Exilados políticos portugueses mostraram em Paris onde viveram, trabalharam e conspiraram para ajudar companheiros a fugir à Guerra Colonial, acabar com a ditadura em Portugal e escrever um capítulo da história francesa.

“Do ponto de vista histórico, a revolução portuguesa, foi muito criada na emigração aqui. Em Portugal havia muito receio. Mesmo se não houvesse polícia, era como se houvesse polícia na nossa cabeça e aqui não”, afirmou Vasco Martins, exilado político que chegou a França em 1961, em declarações à Agência Lusa.

Vasco Martins serviu como principal mestre de cerimónias na visita guiada ao 13.º bairro de Paris, onde cerca de 30 pessoas mergulharam na vida de um exilado político português que chegava à capital francesa entre os anos 60 e 70. Com ponto de encontro marcado à porta da Câmara Municipal desse bairro, a visita seguiu a partir daí.

Para estes emigrantes, a chegada fazia-se normalmente pela Estação de Austerlitz, importante porta de entrada para quem vinha de comboio. Entre Portugal e Espanha, muitos dos exilados que recusavam a guerra colonial ou eram perseguidos pela PIDE, davam “o salto”, mas entre Espanha e França conseguiam uma porta de entrada legal.

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“Nenhum de nós tinha qualquer tipo de documento. Entre a fronteira espanhola e francesa, era possível chegar à polícia francesa e dizer que vínhamos trabalhar e recebíamos um documento para poder procurar trabalho”, explicou Fernando Cardoso, presidente da Associação de Exilados Políticos Portugueses.

O essencial era ter uma morada e era essa uma das funções de Vasco Martins. Instalado em Paris há mais tempo, este português que era ativo nos movimentos sindicalistas e participou no Maio de 68, constituiu no.  15 rue de Moulinet, no 13º bairro, um ponto de acolhimento para os camaradas que chegavam à capital.

Era a partir daí que se arranjava trabalho, um sítio melhor para ficar e também onde se organizam vários movimentos sociais onde os portugueses foram participando ativamente até 1974. Uma das atividades de quem ficava nesta casa era vender o jornal “O Alarme”, que relatava notícias de Portugal censuradas pelo regime e dava também conta de notícias das comunidades portuguesas.

Com direção de Jean-Paul Sartre — já que os portugueses exilados tinham receio de assumir a publicação do jornal e o intelectual francês voluntariou-se para apoiar esta causa —, “O Alarme” era até comprado por emigrantes portugueses “que não sabiam ler”, mas queriam participar no esforço para combater a ditadura, relatou Vasco Martins.

A visita faz parte do projeto europeu #ECOS, onde universidades e associações de Portugal, França e Dinarmarca se uniram para traçar o caminho dos exilados portugueses, mas também mostrar que o sentimento destas pessoas se aproxima dos movimentos de refugiados vividos hoje em dia.

“Este projeto é pegar numa história que achamos que é importante continuar a contar, especialmente tendo os protagonistas connosco. Mas a história do exílio português é uma história atual. Todos os sentimentos que estas pessoas tiveram nos anos 60 e 70 estão muito próximos do que sentem os refugiados hoje em dia”, referiu Sónia Ferreira, antropóloga e professora universitária, que integra este projeto.

As atividades das várias associações ligadas aos exilados políticos em França permitem também reconstituir um percurso que nem sempre as segundas e terceiras gerações de lusodescendentes conhecem, já que esse é um tema do qual não se fala em muitas famílias.

“Eu questionava-me muito sobre a imigração portuguesa e como os meus pais chegaram a França. Na minha família, ninguém fala então não tinha resposta”, disse Anne-Marie Esteves, que participou na visita no 13º bairro.

Nascida em França, Anne-Marie Esteves decidiu procurar por ela própria e encontrou a associação Memória Viva, que recolhe todas as memórias por escrito, orais, documentos, jornais ou livros ligados à emigração portuguesa, sendo agora voluntária nesta estrutura.

O que tem aprendido na associação tem-lhe permitido ter mais argumentos para lutar contra os argumentos da extrema-direita francesa e defender o lugar dos portugueses na história do país.

“A história da imigração portuguesa faz parte da história francesa. Estamos quase no período eleitoral e ainda temos a Marine Le Pen e as suas ideias, sempre a falar na imigração”, referiu a lusodescendente.

O passeio seguiu depois do 13º bairro para o 5º bairro, um sítio emblemático devido às universidades e aos cafés da Boulevard Saint Michel, onde diferentes grupos de esquerda se reuniam e onde os portugueses tinham lugar destacado.

Para conhecer mais sobre este movimento, a exposição “Contrariar o Silêncio” está patente no Consulado-Geral de Portugal em Paris até dia 22 de outubro, com documentos e relatos da vida destes exilados em Paris e noutros países europeus.