com os órgãos de comunicação social durante a pandemia. Ainda assim, aqueles que foram alvos dos ataques pessoais com mais frequência são também aqueles que apresentam maior relutância em voltar a fazer declarações públicas.

Durante a pandemia, muitos cientistas  tornaram-se celebridades, aparecendo regularmente na televisão, rádio e feeds de notícias. Ajudaram-nos a todos a entender este vírus terrível”, disse Lyndal Byford, diretora de Notícias no Australian Science Media Centre. “Mas, para alguns, o assédio que tiveram por este serviço público fá-los pensar duas vezes antes de aparecerem nos media outra vez.”

Um inquérito deste tipo foi conduzido inicialmente pelo Science Media Centre na Austrália, que serve de ponte entre os cientistas e os jornalistas, obtendo 50 respostas. A Nature estendeu o inquérito ao Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Brasil, Nova Zelândia e Taiwan. A amostra não pretende ser representativa, mas permite ter uma ideia do bullying a que são sujeitos os investigadores.

Os ataques a cientistas e especialistas não surgiram com a pandemia de Covid-19, outros temas como vacinas e alterações climáticas já desencadeavam o ódio dos abusadores.