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Joana Gama quer mostrar-nos o mundo "gigante" e a música "encantatória" de Hans Otte

Este artigo tem mais de 2 anos

Depois de um concerto em 2020 na Culturgest, a pianista regressa à partilha de uma obra "inspiradora" com o Festival Hans Otte: The Sound of Sounds, que tem lugar em Lisboa, Évora, Guimarães e Viseu.

Hans Otte nasceu a 3 de dezembro de 1926, em Plauen, na Alemanha. Morreu em Bremen, no dia de Natal de 2007
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Hans Otte nasceu a 3 de dezembro de 1926, em Plauen, na Alemanha. Morreu em Bremen, no dia de Natal de 2007

Hans Otte nasceu a 3 de dezembro de 1926, em Plauen, na Alemanha. Morreu em Bremen, no dia de Natal de 2007

Tudo começou em maio de 2010. Um amigo de Joana Gama enviou-lhe um email com um anexo. Nele estava um andamento de “The Book Of Sounds” de Hans Otte, peça que o compositor alemão escreveu entre 1979 e 1982. Conhecer a música de Hans Otte abriu um novo capítulo na carreira da pianista. Começou a seguir o rasto do compositor (que morreu em 2007) e daí conheceu e criou uma amizade com Ingo Ahmels, que fora assistente de Otte e que ficou a tomar conta do seu legado.

Dez anos depois, Joana Gama interpretou pela primeira vez “The Book Of Sounds” ao vivo, num concerto na Culturgest em outubro do ano passado. Em 2021 concretiza outro sonho antigo, o Festival Hans Otte: The Sound Of Sounds, um evento à volta das diversas facetas do compositor e que serve, primeiramente, para tornar mais conhecido o trabalho de Hans Otte, pouco conhecido, mas cujo trabalho, nas palavras de Joana Gama, é “encantatório”.

Joana Gama pensou no festival para 2012, em Guimarães, durante a Capital Europeia da Cultura, mas não aconteceu. Voltou a planear para 2020, mas a pandemia atrasou os planos. Em 2021 vai finalmente acontecer, numa versão muito maior do que inicialmente planeado. O Festival acontece entre Outubro e Abril de 2022 por quatro cidades, Lisboa, Évora, Guimarães e Viseu. O arranque aconteceu este fim de semana, na Brotéria, em Lisboa. Dia 4 de novembro, o Goethe-Institut acolhe a conferência John Cage & Hans Otte e dois dias depois, Joana Gama e Margaret Leng Tan dão um concerto na Culturgest, “Oriente:Ocidente – Cage:Otte”.

O programa repete-se em dezembro na cidade de Évora (em vários locais), em janeiro em Guimarães (no CAAA Centro para os Assuntos da Arte e Arquitetura) e durante março e abril em Viseu (no Teatro Viriato). Nessa mesma cidade, no dia 8 de abril 2022, dá-se a estreia da peça de teatro musical J-Choes – J’ai faim e, três dias depois, a peça viaja para a sua estreia em Lisboa, no Goethe-Institut, assinalando assim o final do Festival Hans Otte: The Sound Of Sounds. Estivemos à conversa com a pianista Joana Gama, sobre como a música de Otte levou-a, mais uma vez, a sair do piano e a atirar-se a algo completamente novo.

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"Não houve muito empenho em divulgar a sua própria obra. Se as pessoas não se fomentam, as coisas acabam por cair num certo esquecimento", diz-nos Joana Gama sobre Otte

Vera Marmelo

Hans Otte é o seu novo Satie?
Acho que se pode dizer que sim. Este festival já está pensado desde 2012. Em 2010 conheci a música do Hans Otte, em 2012 comecei a pensar em organizar um festival à volta deste compositor para acontecer em 2013. Na altura, já tinha o apoio do Goethe-Institut, mas não aconteceu em 2013 por uma questão de timings, entre mim e o Ingo Ahmels [que foi assistente de Hans Otte]. Se calhar ainda bem, estava tudo mais na imberbe nessa altura. Estava tudo preparado para acontecer no ano passado, mas com a pandemia teve de ser adiado. Só se salvou o meu concerto na Culturgest, que foi o início.

