O investigador da história africana Robert Harms encontra notáveis semelhanças nos colonizadores europeus em África, considerando que todos eles exploraram recursos, aplicaram o trabalho forçado e impuseram o cristianismo, antes de abandonarem o continente mais pobre e com tensões.

“Os historiadores podem debater os prós e os contras do colonialismo britânico contra o colonialismo francês ou português, mas todas as formas de colonialismo europeu foram notavelmente semelhantes“, afirmou Robert Harms, a propósito do seu mais recente livro “Terra de Lágrimas” (editora Desassossego).

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Em entrevista à agência Lusa, o autor deste livro sobre a exploração e escravização da África equatorial, define o que os colonizadores europeus tinham em comum: “Com base na sua crença na superioridade da raça branca e da cultura europeia, os colonizadores tentaram redesenhar África, para servir os interesses europeus”.

“Quando o colonialismo terminou, os africanos ficaram com territórios despojados de muitos recursos valiosos e uma cultura política em que elementos europeus e africanos coexistiam numa tensão destrutiva, criando assim uma situação instável que perdura até aos dias de hoje”, adiantou.

Segundo Robert Harms, autor de vários livros sobre a história africana, a motivação inicial dos europeus para a corrida ao controlo do continente africano, nomeadamente na África equatorial, era “ganhar o controlo do lucrativo comércio do marfim na bacia do rio Congo”.

“No início da década de 1880, os portugueses exerceram um controlo informal sobre a foz do rio Congo, os franceses reivindicaram Malebo Pool (onde se encontram agora as cidades de Kinshasa e Brazzaville), e o Sultão de Zanzibar reivindicou Wagenia Falls (onde se encontra agora Kisangani)”, explicou.

O Rei Leopoldo II da Bélgica, prosseguiu, “procurou ultrapassar essas rivalidades comerciais com o seu esquema para criar um ‘Estado Livre do Congo’, onde todas as nações pudessem conduzir um comércio pacífico”.

“Na Conferência de Berlim de 1884-1885, as principais potências da Europa (juntamente com os Estados Unidos, o Império Otomano, e o Sultão de Zanzibar) concordaram em atribuir o controlo da bacia do rio Congo ao Rei Leopoldo, que o governava como seu território pessoal. Esta decisão desencadeou um ‘efeito dominó’, no qual os britânicos, franceses, alemães, portugueses e italianos lutaram para reivindicar e ocupar território em todas as regiões de África onde tinham interesses comerciais. Em 1898, apenas a Etiópia permaneceu independente do controlo europeu”.

No livro “Terra de Lágrimas”, Robert Harms descreve a exploração do marfim e da borracha selvagem na floresta tropical africana equatorial.

“Em 1880, os elefantes tornaram-se raros nos prados da África oriental e a procura europeia de marfim tornou-se centrada na floresta tropical. Como os grupos de caçadores não podiam funcionar eficientemente na floresta densa, os europeus invadiam aldeias e apreendiam armazéns de marfim que tinham sido construídos ao longo dos anos, fazendo com que os recursos de marfim da África equatorial diminuíssem rapidamente”.

E acrescentou: “A recolha forçada de borracha selvagem teve um efeito semelhante, porque as vinhas de borracha da [planta] landolphia na floresta tropical morreram após uma produção demasiado frequente. Depois de uma década de exploração intensa, a maior parte delas já estava esgotada em 1908, quando o governo belga tirou o Congo ao rei Leopoldo II”.

“Quando as vinhas voltaram a crescer, as plantações no sudeste asiático estavam a suprir a maior parte das necessidades mundiais de borracha e a borracha selvagem deixou de ser procurada. Os maiores perdedores foram o povo congolês, que sofria de fome, deslocação, doença e morte às mãos das companhias de borracha“, referiu.

Segundo Robert Harms, o número exato de mortos resultante destes acontecimentos “nunca será conhecido”, mas “parece provável que mais de um milhão de africanos tenham perdido a vida e outros milhões tiveram de fugir das suas casas e aldeias para viverem escondidos na floresta”.

Em relação ao papel da escravatura nestes factos, o investigador indica que, “quando os europeus entraram na bacia do rio Congo, na década de 1870, o comércio de escravos do Atlântico para as Américas já tinha terminado em grande parte”.

Contudo, sublinhou, “um novo comércio de escravos tinha sido desenvolvido por comerciantes árabes e suaíli da África oriental, que entregavam trabalhadores africanos escravizados a plantações de cravo em Zanzibar, plantações de palmeiras no Golfo Pérsico, e outros destinos no Oceano Índico”.

“Na África equatorial, o maior proprietário e comerciante de escravos foi Tippu Tip, um escravo afro-árabe e comerciante de marfim que criou um império comercial ao longo do rio Lualaba (alto Congo)”.

Tippu Tip “utilizou trabalhadores escravizados como produtores de alimentos, carregadores e soldados, e enviou os excedentes cativos para serem vendidos em Zanzibar. Na Bélgica, o Rei Leopoldo II usou a sua oposição a este comércio de escravos para obter apoio para os seus esquemas imperialistas, apoiando a Sociedade Anti-Escravidão belga e organizando a Conferência de Comércio de Escravos de Bruxelas em 1889″.

É irónico que Leopold, que afirmou ser um opositor do comércio de escravos, tenha nomeado Tippu Tip para ser o governador do distrito de Stanley Falls“, referiu.

Sobre a herança do colonialismo em África, o investigador não tem dúvidas de que “os africanos ficaram com territórios despojados de muitos recursos valiosos e uma cultura política em que elementos europeus e africanos coexistiam numa tensão destrutiva, criando assim uma situação instável que perdura até aos dias de hoje”.