Esperou quatro anos por este dia, suportou escrutínio mediático ao ponto de desenvolver stress pós-traumático e renunciou ao tradicional apoio financeiro dado pelo Estado, às mulheres da Família Imperial Japonesa que casam e deixam a instituição, no valor de mais de 1 milhão de euros. Aos 30 anos, celebrados no sábado, Mako casou-se finalmente com o namorado de longa data, Kei Komuro, o mesmo que conheceu ainda na faculdade, na Universidade Cristã Internacional, no Japão, em 2012.
Embora a maioria dos casamentos reais sejam dotados de pompa e circunstância, a cerimónia desta terça-feira foi tão modesta como o previsto, seguida de uma conferência de imprensa após a qual Mako despediu-se da Família Imperial rumo aos Estados Unidos da América, um corte com a tradição imperial sem precedentes. Na conferência, na qual o casal recusou responder a perguntas dos jornalistas, Mako, com um vestido azul claro, descreveu o agora marido como alguém “insubstituível”, de acordo com o The Guardian.
Já Komuro mostrou pesar pelo facto dos problemas financeiros da mãe terem ensombrado as preparações do casamento — uma situação que ele fará “tudo quanto possível” para resolver —, dizendo ainda que espera “passar a vida com a pessoa que ama”. Referindo-se ainda à condição de Mako, Komuro acrescentou: “Informações incorretas foram tratadas como se fossem verdadeiras e estou muito triste que Mako-san tenha tido problemas de saúde física e mental como resultado de comentários difamatórios”. O casal não teve uma cerimónia de casamento formal, tampouco os ritos associados aos casamentos imperiais.
O homem que nasceu apenas três semanas após Mako, em outubro de 1991, está no centro de uma polémica que ensombra a relação praticamente desde o início do noivado. O escândalo financeiro protagonizado pela mãe viúva ajudou a moldar a atenção da imprensa e a perspetiva do povo japonês. Mako, que até então foi princesa, a neta mais velha do antigo imperador, deixa agora cair títulos rumo a uma vida mais comum.
30 mil euros a menos e um noivado de quatro anos
Quando o noivado foi anunciado em 2017, o público deliciou-se com o potencial de uma história de amor moderna. Ela uma princesa, ele um promissor estudante de Direito. Ela membro da Família Imperial Japonesa, a monarquia mais antiga do mundo, ele um plebeu, filho de uma viúva. Na conferência desse ano, quando a vontade de casar foi expressa à imprensa do país, Mako elogiou o sorriso do pretendente, “tão luminoso como o sol”, além de o descrever como sendo “sincero, obstinado, trabalhador e com um coração enorme”. Já Komuro disse vigiar a noiva tão silenciosamente quanto a lua. A união teve até a bênção do imperador Akihito, que viria a abdicar também nesse ano, e os media japoneses acabaram por apelidar o noivo de “Príncipe do Mar”, dada a personagem que interpretou numa praia a propósito de uma campanha de turismo para a cidade de Fujisawa, a sul de Tóquio.
A boa opinião pública em torno da união depressa azedou, assim que a imprensa japonesa descobriu aquele que seria o derradeiro escândalo a minar a esperança dos noivos em ter um casamento tranquilo, não tão próximo do escopo mediático ao ponto de causar perturbações mentais.
A mãe de Komuro, viúva, recebeu em tempos um empréstimo no valor de 30 mil euros de um ex-namorado sem nunca ter devolvido a quantia, a qual terá financiado os estudos do filho. Apesar da história não estar diretamente relacionada com o noivo da princesa, a tinta que fez correr foi o suficiente para, entre a população japonesa, nascerem dúvidas sobre uma relação até então aparentemente abençoada. Mesmo com a mãe de Komuro a alegar que o dinheiro tinha sido dado e não emprestado, seria o jovem digno o suficiente de uma princesa?
Oriundo de uma família modesta, Kei Komuro cresceu apenas sob a alçada da mãe, que o criou após as mortes prematuras do pai e dos avós. Depois de se formar na Universidade Cristã Internacional em 2014, onde conheceu a agora mulher, trabalhou num escritório de advocacia em Tóquio e posteriormente ganhou uma bolsa de estudos na Universidade de Fordham, em Nova Iorque. Drasticamente diferente são as origens de Mako, a primeira neta do anterior imperador que foi bem acolhida pelo público desde logo em criança, dada a maneira de estar “impecável” e o perfil que fazia dela o “membro da realeza perfeito”, tal como conta Mikiko Taga, um jornalista dedicado à Família Imperial Japonesa, à CNN.
A polémica em torno dos 30 mil euros inverteu a opinião do público sobre Komuro e, semanas mais tarde, era anunciado que a cerimónia formal que marcaria o noivado seria adiada, com o motivo pelo atraso a ser atribuído a Mako e à sua própria “imaturidade” — ainda que muitos apontassem o dedo ao escândalo que ainda agora paira como uma nuvem negra sobre a relação. O noivado foi comunicado em setembro de 2017 e o casamento estava marcado para novembro do ano seguinte — à data era notícia que o casal teria de esperar até 2020, ano marcado pela pandemia global e que deixou o casamento, uma vez mais, em suspenso. O noivado de Mako arrastou-se durante quatro anos.
