Empresários reunidos esta segunda-feira num debate sobre “a importância da cultura para a economia” alertaram para a necessidade de o setor cultural depender menos do Estado e ter mais investimento privado, uma solução que enriqueceria a cultura e as empresas.

O encontro, promovido pela State of the Art (SOTA) e a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), decorreu no Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC), em Lisboa, e teve como objetivo principal discutir a importância de atrair investimento de empresas privadas e de mecenas, com a particularidade de terem sido os próprios empresários a falar sobre o tema e sobre a sua perspetiva quanto ao tema.

“Cada vez mais, as empresas percebem que o investimento na culturade tem retorno imediato, e as empresas portuguesas, bem como alguns particulares, estão cada vez mais alerta” para isto, afirmou o presidente do Conselho de Administração da Fundação Millennium bcp, António Monteiro, no primeiro painel da mesa-redonda, subordinado ao tema “Parcerias e inovação”.

Na opinião de António Monteiro, o investimento em cultura tem reflexos imediatos em duas áreas: exportações e turismo, este último, “fundamental” para a economia.

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Turismo não é só praia, temos de ter oferta qualificada e competitiva com países que têm a mesma oferta que nós, nomeadamente do sul da Europa”, acrescentou.

Pegando nesta mesma ideia, o presidente coordenador da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES), Álvaro Beleza, questionou quem é que vai a Madrid e não vai ao Museu do Prado, ou vai a Paris e não vai ao Louvre, para a seguir responder que “só um ignorante”.

Esta provocação foi usada por Álvaro Beleza para argumentar que “um país que não cuida da sua cultura não tem capacidade atrativa para ter um turismo sustentável”.

“Lisboa tem uns museus interessantes, mas ainda estamos longe de competir com Madrid, Paris e Londres”, afirmou, destacando que a “cultura sempre andou muito à volta do mecenato do Estado”.

Para o responsável da SEDES, “Portugal precisa de mudar a mentalidade, sobretudo no setor empresarial, e fazer o que faz o BCP e a CGD, mas também outras empresas”.

Alguns dos principais problemas, na sua opinião, são uma carga fiscal sufocante e a inexistência de uma cultura de risco.

O cofundador da consultora fiscal ILYA, Luís León, defendeu que a economia precisa de “empresários virados para fora e não para dentro”, portanto, para as exportações, e reconheceu que a grande dificuldade é o financiamento da cultura.

Com o dinheiro dos contribuintes é difícil. A dívida este ano está acima de 135% do PIBal, está pior do que o pior indicador do tempo da troika”, afirmou.

Na sequência destas declarações, Álvaro Beleza considerou que é necessário fazer o que já fizeram outros com a dimensão de Portugal, como é o caso da Irlanda, da Lituânia, da República Checa ou de Israel, “pequenos países que tiveram políticas que geraram crescimento económico robusto.

Na opinião deste responsável, importa aproveitar o momento atual, em que “o mundo está a descobrir Portugal”, para “captar investimento estrangeiro”.

Uma economista do Ministério da Cultura que estava entre o público alertou para a existência de um regime excecional que aumenta os benefícios fiscais para os mecenas, se investirem na cultura.

Contudo, Luís León rebateu afirmando que ou há de facto interesse das empresas em investir na cultura, ou não há benefício fiscal capaz de fazer alguma coisa, porque “o retorno não é suficientemente atrativo”, já que esse apoio fiscal só se aplica às grande empresas, e que representam uma minoria em Portugal.

O diretor do Canal Cultura, Paulo Lavadinho, interveio para lamentar que o mecenato em Portugal seja “praticamente inexistente”, acusando o Estado de, não só não facilitar, mas de criar obstáculos.

“Simplifiquemos a questão do mecenato e vão ver que é muito mais fácil”, desafiou, acrescentando: “O Estado diz que não temos mais dinheiro para a cultura, esquece-se que a cultura e a educação são os pilares essenciais de qualquer sociedade”.

Como exemplo da falta de investimento básico usou o caso do próprio MNAC, que não tem sequer Internet: “Não acho normal que o MNAC não tenha wi-fi. Não queria acreditar quando me disseram”.

No segundo painel de debate, subordinado ao tema “A cultura dos negócios”, Sofia Tenreiro, fundadora do SBC Venture Capital, defendeu que a economia tem de pensar a arte de forma diferente e vice-versa, e salientou que o mundo digital está todo ele cada vez mais virado para a cultura e arte, desde a contratação de artistas para trabalhar na área da cibersegurança, até ao crescimento do mercado de NFT (registo de propriedade de uma obra digital).

“A tecnologia é fundamental e temos de olhar para isto não como um desafio mas como uma oportunidade”, defendeu.

O copresidente da Fundação Gaudium Magnum, João Cortez de Lobão, confessou ter “grande admiração pelos museus portugueses, que fazem omeletes sem ter ovos”.

“Lá fora, a quantidade de museus que têm mecenas, que têm uma autonomia brutal e que não precisam de autorização para ter wi-fi, é uma dimensão, que deveria ser assim em todo o mundo”.

Usando um caso pessoal como exemplo, João Cortez de Lobão contou que quando viveu e trabalhou nos Estados Unidos foi incentivado, na sua empresa, a declarar as atividades culturais. Chegado a Portugal foi replicar o mesmo modelo, para logo ser alertado pelo contabilista de que era melhor não referir a cultura, porque senão teria auditorias e uma carga de trabalhos.

Na opinião deste responsável, existe em Portugal uma “estrutura de Governo que não é facilitadora e que cria entraves a que as coisas fluam naturalmente”.

“É preciso dar mais autonomia e independência aos agentes culturais, nomeadamente museus”, sustentou.

Para o diretor executivo da Ageas Europa Continental, Steven Braekeveldt, a comunicação é uma chave fundamental para os agentes culturais captarem o interesse das empresas.

Este responsável considera determinante envolver as pessoas em experiências de arte e cultura, envolver as pessoas com os artistas, e levar a cultura ao interior, como faz o projeto Rede Eunice, do Teatro Nacional D. Maria II.

Sofia Tenreiro acrescentou à comunicação a colaboração e a inovação, como aspetos a serem desenvolvidos pelos agentes culturais para se tornarem mais atrativos.

João Cortez de Lobão destacou a criatividade, porque “as solicitações são enormes para atrair novas gerações”, assinalando que “já faz parte das grandes empresas terem um departamento de cultura”.