O maestro holandês Bernard Haitink morreu na noite de quinta-feira, na sua casa, em Londres, aos 92 anos, anunciaram esta sexta-feira os seus agentes.

Com uma carreira de maestro que ultrapassou os 65 anos, Haitink distinguiu-se como um dos principais intérpretes das obras orquestrais de Gustav Mahler e Anton Bruckner, e em particular como titular da Real Orquestra do Concertgebouw, de Amesterdão, que dirigiu durante 27 anos, colocando-a entre as principais orquestras mundiais.

O percurso de Haitink atesta a existência de mais de 450 edições discográficas, muitas delas premiadas por publicações especializadas como as revistas Gramophone, Diapason, Clássica e as antigas Repertoire e Le Monde de La Musique, quase todas referenciadas nos guias de audição Penguin e Gramophone, muitas nomeadas para os prémios Grammy e várias delas distinguidas, como as suas gravações de Janacek (“Jenufa”) e Shostakovich (Sinfonia n.º 4), compositor de quem era também privilegiado intérprete.

Nascido em Amesterdão, a 4 de março de 1929, Haitink dirigiu as mais importantes orquestras mundiais, da Sinfónica de Londres e da Filarmónica de Nova Iorque à Staatskapelle Dresden e à Sinfónica de Chicago. Dirigiu o festival de Glyndebourne, a Royal Opera do Covent Garden, e foi o maestro principal da Filarmónica de Londres, com a qual conseguiu interpretações descritas pela crítica britânica como “arrebatadoras”, até à sua derradeira temporada, terminada em 2019.

Bernard Haitink, que viveu a infância e a adolescência durante a ocupação nazi dos Países Baixos, iniciou a sua carreira como violinista, no final dos anos 1940.

Estreou-se como regente em 1954, com a Filarmónica da Rádio Holandesa, com quem trabalhou durante seis anos. Seguir-se-ia a Real Orquestra do Concertgebouw, onde se manteve como maestro titular durante 27 anos, até meados da década de 1980.

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O primeiro contacto com a Real Orquestra do Concertgebouw aconteceu porém em 1956, quando lhe foi pedido que substituísse, à última hora, o destacado maestro Carlo Maria Giulini, na direção do Requiem de Cherubini — oportunidade que inicialmente recusou, por não se achar à altura. O concerto, porém, foi um sucesso. De imediato passou a maestro convidado da orquestra e, em 1961, a maestro assistente.

Durante o período em que se manteve ligado à Real Concertgebouw, a “sua” orquestra ascendeu à primeira linha das principais orquestras mundiais, em particular com a concretização de ciclos dedicados às obras orquestrais e sinfónicas de compositores como Gustav Mahler, Anton Bruckner, Dmitri Shostakovich, conquistando lugar de destaque nas principais salas de concerto e no catálogo das maiores editoras de música erudita.

A BBC recorda esta sexta-feira a sua estreia nos concertos Promenade, no Royal Albert Hall, em Londres, em 1966, com a 7.ª Sinfonia de Bruckner, com a duração de mais de uma hora, que manteve atenta toda a audiência, num programa então inédito para o festival, programa que o maestro repetiria 53 anos depois, no verão de 2019, no mesmo local, num dos seus últimos concertos.

Haitink não era “um maestro ‘glamouroso'”, como escreveu, em 1975, o crítico principal do The New York Times, Harold C. Schonberg, depois da estreia do regente com a Filarmónica de Nova Iorque, exatamente na Sinfonia n.º 7 de Bruckner, recorda hoje o jornal norte-americano. “Haitink não dança, não usa [o fraque do] melhor alfaiate”, mas faz “o que deve ser feito, obtendo precisamente o que quer dos seus músicos”.

A BBC recorda igualmente a sua estreia em Glyndebourne em 1972, com “O Rapto do Serralho”, ópera de Mozart, que coloca entre as melhores produções na história do festival.

Haitink, que dirigiu Glyndebourne de 1977 a 1988 e a Royal Opera House, de 1987 a 2002, viu sempre os seus pares a destacaram a sua integridade e entrega à música.

Quando lhe foi atribuído o Prémio Gramophone de Carreira, em 2015, o pianista Murray Perahia, que gravou com Haitink e a Concertgebouw, a integral dos concertos para piano e orquestra de Beethoven, recordou o que considerou “uma verdadeira colaboração: um dar e receber natural”.

Em entrevistas, Haitink referia-se à música como um espaço dentro do qual se movia. “Viver dentro da música”.

Nas suas gravações destacam-se os ciclos completos das sinfonias de Bruckner, Mahler, Beethoven, Brahms, Tchaikovsky, Mendelssohn, Schumann e Shostakovich, assim como de Elgar e Vaughan Williams; as obras orquestrais de Debussy, Beethoven e Brahms, e os ciclos sinfónicos que cumpriu com a Sinfónica de Londres, nos últimos 15 anos, para a editora própria da orquestra, LSO Live.

“O que faz um bom maestro?”, interrogava-se Haitink, numa entrevista ao jornal The Guardian, em 2011. “Ainda me pergunto, depois de todos estes anos”.

Haitink apresentou-se por diversas vezes em Portugal, nomeadamente nas temporadas de música da Fundação Calouste Gulbenkian e nos seus Ciclos das Grandes Orquestras Mundiais, e também na Casa da Música onde, logo em 2005, dirigiu a Orquestra de Jovens da União Europeia — uma orquestra composta por músicos de mais de duas dezenas de países europeus, facto que sublinhou e considerou, na altura, uma experiência única.