Foi em setembro de 1996, há já 25 anos. O FC Porto de António Oliveira, a caminho de se tornar tricampeão nacional pela primeira vez desde os anos 30, visitou San Siro na fase de grupos da Liga dos Campeões para defrontar um AC Milan de Óscar Tabárez que tinha Maldini, Desailly e Baggio. Os dragões começaram a perder com um golo de Simone, empataram por Artur, voltaram a ficar em desvantagem graças a Weah e viram um jovem Mário Jardel entrar já depois da hora de jogo para bisar e conquistar uma das vitórias mais míticas da história europeia do clube.

Nesse ano, o FC Porto só saiu da Liga dos Campeões nos quartos de final, com o Manchester United, e fechou a fase de grupos com cinco vitórias e um empate — concedido contra o AC Milan mas já nas Antas. Sérgio Conceição, agora treinador dos dragões, foi titular nas duas partidas contra os italianos, numa fase da carreira em que ainda nem sabia que ia viver as maiores alegrias enquanto jogador precisamente em Itália, mas na hora de reencontrar o AC Milan não quis recuperar essas memórias. “Só me lembro desse jogo porque falaram na imprensa”, limitou-se a dizer quando foi questionado sobre a noite histórica de Milão há 25 anos. Mas houve quem quisesse puxar atrás a fita do tempo.

Ficha de jogo

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FC Porto-AC Milan, 1-0

Fase de grupos da Liga dos Campeões

Estádio do Dragão, no Porto

Árbitro: Felix Brych (Alemanha)

FC Porto: Diogo Costa, João Mário, Mbemba, Pepe, Wendell (Zaidu, 45′), Otávio (Grujic, 90+1′), Sérgio Oliveira (Vitinha, 67′), Uribe, Luis Díaz, Taremi (Toni Martínez, 84′), Evanilson (Corona, 67′)

Suplentes não utilizados: Marchesín, Marcano, Francisco Conceição, Pepê, Manafá, Bruno Costa, Fábio Vieira

Treinador: Sérgio Conceição

AC Milan: Tatarusanu, Ballo-Touré (Kalulu, 58′), Kjaer, Tomori (Romagnoli, 58′), Calabria, Bennacer, Sandro Tonali (Bakayoko, 67′), Saelemaekers, Krunic (Maldini, 82′), Rafael Leão, Giroud (Ibrahimovic, 58′)

Suplentes não utilizados: Desplanches, Jungdal, Gabbia

Treinador: Stefano Pioli

 

Golos: Luis Díaz (65′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Sérgio Oliveira (3′), a Tomori (16′), a Giroud (20′), a Uribe (38′), a Kalulu (81′), a Ibrahimovic (88′), a Rafael Leão (90′)

“Naquela época eles tinham grandes jogadores, Maldini, Weah, Davids, entre outros. Esta tem, por exemplo, Ibrahimovic. Continuam uma grande equipa. Como o FC Porto joga em casa, acredito que vai ganhar. Apostaria numa vitória pelo placard mínimo, 1-0. Sérgio Conceição criou uma equipa à sua imagem, luta muito, não desiste. É uma equipa que vale pelo conjunto e é isso que faz a diferença. Não o imaginava como treinador mas é o treinador certo para o FC Porto. Lembro-me de que não estava de perder. Jogávamos do mesmo lado e lembro-me de que discutíamos muito, para o bem da equipa”, contou Edmilson, antigo jogador brasileiro que representou os dragões e também o Sporting e que foi o único a marcar pelo FC Porto ao AC Milan em casa, no tal empate na fase de grupos de 1996/97.

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Certo é que, memórias à parte, o FC Porto reencontrava o AC Milan esta terça-feira. Depois da goleada sofrida no Dragão com o Liverpool, a equipa de Sérgio Conceição voltava à procurar a primeira vitória nesta fase de grupos da Liga dos Campeões — e, desta feita, procurava também cavar um fosso para os italianos, que levavam duas derrotas em duas jornadas. Com o plantel na máxima força, os dragões tinham Mbemba de volta à titularidade no eixo defensivo e lançavam Evanilson junto a Taremi no ataque, com Toni Martínez a ser suplente; Sérgio Oliveira era aposta no meio-campo depois da exibição positiva na Taça de Portugal, Corona começava no banco e Wendell conquistava o lugar na esquerda da defesa, com Zaidu a falhar a titularidade pela primeira vez nesta edição da Champions. Do outro lado, Stefano Pioli não contava com Maignan, Florenzi e Rebic por lesão, Theo Hernández e Brahim Díaz por terem testado positivo à Covid-19 e ainda Kessié, que foi expulso contra o Atl. Madrid. Rafael Leão começava de início ao lado de Giroud, Ibrahimovic era suplente e o jovem Sandro Tonali era a referência no meio-campo.

Os primeiros instantes começaram com a ideia de que o AC Milan iria aplicar uma pressão médio-alta com o objetivo de impedir a progressão do FC Porto. Contudo, a entrada positiva dos italianos depressa foi vergada pela quase perfeição tática dos dragões, que mostraram que estudaram bem o adversário ao longo da semana e que sabiam exatamente onde estar e o que fazer em cada setor. Wendell dava uma dimensão totalmente distinta ao corredor esquerdo da equipa, explorando espaços interiores onde Zaidu não costuma aparecer e oferecendo a ala a Luis Díaz; o colombiano era uma autêntica dor de cabeça para a defesa adversária, com os habituais movimentos de fora para dentro; Otávio estava bem entrosado no jogo e até João Mário demonstrava confiança para atacar; e Taremi aproveitava a companhia de Evanilson, menos capaz de se soltar da marcação, para surgir solto em zonas de finalização. Tudo, porém, partia da dupla do meio-campo.

