Ameaçado, insultado e perseguido. O ex-árbitro e comentador do Porto Canal, António Perdigão da Silva, disse esta quarta-feira em tribunal que até a SAD do Benfica sair do caso E-Toupeira, por não ter sido pronunciada por corrupção, viu a sua vida virada ao contrário com ameaças e insultos vindos de todo o lado – tanto presencialmente como pelas redes sociais.

Segundo a acusação do Ministério Público (MP), o antigo árbitro foi um sobre os quais um dos funcionário judiciais agora em julgamento pesquisou informações pessoais a pedido do assessor jurídico da SAD do Benfica, Paulo Gonçalves. Mas foi desde que apoiou o recurso do MP sobre a não pronúncia do Benfica, que, segundo ele, começaram as ameaças, as perseguições e os insultos. “Até o Benfica sair do processo — o que não concordo e fico triste e indignado — deixei de ser insultado e perseguido”, afirmou num testemunho feito por videoconferência transmitido na sala de audiências do Campus da Justiça, em Lisboa, onde decorre o julgamento do caso E-toupeira.

António Perdigão da Silva, que agora diz ser transitário, foi analista de arbitragem do Porto Canal, depois de ter estado 12 anos afastado do mundo de futebol com uma carreira na arbitragem. Entre 2015 e 2017  trabalhou para a SAD do Porto e acabou por demitir-se numa altura em que decidiu acabar com a sua conta nas redes sociais Facebook e Twitter numa tentativa de acabara com os insultos que lhe chegavam.

A juíza Ana Paula Conceição quis saber se essas “ameaças” e “insultos” se resumiam às redes sociais. E o antigo árbitro respondeu que não. Descreveu que lhe partiram a porta da casa, que sofria insultos “na rua, em restaurantes, em supermercados”, dizendo que ele era corrupto. “A minha família foi perseguida, um familiar próximo que foi despedido porque os patrões eram do Benfica”, contou. Chegou mesmo a ser insultado quando estava parado no trânsito.  “Ainda hoje vizinhos do prédio onde habito, me insultam, como se para mim a vitória do Benfica fosse uma afronta. Estou desempregado há dois anos desde que saí do Porto e saí quando queria, não me dão emprego porque me dizem olhos nos olhos que não aceitam essas afrontas ao Benfica. Até prejuizo financeiro sofro”, disse.

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Confrontado pelo MP sobre porque razão terão pesquisado informações suas, a testemunha disse que esperava que essa resposta fosse dada pelo tribunal. A defesa dos funcionários judicias ainda lhe perguntou se essas ameaças não podiam resultar dos comentários que fazia no Porto Canal. “Não fazia comentários, fazia análise de arbitragem”, respondeu, depois de perguntar com quem estava a falar e de um advogado lhe ter respondido que não tinha que saber. “Tem sim. Tem esse direito”, corrigiu a juiza que preside ao coletivo.

Durante a manhã foram ouvidas quatro outras testemunhas, algumas amigas de Júlio Loureiro. O tribunal tentou saber se era normal o funcionário oferecer-lhes bilhetes, mas nenhuma o assumiu. A juíza Ana Conceição leu mesmo algumas transcrições de escutas. A certa altura foi mesmo surpreendida com transcrições “com sotaque do norte”, como a própria referiu, em que se trocava o “v” pelo “b”. Uma das testemunhas, Martinho Oliveira, cujo filho terá beneficiado de um bilhete para ver um jogo do Benfica, foi mesmo confrontado com as declarações que prestou em fase de inquérito. Na altura disse que o filho tinha “uma pulseira” que lhe permitia acesso exclusivo a algumas partes, como a zona lounge. Nesta audiência foi traído pela memória e já não se lembrava disso.

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Já à tarde o arguido Paulo Gonçalves não resistiu em exibir um convite e um bilhete para os jogos — que não quis juntar ao processo por serem “recordações” — para mostrar que havia uma diferença entre ambos. Nos convites não há preço. A dúvida surgiu depois de Orlando Dias, à data dos factos segundo secretário da direção do Benfica, não ter sabido responder se havia alguma distinção entre os dois ingressos.

Já Joao Miguel Lopes de Sousa, que testemunhou enquanto responsável do armazém de merchadising no Benfica e analista financeiro, lembrou que Orlando Dias eram um dos que mais lhe solicitava merchadising para oferta — o que só podia ser feito por “diretores de primeira linha” como Orlando Dias era. A cada vez que esse pedido era feito, o Benfica clube faturava esse material à SAD. Num desses pedidos exibidos em tribunal está porém a indocação que era necessário o aval do então presidente Luís Vieira. Mas a testemunha foi rápida a dizer que na prática tal não acontecia: “isso devia ser para controlo do Dr. Orlando”, afirmou.

Vieira nunca foi constituído arguido neste processo, mas a SAD do Benfica sim. Ainda assim acabou por não ser levada a julgamento, tendo a responsabilidade caído sobre o assessor jurídico Paulo Gonçalves. Nesta tarde foram ouvidas quatro outras testemunhas, duas das quais árbitros cujas informações pessoais da Segurança Social foram consultadas por ordem dos arguidos, segundo o Ministério Público.

O julgamento do caso e-Toupeira, que chegou a ter como arguida a SAD do Benfica, arrancou no final de setembro. Estão a ser julgados três arguidos: o antigo assessor jurídico da SAD do Benfica Paulo Gonçalves, pelos crimes de corrupção, violação do segredo de justiça, violação do segredo de sigilo e acesso indevido; o funcionário judicial José Augusto Silva pelos mesmos crimes, e ainda por peculato; e o funcionário Júlio Loureiro pelo crime de corrupção passiva. De acordo com a acusação do MP, Paulo Gonçalves terá solicitado a estes funcionários judiciais que lhe transmitissem informações sobre inquéritos, a troco de bilhetes, convites e merchandising do clube.

A próxima sessão ficou marcada para o dia 27 de outubro.