O presidente do Sindicato Independente dos Médicos afirmou esta quarta-feira que os clínicos do Centro Hospitalar de Setúbal (CHS) não têm capacidade para fazer mais horas extraordinárias e acusou o Governo de transferir recursos para o setor privado da saúde.

“Os médicos do hospital de Setúbal não podem dar mais horas extraordinárias. Estamos a falar de médicos que a meio do ano já têm 400 e 500 horas extraordinárias, que não devem ter. Esta enormidade de se assumir que é possível pagar 500 horas de uma forma diferente — e de o governo não cumprir aquilo que são os tempos máximos de trabalho extraordinário —, não é possível. Não é possível mais trabalho extraordinário”, disse Jorge Roque da Cunha.

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O presidente do Sindicato Independente dos Médicos falava na comissão parlamentar de Saúde, numa audição requerida pelo PSD para abordar a situação de “rutura no CHS”, que motivou o pedido de demissão do diretor clínico e de mais 87 médicos diretores e coordenadores de serviços do Hospital de São Bernardo, principal unidade de saúde do CHS.

Para Jorge Roque da Cunha, é necessário que o Ministério da Saúde se disponibilize para negociar com os médicos um conjunto de soluções para os problemas do CHS e do Serviço Nacional de Saúde (SNS), face à transferência de recursos a que se está a assistir para o setor privado e à degradação progressiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

“O Serviço Nacional de Saúde está a transferir recursos para os privados: 140 milhões de euros para prestadores de serviços privados, dezenas de milhões de euros para o SIGIC (Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia) e para ressonâncias magnéticas. No Hospital das Gambelas, no Algarve, são cinco milhões de euros que todos os anos vão para os privados”, acusou o dirigente do Sindicato Independente dos Médicos, que deixou um apelo aos deputados do Partido Socialista.

“Peço encarecidamente aos senhores deputados do Partido Socialista, que, junto da ministra da Saúde, digam que há aqui meios, há capacidades e há disponibilidade para encontrarmos soluções”, disse Jorge Roque da Cunha, que também sublinhou várias vezes a necessidade de valorização das carreiras, para que os jovens médicos queiram permanecer no SNS.

Na audição da comissão parlamentar de Saúde, o presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), Noel Carrilho, também defendeu que a “insuficiência de recursos, a incapacidade de cumprir com o compromisso assistencial com os recursos existentes nos vários serviços do SNS, é uma realidade transversal” que não se circunscreve ao Centro Hospitalar de Setúbal.

Laborar no limite da capacidade e mesmo assim não ter possibilidade de cumprir com aquilo que devia ser a assistência devida aos doentes do Serviço Nacional de Saúde é já tomado como normal. E não deveria ser. E isto é só uma ponta de um iceberg enorme e a demonstração de como vão as coisas no Serviço Nacional de Saúde”, disse.

“O que nós exigimos desde há largos anos — e isto precede a pandemia, não é uma realidade criada pela pandemia, mas que terá sido agravada pela pandemia — é o necessário investimento em recursos humanos, em estrutura, em recursos técnicos”, acrescentou o dirigente da FNAM.

Para Noel Carrilho, quem trabalha no SNS verifica que há uma “degradação do SNS (…) independentemente daquilo que é a publicidade, ou até propaganda, [do Governo]”.

“Quem trabalha no Serviço Nacional de Saúde vê um SNS em degradação constante, em declínio. E isso é refletido nas listas de espera enormes que temos, quer para exames complementares de diagnóstico, quer para consultas, quer para procedimentos cirúrgicos”, disse.

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“É refletido na dificuldade de ter um médico de família. Infelizmente podemos constatar um crescendo de portugueses sem médico de família. E houvesse iniciativa do Governo, poderia não ser assim”, concluiu Noel Carrilho.