Uribe e Sérgio Oliveira eram donos e senhores do setor intermédio do relvado e assumiam-se como os principais responsáveis pela pressão intensa do FC Porto que tentava explorar as fragilidades defensivas do AC Milan — fruto das ausências de Kessié, Theo Hernández e Florenzi. A defesa dos italianos tinha muitas dificuldades na hora de sair a jogar e as tentativas de transição esbarravam na dupla dos dragões, que procurava estagnar a criatividade de Bennacer e Tonali. A equipa de Stefano Pioli só conseguia atacar pela corredor esquerdo, onde Rafael Leão ia dando muito trabalho a João Mário, mas o internacional português via-se sempre muito sozinho quando conseguia chegar ao último terço.

Assim, e voltando atrás, Luis Díaz teve a primeira grande oportunidade do jogo ao acertar no poste depois de rematar em força ainda fora da grande área (5′). Seguiu-se Pepe, que cabeceou para as mãos do guarda-redes Tatarusanu (14′) e abriu as portas do festival perdulário de Taremi: o avançado iraniano atirou ao lado (18′), atirou contra Kjaer (23′), voltou a falhar o alvo de cabeça (24′) e ainda falhou um pontapé em jeito (28′), desperdiçando ocasiões que normalmente não deixa escapar. Até ao intervalo, Otávio ainda rematou por cima (42′) e Giroud ainda obrigou Diogo Costa à primeira defesa da noite (43′) mas ninguém conseguiu abrir o marcador, com os dragões a regressarem ao balneário com a sensação de que já poderiam estar em vantagem.

O FC Porto foi para o intervalo ainda sem golos mas com 11 remates — tantos, em 45 minutos, quantos aqueles que fez contra Atl. Madrid e Liverpool — contra apenas um do AC Milan e sem qualquer dúvida de que a única coisa que estava a falhar era a eficácia. Os dragões estavam a anular os italianos taticamente, jogaram no meio-campo adversário durante praticamente toda a primeira parte e só mesmo Rafael Leão e Bennacer, do lado da equipa de Stefano Pioli, iam tentando desequilibrar.

Na segunda parte, Sérgio Conceição acabou por sofrer um revés: Wendell, que tinha sido um dos melhores elementos do primeiro tempo, não recuperou de uma falta dura de Rafael Leão e acabou por ser substituído por Zaidu. O FC Porto voltou a colocar-se totalmente por cima do jogo e a atuar praticamente por inteiro no meio-campo adversário mas Stefano Pioli, de forma notória, preparou-se durante os 15 minutos de intervalo — o AC Milan voltou ao relvado com as linhas baixas e os setores próximos, com a equipa compacta e mais preocupada com defender do que atacar, e fazia a diferença principalmente pela redução de erros na saída de bola e pela alteração da estrutura que confundiu a até aí muito eficaz pressão dos dragões.

Taremi teve mais uma oportunidade mas voltou a falhar o alvo (48′), Otávio atirou contra Tomori (52′) e Uribe rematou ao lado (56′) e o FC Porto permanecia enquanto única equipa que procurava ativamente chegar ao golo. Pioli respondeu a essa evidência com uma tripla substituição, trocando Tomori, Ballo-Touré e Giroud por Romagnoli, Kalulu e Ibrahimovic e acabou por ser nessa fase, em que os dragões até estavam a desacelerar, que Luis Díaz abriu o marcador. João Mário desequilibrou na direita e cruzou, Sérgio Oliveira falhou o desvio inicial, Taremi disputou a bola nas alturas com Bennacer e Díaz aproveitou o ressalto para rematar à entrada da grande área, cruzado, para bater Tatarusanu (65′). Ao fim de 18 remates, o FC Porto conseguia finalmente chegar à vantagem.

Sérgio Conceição reagiu ao golo com as duas substituições que já tinha preparadas e tirou Sérgio Oliveira e Evanilson para lançar Vitinha e Corona, claramente à procura de maior frescura no meio-campo e da explosão no ataque. Do outro lado, Pioli trocou um desgastado Tonali por Bakayoko mas o AC Milan nunca chegou a ter uma resposta concreta à desvantagem, embalando no progressivo adormecer da partida. No último quarto de hora, o jogo entrou numa fase algo incaracterística, com faltas mais agressivas e uma escassez de continuidade que até beneficiou os italianos com ressaltos e erros de transição — mas os rossoneri nunca souberam aproveitar.

O FC Porto foi sempre melhor do que o AC Milan, não deu grandes chances aos italianos, ainda pecou por escasso nos números do resultado final e somou a primeira vitória na atual edição da Liga dos Campeões. Com os três pontos e a derrota do Atl. Madrid com o Liverpool, os dragões relançaram-se nas contas do apuramento para a fase seguinte e deixaram a equipa de Stefano Pioli com poucas chances de lutar por alguma coisa. Pioli que, na antevisão da partida, tinha avisado: “É uma equipa completa, compacta. Se tiver de destacar um nome, é o Luis Díaz, o colombiano. Foi quem me impressionou mais, pela qualidade e velocidade que tem”. Havia aviso, alerta e sinalização. O problema é que estamos mesmo a viver os Díaz dele.