Esse primeiro momento, o concerto na Culturgest, ajudou a libertar sensações, o pensamento, sobre como fazer este festival em 2021?
O concerto na Culturgest foi mais uma concretização pessoal de conseguir finalmente tocar em público esta peça. O que vai acontecer em 2021/2022 tem por base o festival organizado no ano passado, só que cresceu bastante. Inicialmente era só para acontecer em Lisboa, Évora e Guimarães, agora juntou-se Viseu, por entusiasmo da Patrícia Portela, que há um ano me ouviu a tocar a música do Hans Otte no Teatro Viriato, enquanto ensaiava para o meu concerto na Culturgest. A Patrícia ouviu e quis saber mais e quis associar-se, de alguma forma. Além disso, houve a ideia de criar uma peça de teatro musical, as personagens são Hans Otte, John Cage e Erik Satie, que estreará em Abril do próximo ano e será o fecho desse festival.

Quem são os intérpretes?
Eu, o Ingo Ahmels e a Margaret Leng Tan.

Ficou com qual personagem?
O Hans Otte. Mas tem pouco texto, não haverá problema com a língua. A forma como o Ingo Ahmels e a Lou Simard [os diretores artísticos] estão a pensar a peça faz com que seja possível eu interpretar o Hans Otte mesmo sem ser parecida com ele.

Satie, Cage e Hans Otte é conveniente para si.
Completamente, mas não é por acaso, há todas estas afinidades em cadeia. A própria Margaret Leng Tan que conheci em 2012, na Capital Europeia da Cultura [em Guimarães], quando veio a Portugal fazer um concerto, no âmbito de uma exposição no CAAA [Centro para os Assuntos da Arte e Arquitetura], do qual sou uma das fundadoras, chamada “Cage… Conceptualizing Cage Now”. Ajudei a produzir o concerto da Margaret, ficámos em contacto desde aí. Ela é uma especialista em John Cage, conheceu e conviveu muitos anos com ele. Mas também toca Satie e também tocou Hans Otte. Aliás, tem um depoimento muito bonito, num livro sobre o Hans Otte, que o Ingo Ahmels publicou e foi a base do meu estudo sobre o Hans Otte.

O livro é o Book Of Sounds?
Sim, e é bilingue, em alemão e inglês. O Ingo Ahmels também gosta de Satie, por isso esta tríade de compositores é conveniente para mim e encantador. A ideia da peça de teatro musical é que é um repasto culinário-musical, entre o Hans Otte e o John Cage, no loft do Cage em Nova Iorque. Estão a cozinhar cogumelos, porque o John Cage gostava muito de cogumelos, e aparece o Erik Satie a dizer que tem fome.

Porque é que só agora o Hans Otte se está a tornar conhecido?
Era uma pessoa muito discreta. Além de músico e compositor, foi durante muitos anos foi diretor da Radio Bremen, e foi programador, o Pro Musica Antiqua, de música antiga, e o Pro Musica Nova, de música contemporânea, e foi aí que trouxe o John Cage à Europa, o La Monte Young. Passou muito tempo da sua vida a divulgar a obra de outras pessoas. Só quando adoeceu, quando lhe foi diagnosticado um cancro, é que se dedicou mais à sua música e até fez muitos concertos com o seu O Livro dos Sons. Não houve muito empenho em divulgar a sua própria obra. Se as pessoas não se fomentam, as coisas acabam por cair num certo esquecimento. A música é conhecida, mas é muito um compositor de culto: quem gosta, gosta mesmo. Se não há uma fundação, algo a divulgar, a coisa acaba por se esmorecer. Felizmente o Ingo Ahmels tem material que o Hans Otte lhe deu e criou uma lista de obras do compositor que é possível consultar, mas não há propriamente ninguém a consultar a sua obra.

“É uma música encantatória, discretamente encantatória. Aparentemente simples, mas tem um mundo gigante lá dentro”

Depois de ouvir a música de Hans Otte, parece fácil angariar cúmplices. Como foi essa experiência para si, quando o ouviu pela primeira vez?
É uma música encantatória, discretamente encantatória. Aparentemente simples, mas tem um mundo gigante lá dentro. A experiência de tocar a primeira vez a obra no ano passado, na Culturgest, foi muito importante. Eu estava muito calma. Apesar de toda a adrenalina do concerto, é uma música que inspira uma extrema calma e é preciso estar calma para a conseguir partilhar. Tens andamentos muito rápidos, mas nesses momentos é que tens de respirar a fundo mais lentamente e sentir esse enraizamento. Quanto mais toco a peça, mais gosto de a tocar, também pela possibilidade da peça ser sempre diferente.

