O antigo presidente da Câmara Municipal de Vidigueira Manuel Narra vai ser julgado por um crime de peculato e outro de falsificação de documento, por alegadas ajudas de custo indevidas, decidiu esta quarta-feira o Tribunal de Cuba.

Na sessão em que foi lida a súmula da decisão instrutória, realizada esta tarde, o tribunal considerou existirem “indícios suficientes” da prática daqueles crimes, face à prova produzida relativamente aos factos imputados ao arguido.

O tribunal afirmou a sua convicção de que “é mais provável que o arguido tenha cometido os factos que lhe estão a ser imputados”, atendendo aos “elementos de prova indiciária recolhidos”, leu a juíza do Tribunal de Cuba, na sessão presenciada pela agência Lusa.

Manuel Narra, que presidiu ao município de Vidigueira (distrito de Beja) de 2005 a 2017, eleito pela CDU, está acusado pelo Ministério Público (MP) da prática de um crime de peculato de uso e de um crime de falsificação de documento, devido a ajudas de custo que recebeu, alegadamente de forma indevida, entre novembro de 2013 e outubro de 2017.

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Segundo a acusação, o ex-autarca, que foi novamente candidato à câmara alentejana nestas autárquicas de setembro por um movimento independente e foi eleito vereador, em causa estão 42.508,80 euros em ajudas de custo, nomeadamente deslocações.

O processo está relacionado com ajudas de custo pagas ao ex-presidente do município por deslocações que declarou ter efetuado na sua viatura pessoal, não num veículo municipal, para uma habitação em nome dos filhos na Costa da Caparica, no concelho de Almada (distrito de Setúbal), que foi a sua morada fiscal entre novembro de 2013 e outubro de 2017.

De acordo com o MP, na acusação consultada pela Lusa, Narra “preencheu e assinou”, durante esse período, “no final de cada mês e todos os meses”, um boletim para pagamento dos quilómetros realizados entre a Vidigueira e Costa da Caparica, mas “o arguido não realizou tais viagens em viatura própria”.

Contestando a acusação, Manuel Narra pediu a abertura da fase de instrução, mas o Tribunal de Cuba decidiu esta quarta-feira pronunciá-lo por aqueles crimes, afirmando que o arguido não tinha “o centro da vida pessoal” na Costa da Caparica, mas sim na Vidigueira, pelo que a mudança de residência fiscal “terá sido com o propósito de receber as ajudas de custo”.

Referindo tratar-se de uma questão “polémica” que esteve recentemente em debate no parlamento, relacionada com a morada fiscal e as ajudas de custo dos políticos, a juíza aludiu a um parecer emitido pela Assembleia da República, em 27 de junho deste ano, que refere que o direito a estes pagamentos depende da “residência efetiva ou habitual, onde quer que se tenha o centro” de vida.

“As regras de experiência comum ditam” que Narra “recebeu quantias indevidamente, a título de despesas de deslocação”, quando “este recebimento não poderia representar um direito seu só porque decidiu fixar a sua residência fiscal na Costa da Caparica”, afirmou.

À saída da sessão, após ter sido pronunciado, o antigo presidente afirmou aos jornalistas já esperar que o processo seguisse para julgamento, mas frisou que, qualquer que venha a ser a decisão judicial, “nunca poderá contradizer aquilo que efetivamente sucedia”, que era “morar na Costa da Caparica e ter direito às ajudas de custo”.

Manuel Narra contestou que esteja agora em causa a definição do conceito de residência: “Sendo presidente de câmara, o centro da minha vida obrigatoriamente teria de ser na Vidigueira, mas isso não invalida aquilo que era a minha residência efetiva, que era na Caparica”.

“Para um conjunto vasto de entidades do Estado, isso é reconhecido, [porque era] lá que tinha médico de família, lá votava, lá recebia a correspondência e os 5% de IRS que a Câmara de Almada devolvia aos seus munícipes […]. Parece que só para o MP é que este conceito de residência é efetivamente onde trabalhamos”, criticou.