Simão Morgado é o único nadador português a ter estado em quatro edições dos Jogos Olímpicos. De Sydney a Londres, de 2000 a 2012, o atleta natural de São Domingos de Benfica estabeleceu como meta pessoal esse mesmo recorde, esse mesmo registo, esse mesmo feito. Ou seja, durante muitos anos, Simão Morgado sabia perfeitamente o dia, a hora e o ano em que iria terminar a carreira de nadador profissional. E esse timing ajudou-o a preparar o que vinha a seguir.

“Eu sabia quando é que ia abandonar a competição. Estava a estudar Engenharia Civil e tive de perceber que, naquela altura, a conjuntura não era a melhor a não ser que saísse do país, porque não havia oferta de trabalho na minha área. Mas eu não queria emigrar. Foi um sentido de oportunidade e foi um desafio para mim próprio”, começa por explicar o ex-atleta ao Observador.

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Encontramos Simão Morgado, esta terça-feira, à margem da assinatura de um protocolo entre a Associação dos Atletas Olímpicos de Portugal (AAOP) e o ISEG que pretende reforçar a cooperação entre as instituições e ajudar a dotar os antigos atletas de ferramentas para melhor enfrentarem o pós-carreira desportiva através do mercado executivo, da formação e da educação. O nadador, agora com 42 anos, distingue-se pelo facto de ter preparado a segunda metade da vida de forma prévia, percebendo que a licenciatura em Engenharia Civil não seria o caminho e que era necessário encontrar um novo investimento.

Aconselhou-se com um amigo que é designer de moda, percebeu que existia um nicho de mercado e ainda em 2009 juntou-se a outra designer que ainda estava a estudar para criar sociedade e fundar a “Scullings”, uma marca desportiva que começou por produzir apenas fatos de banho mas que agora está presente em produtos para várias modalidades. “Tive sorte porque aquilo em que investi em primeiro lugar acabou por vingar. Felizmente, foi esta empresa que me alavancou e que me deu a capacidade de seguir em frente”, explica Simão Morgado, que recorda os exemplos de Michael Phelps ou Ian Thorpe, antigos nadadores que tiveram dificuldade a realizar a transição do pós-carreira, como cenários que lhe deram força para não cair no mesmo erro.

Rosa Mota, que faz parte do Conselho Consultivo da Associação dos Atletas Olímpicos de Portugal, foi uma das ex-atletas a marcar presença na assinatura do protocolo

“Há muitos exemplos, mesmo cá em Portugal, de vários atletas que acabaram as carreiras e que passaram dificuldades. Mas os exemplos mais públicos até acabam por ser os internacionais, como o Phelps ou o Thorpe, que entraram em depressão. São pessoas que investiram a 100% nas suas carreiras e que depois acordam no dia seguinte e estão um bocado perdidos porque não sabem o que vão fazer. Não têm um foco, um objetivo, o desporto dava-lhes uma drive muito grande. Lutavam por um objetivo de uma forma tão cega, diariamente, que quando isso termina acabam por perder-se. E eu recordo-me de alguns atletas que eu conhecia e que passaram por algumas dificuldades, até financeiras. Felizmente, eu tive… Nem lhe chamo sorte”, acrescenta o nadador, que lembra novamente o exemplo dos Estados Unidos para recordar o facto de os atletas norte-americanos conseguirem treinar para serem desportistas de alta competição enquanto estudam nas universidades e aproveitam a vida académica.

No Auditório Caixa Geral de Depósitos, no ISEG, dezenas de atletas olímpicos juntaram-se para assistir à assinatura do protocolo entre a instituição de ensino e a AAOP, numa cerimónia que contou com a presença de João Paulo Rebelo, o secretário de Estado da Juventude e do Desporto. Nuno Delgado, Francisca Laia, Nuno Barreto, Francis Obikwelu e Rosa Mota, sendo que esta última faz parte do Conselho Consultivo da Associação, foram apenas alguns dos nomes que se juntaram a Simão Morgado no lote de convidados. Luís Alves Monteiro, o atual presidente da organização, não escondeu a emoção ao longo de toda a manhã e chegou a deixar fugir lágrimas enquanto se abraçava a Aurora Cunha, confessando depois que a assinatura da parceria é o início do cumprimento de várias “promessas”.

Michael Phelps: “Não queria viver mais”

“Nós temos um lema: pelos atletas, para os atletas e para a sociedade. Queremos passar a mensagem de que estamos a semear, a deixar uma semente para alguém colher. Este propósito está acima de qualquer uma das nossas circunstâncias e é tão importante que as pessoas entendam que há quem queira servir e ter essa perspetiva de servir para deixar uma obra feita para que os atletas aproveitem. Estamos a fazer um levantamento de toda a base de dados dos atletas olímpicos e há muitos atletas a passar dificuldades. A ideia da Associação é dignificar e dar rosto e estatuto aos atletas olímpicos, a estes indivíduos que deram uma vida inteira para representar o país”, atirou Luís Alves Monteiro, que já este ano sucedeu a António Gentil Martins na liderança da AAOP.

Através dos testemunhos de Nuno Delgado, que permanece ligado ao judo através de uma escola que ele próprio fundou, ou de Francisca Laia, que conseguiu terminar a licenciatura em Medicina enquanto se preparava para os Jogos Olímpicos, a assinatura do protocolo serviu essencialmente para demonstrar que existe um caminho para os atletas depois do final da carreira. “Queremos dar as competências e qualificações a quem precisa para que possam enfrentar com maior segurança a vida no pós-carreira”, acrescenta o presidente da AAOP, que também revelou que a parceria com o ISEG vai contar com cursos customizáveis e uma futura formação em Empreendedorismo.

[Ouça a entrevista de Luís Alves Monteiro, presidente da AAOP, à Rádio Observador no passado mês de março:]

“Todos os atletas olímpicos valem ouro”

O protocolo entre as duas instituições só foi assinado esta terça-feira mas há quem já esteja matriculado neste ano letivo: Simão Morgado, por exemplo, pediu para ser inscrito assim que soube dos planos e já está a ter aulas. Afinal, para além da “Scullings”, o antigo nadador acabou de abraçar um novo desafio — os maracujás. “Começou quase como uma brincadeira. Os meus pais reformaram-se, eu queria que eles continuassem ativos e estudámos uma série de possibilidades de investimento. Para quê ter o dinheiro guardado se o podíamos investir e arranjar algo com que eles se ocupassem? Comprámos quatro hectares, vamos ser o maior produtor de maracujás em Portugal. Começou como uma brincadeira mas já nem é bem uma brincadeira, porque são quatro hectares”, conta, entre sorrisos.