Já em 2021, Komuro divulgou um comunicado de 28 páginas onde alega que a mãe acreditou que o dinheiro emprestado tinha sido, de facto, dado e que ele mesmo pagaria a quantia em falta de maneira a resolver a situação. Mas era tarde: já artigos tinham sido publicados que, de certa forma, associavam o amor deste pela princesa a uma vontade de fazer crescer a conta bancária. A situação familiar do noivo, explica Hitomi Tonomura, professora de estudos de género e femininos na Universidade de Michigan, é considerada “problemática” no Japão, tanto que Komuro passou de “um jovem bom, gentil e verdadeiro” para um “oportunista e calculista que estava atrás de prestígio e possivelmente de dinheiro”.
O rabo de cavalo da discórdia e a comparação com os Sussex
É também Hitomi Tonomura quem explica à CNN que ainda existe no Japão a perceção de que mães solteiras são incapazes de criar os filhos. A docente fala mesmo numa “misoginia intensa” que desvaloriza estas figuras do ponto de vista moral e económico. Vai daí que há quem diga que a desaprovação de Komuro tenha mais que ver com a desigualdade de género no país.
É ainda esperado que os japoneses reflitam o seu status e papel através de ações e palavras. Quando Kei Komuro surgiu em público no arranque do mês com um rabo de cavalo, tal foi visto como um sinal de inconformidade face às expectativas sociais. “Se ele fosse um cantor ou um artista, não haveria problema”, diz Tonomura. Em resposta, alguns tabloides publicaram fotografias que mostravam o rabo de cavalo — entretanto cortado a tempo do casamento desta terça-feira — nos mais diversos ângulos.
Kei Komuro's 2021: Graduate from Fordham Law School, take the N.Y, bar exam, law clerk at Lowenstein Sandler, and get engaged to the Emperor of Japan's niece. And the year's not over @Karen_Sloan1 https://t.co/xW72qSAV9y pic.twitter.com/TtFO4k7IsH
— Reuters Legal (@ReutersLegal) October 25, 2021
O cenário não é completamente estreante. Em 2019, o The New York Times dava destaque à fotografia publicada numa revista que mostrava Komuro fora do campus universitário desfraldado (a t-shirt precisaria, além de estar arrumada dentro das calças, de ser passada a ferro) e a calçar um par de Crocs. Mais uma vez o cabelo estava em destaque, não fosse o título do artigo “O pretendente com o cabelo desgrenhado”. E mais uma vez ecoava a pergunta: seria ele digno de Mako?
Dúvidas, escândalos e escrutínio mediático têm pesado para Mako. No início do outubro, o palácio revelou que a princesa — que celebrou 30 anos no sábado, o último aniversário enquanto membro integrante da Família Imperial Japonesa — sofre de um complexo transtorno de stress pós-traumático. Mako “sente-se pessimista e considera difícil sentir-se feliz devido ao medo persistente de que a sua vida seja destruída”, avançou o psiquiatra da princesa, Tsuyoshi Akiyama, diretor do hospital NTT Medical Center Tokyo.
First-year New York lawyer Kei Komuro on Tuesday is set to marry Japan’s Princess Mako, the niece of Emperor Naruhito and a member of the Imperial Family https://t.co/xW72qSjki0 pic.twitter.com/XnyjcJXfAg
— Reuters Legal (@ReutersLegal) October 25, 2021
A história de amor protagonizada por Mako e Kei Komura é, em parte, comparada à de Harry e Meghan, a começar pela intensa atenção mediática em torno de duas pessoas de origens diferentes, ao ponto de princesa e duquesa terem admitido problemas do foro mental. O megxit dos Sussex — termo que designa o afastamento do casal da família real britânica — também faz recordar a situação da princesa japonesa que, ao casar com um plebeu, terá de abandonar títulos e o palácio.
Curiosamente, Mako não é a primeira a deixar a Família Imperial. Antes dela também a tia Sayako, a única filha do imperador Akihito, o fez aquando do casamento em 2005 com Yoshiki Kuroda. No entanto, ao contrário do Sussex, é esperado que Mako e o marido levem uma vida tranquila nos Estados Unidos da América, bem longe dos holofotes e de entrevistas mediáticas.
Enquanto mulher, Mako nunca esteve na linha de sucessão ao trono: a lei determina que apenas os descendentes do sexo masculino da linhagem paterna podem ascender ao trono e há mais de 50 anos que não nascem rapazes no seio da realeza japonesa. À parte do imperador Akihito, que abandonou funções em 2019, dos 18 membros da família de Naruhito (atual imperador) apenas quatro são rapazes.