Um dos temas discutidos na cimeira europeia será a primazia do direito polaco face às leis comunitárias, algo que tem aumentado a tensão entre Bruxelas e Varsóvia. O primeiro-ministro da Polónia, disse esta quinta-feira estar “pronto para dialogar”, mas rejeitou a “pressão da chantagem”, enquanto o homólogo holandês quer que a União Europeia (UE) seja “dura” com a Polónia.

“Não iremos agir sob a pressão da chantagem, [mas] estamos prontos para o diálogo”, declarou Mateusz Morawiecki, falando à chegada à cimeira europeia, que se realiza esta quinta-feira e sexta-feira na capital belga.

Na ocasião, “iremos, naturalmente, discutir como resolver as atuais divergências”, acrescentou o chefe de Governo polaco, em declarações aos jornalistas após uma reunião bilateral com o Presidente francês, Emmanuel Macron, e antes de um encontro previsto com a chanceler alemã, Angela Merkel.

Nestas declarações à imprensa, Mateusz Morawiecki assinalou que a Polónia já anunciou que iria retroceder nalgumas reformas que “podem resolver algumas dúvidas levantadas pelo Tribunal Europeu de Justiça”, numa alusão à sua promessa de desmantelar um mecanismo disciplinar controverso para os juízes.

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E garantiu não existir desrespeito do Estado de direito no país: “Do ponto de vista das regras, a Polónia não tem quaisquer problemas e não vê quaisquer diferenças entre nós e outros países da UE. Somos tão fiéis ao princípio do Estado de direito como os outros e como as instituições da União”.

Mark Rutte quer dureza por parte de Bruxelas

Por seu turno, o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, defendeu que os líderes da UE devem ser “duros” relativamente à Polónia, sublinhando que “não são negociáveis” passos para repor a independência do poder judicial.

“Penso que temos de ser duros, mas a questão é como se chega lá. E o meu argumento será que a independência do poder judicial é a questão-chave que temos de discutir, que temos de resolver e relativamente à qual a Polónia tem de tomar as medidas necessárias, que não são negociáveis”, declarou Mark Rutte.

Falando à chegada à cimeira europeia, que se realiza hoje e sexta-feira em Bruxelas e marcada pelas tensões com Varsóvia, o chefe de Governo holandês notou estarem em causa “os alicerces das democracias nesta parte do mundo [Europa]”.

“E, portanto, aqui não podemos negociar”, frisou Mark Rutte.

Já questionado sobre uma eventual ativação do mecanismo de condicionalidade, que prevê o corte no acesso a fundos europeus (como a bazuca da recuperação) aos países que não respeitam o Estado de direito, o responsável disse ser “muito difícil ver como é que um grande e novo fundo de dinheiro […] poderia ser disponibilizado à Polónia quando isto não está resolvido”.

“E ao mesmo tempo, penso que nós, Conselho Europeu também temos um papel a desempenhar, pelo que não se trata apenas da Comissão. Podemos continuar a trabalhar no âmbito do Artigo 7.º [do tratado da UE], que é, evidentemente, a nossa forma de lidar com esta questão e, portanto, há trabalho para nós nas próximas semanas e meses”, indicou.

Ainda assim, Mark Rutte admitiu ter “esperança de que, entretanto, a Polónia tome as medidas necessárias para salvaguardar a independência do poder judicial polaco”.

Depois de o Conselho Europeu de junho passado também já ter sido ensombrado por um tema estranho à agenda – a lei húngara aprovada na altura a proibir direitos das pessoas LGBTQI -, que levou a um aceso e longo debate entre os chefes de Estado e de Governo da UE, desta vez é a situação do Estado de direito na Polónia a ameaçar perturbar uma cimeira que tem uma agenda oficial já muito carregada, consagrada à energia, covid-19, migrações, comércio e relações externas.

O Estado de Direito, à luz do recente acórdão do Tribunal Constitucional polaco que determina haver normas nacionais que se sobrepõem à legislação europeia, no que é entendido em Bruxelas como um desafio sem precedentes à primazia do Direito Comunitário, não faz assim parte da agenda oficial, mas será “abordado” informalmente (ou seja, sem conclusões formais) já hoje, na primeira sessão de trabalho, por insistência de “alguns Estados-membros”, segundo fontes do Conselho.

As mesmas fontes sublinharam que o lançamento de ações legais contra a Polónia – que é reclamado por muitos, com o Parlamento Europeu à cabeça, mas também alguns Estados-membros -, não é uma competência dos chefes de Estado e de Governo, mas sim da Comissão Europeia, que, de resto, está atualmente a estudar as diferentes possibilidades de ação.

Todavia, o tema revelou-se mesmo incontornável neste encontro de líderes, ainda que abordado de forma informal, e o primeiro-ministro Mateusz Morawiecki, que já se dirigiu na terça-feira ao Parlamento Europeu, em Estrasburgo, deverá ser o primeiro a tomar a palavra, numa discussão que promete ser acesa e que, segundo fontes diplomáticas, pode tornar esta reunião do Conselho Europeu “uma das mais difíceis” dos últimos tempos, também porque a questão energética não é pacífica.