À semelhança do que aconteceu na audição para a defesa do Orçamento para 2021, João Leão e a sua equipa estiveram cerca de quatro horas a responder aos deputados. Mas houve, este ano, uma diferença relevante. Há um ano, o PCP anunciara, antes da audição, que iria abster-se na votação na generalidade. Um ano depois, todos os partidos mantêm uma pública oposição à proposta de Orçamento para 2022, incluindo o PCP.

Com o eventual chumbo da proposta de Orçamento do Estado na generalidade — no próximo dia 27 de outubro, quarta-feira —, João Leão optou por usar diferentes tons nas respostas consoante a bancada para a qual se virava. Mas do lado dos deputados só recebeu críticas — com a exceção óbvia do PS.

João Leão: “Estamos a avançar com coisas que os orçamentos que o Bloco aprovou não tinham”

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Já não falando das “contas certas”, o ministro das Finanças iniciou as hostilidades: “precisamos de um orçamento responsável”, e defendeu as medidas que apresentou em sede da proposta orçamental para dizer que é um orçamento que “garante o futuro”. “Uns dizem que orçamento dá pouco, outros dirão que dá tudo a todos. É um Orçamento que o país precisa e em que os portugueses se podem rever”. Mas desde início deixou abertura para “encontrar soluções e encontrar compromissos”. Com uma ressalva: “que não coloquem em causa o traço de equilíbrio de responsabilidade e rigor dos recursos financeiros disponíveis”.

Ao longo das quatro horas realçou várias das medidas contidas no documento que acreditava ir ao encontro das pretensões dos que até agora tinham sido os auxiliares na aprovação do orçamento — PCP e Bloco. Revisão dos escalões de IRS, atualização dos salários da função pública, aumento das pensões, reforço do investimento na saúde e na educação e o englobamento dos rendimentos financeiros para o escalão mais alto foram os acenos de Leão à esquerda. Mas em todas recebeu a mesma resposta. As medidas são insuficientes. O Bloco disse mesmo que o englobamento era um enfeite, além de acusar o Governo de apresentar um Orçamento que não vai ao encontro das pretensões e de acusar o Executivo de não executar o prometido nos anteriores.

João Leão, na resposta ao Bloco, acabaria por usar um tom mais ao ataque do que aquele que usaria com o PCP, a quem admitiu ir mais além no aumento das pensões. Ao Bloco não fez promessas, dizendo, no entanto, que este partido “já aprovou orçamentos que não tinham estes avanços. Estamos a avançar com coisas que os orçamentos que o Bloco aprovou não tinham”.

Ainda que tenha dito estar convencido que o Orçamento pode passar na generalidade, acenou à esquerda – e ao país — com o que considera uma ameaça: a alternativa a este orçamento pode ser um outro do PSD, que no entender de João Leão será de cortes. “Estamos convictos que ainda conseguimos viabilizar o Orçamento. A alternativa é um Orçamento apresentado pelo PSD, de cortes. Os partidos que não se reveem na visão da direita devem procurar entendimentos, soluções e alternativas e fazer um esforço de convergência e é nesse sentido que estamos a trabalhar”.

Disse que se se concretizar a ameaça não aprovação, a alternativa será um Orçamento do PSD com cortes e repetiu-o. Nomeadamente em resposta a Cecília Meireles, deputada do CDS, que confrontou Leão com os anúncios “em catadupa” à margem da proposta — minutos antes de iniciar a audição parlamentar o ministro das Finanças tinha anunciado medidas para apoiar famílias e empresas face ao aumento dos combustíveis.

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“O Governo apresenta-se com um orçamento cuja aprovação não está garantida e fica sem perceber-se se a ideia é garantir a aprovação ou se a ideia é passar culpas do chumbo para alguém. É o sétimo orçamento que negoceia com PCP e Bloco com quem estão em negociações desde maio, ouvindo as perguntas [destes partidos] não percebo que mais é preciso. Ou se entendem ou não”, já que, concluiu a deputada centrista “o país não merece este drama”.

Para responder ao confronto, João Leão usou novo tom. “Vejo que está interessada nas negociações do orçamento que é muito diferente  do que seria apresentado pelo CDS e muito diferente dos que apresentaram entre 2011 e 2015 [em coligação com o PSD]. É normal que não entenda as negociações. Torna-se um pouco difícil entender as nuances das negociações para quem tem uma visão radicalmente diferente”. De cortes, reforçou.

Uma campanha contra a direita com mensagens à esquerda. Foi isso mesmo que João Nuno Mendes, secretário de Estado das Finanças, fez quando acenou com o impacto da não aprovação na aplicação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), numa resposta do PCP. “Precisamos do Orçamento para executar o plano de recuperação”. Face aos compromissos assumidos com Bruxelas, “se não formos capazes de cumprir com esta velocidade o plano vamos perder muitos fundos”. E acrescentou que “para Portugal receber dinheiro vai ter de cumprir por trimestre medidas e objetivos, que vão ter de ser aprovados pela Comissão Europeia”, uma “pirâmide” de aprovações até ao Ecofin que sem orçamento “não vai acontecer”.

O que pode acontecer, admitiu a equipa do Ministério das Finanças, são riscos. Riscos que João Nuno Mendes concretizou: subida de taxas de juro, surto dos preços da energia, o bloqueio nas cadeias de abastecimento que, sublinhou, há já quem atire para o quarto trimestre de 2022 a resolução. “Temos de ter margem para lidar com incertezas e riscos que hoje não estamos à espera”. Um dos riscos podem ser novos focos pandémicos, ainda que Leão acredite que o elevado nível de vacinação em Portugal possa ser um atenuante.

Sem resposta ficaram os confrontos do Chega e CDS sobre o que tinha acontecido lá fora enquanto decorria lá dentro a audição. Os parceiros sociais – Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), a  Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) e Confederação do Turismo de Portugal (CTP) — suspenderam com efeitos “imediatos” a sua participação na concertação social. Com negociações difíceis no Parlamento, o Governo tem agora de resolver a tensão com os patrões.