Como assim?
Há umas semanas fiz uma gravação em que me disseram que convinha que não durasse mais do que uma hora, tinha a ver com o limite desse concerto. E como esta peça é aberta, e há secções que é possível repetir mais ou menos, e sei que o Hans Otte fazia isso, resolvi, ao invés de tirar andamentos, tocar o ciclo completo mas mais curto. Também para ter essa experiência, de como a peça funciona. E gosto também dessas versões mais curtas, apesar de gostar muito da sensação sem saber quanto tempo é que o concerto vai durar e quanto tempo é que é preciso repetir cada secção. Fiz um concerto que me vai ficar marcado na memória, há duas semanas, na Ilha Terceira, ao ar livre, no Monte Brasil, estava a tocar, a ouvir os pássaros, depois apareceu um veado no concerto… foi um momento de harmonia intensa. Este tipo de música, que tem alguma dificuldade técnica de repetição, mas não é uma peça em que eu não consigo olhar para mais nada, é uma peça que convida muito à fruição do lugar.

Quer que a música do Hans Otte chegue a todas as pessoas?
Sim, daí a ideia deste festival. Há os concertos, as exposições, porque há instalações sonoras e há um trabalho para além da música. Há também conferências, porque quero levar ao meio académico coisas fora do meio académico. Esta possibilidade de mostrar a sua obra em contextos diferentes, para públicos diferentes, é algo extremamente atrativa.

Além de pianista, dedica-se também a esta organização, a este tipo de eventos. Porque é que o faz?
Acho que me vou debater com este assunto a minha vida toda. Há um lado meu que queria ser só pianista, ficar em casa, estudar o dia todo, como houve alturas em que fazia. Mas a vida apodera-se de nós, os acontecimentos apoderam-se de nós, e há coisas que vão acontecendo e que não podes dizer que não porque também fazem parte de ti. Há um livro muito bonito sobre o John Cage, Where The Heart Beats, uma biografia que vai sendo entrecortada com excertos de textos dele e excertos de textos mais ao nível espiritual que ele foi lendo ao longo da vida. É um livro lindíssimo, ao qual volto regularmente, e lá ele conta que recebia muito correio, e era um problema, e ocupava-lhe muito tempo responder às cartas. Ele perguntou a um assistente o que ele achava que devia fazer. O assistente disse que ele tinha de decidir… e o Cage concluiu que uma atitude budista é dar importância a tudo o que acontece, tinha de responder às cartas. Mas ocupava-lhe muito tempo e espaço. E, por isso, Cage aprendeu a escrever música muito rápido. Eu debato-me com isso, quero escrever um festival, tenho esta ideia idílica de fazer um festival, de fazer as coisas acontecer, mas causa-me muito angústia, aquela parte de responder a 30 e-mails, contactar as instituições, saber se estão disponíveis ou não… isso causa-me muita angústia e chatice. Mas tem de ser. E por mais que tente simplificar a minha vida, se calhar a minha essência é mesmo essa, estar dividida por vários projetos.

O que a fez sair do regime clássico de pianista?
Foi acontecendo. Fiz uma primeira peça com um amigo chamada “Benny Hall”, que era a mistura do “Benny Hill” com “Annie Hall”, que me deu alguma liberdade em estar em palco. Fiz uma peça com a Tânia Carvalho, a partir daí foram surgindo convites. Sem eu me aperceber, o trabalho além do piano foi tomando conta da minha vida e tornando-se maior. Quando fiz o “Satie 150” e depois quando lancei o disco, comecei a fazer um concerto comentado para crianças, fui eu que fiz o texto, a encenação, sem pensar que era eu que estava a fazer o texto de uma peça. Isso motivou esta peça que estou a fazer agora, “As Árvores Não Têm Pernas Para Andar”, que é um espectáculo muito mais complicado do que o “Eu Gosto Muito do Senhor Satie”. Sem pensar muito, as coisas vão acontecendo. Gosto da sensação de pensar nas coisas como um todo.

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