O que têm em comum o coração das pessoas, dos leões ou das salamandras? Mudam o ritmo dos batimentos cardíacos perante uma situação de perigo — ou, no nosso caso, com a ansiedade de um exame, por exemplo. A situação é comum aos animais que têm esqueleto (vertebrados) e é controlada pelo sistema nervoso autónomo. Falta agora explicar porque é que nas moscas acontece o mesmo.
Os corações das moscas-da-fruta — aqueles pequenos insetos que adoram a nossa fruta já demasiado madura — são estruturas simples: um tubo composto por duas filas de células. Nada comparável à complexidade do musculoso coração humano de quatro cavidades. Mas os investigadores do Centro Champalimaud verificaram que a resposta perante uma ameaça é equivalente. Uma descoberta inesperada que publicaram na revista científica Current Biology.
De forma simples, perante uma ameaça, ou lutamos ou fingimo-nos de mortos. Na mosca-da-fruta, o círculo escuro projetado numa tela (a ameaça latente), ou fazia o coração acelerar e a mosca fugia, ou o coração ficava mais lento e a mosca “congelava”. Parece uma situação evidente, mas os vertebrados têm uma rede complexa de nervos que controla esta resposta do coração, as moscas não.
Esta descoberta demonstra que a relação entre a atividade cardíaca e a resposta ao perigo é um mecanismo evolutivo vantajoso”, destaca Marta Moita, investigadora no projeto, em comunicado de imprensa.
Mais surpreendente ainda é que a mosca-da-fruta, mesmo quando ficava imobilizada, continuava a dirigir energia do abdómen para a cabeça — ou seja, estava parada, mas com o cérebro a preparar algum tipo de reação, que os investigadores ainda não conseguem explicar qual é.
“As nossas descobertas contrariam a visão generalizada de que a desaceleração do coração quando [o animal] ‘congela’ desenvolveu-se primeiro nos vertebrados e que serve para poupar energia”, escreveram os autores no artigo inicialmente divulgado na plataforma de pré-publicação bioRxiv.
A dúvida é se as moscas-da-fruta têm um sistema de controlo do coração que pode ser comparável ao dos vertebrados — e, consequentemente, dos humanos — ou se têm um mecanismo totalmente diferente. Esta é, agora, uma das grandes questões da equipa.
E se está a perguntar-se: “Por que nos havemos de preocupar com o coração das moscas-da-fruta?”; os investigadores também têm resposta para isso.
“Como as moscas e os humanos partilham muitos genes, o coração das moscas é habitualmente usado para estudar vários aspetos da cardiologia, principalmente relacionados com doenças”, diz Natalia Barrios, primeira autora do artigo, em comunicado de imprensa.
Torna-se assim claro que é mais fácil estudar estes insetos de poucos milímetros de comprimento, que podem ser mantidos aos milhares com papas de milho num laboratório, do que conseguir voluntários humanos para o fazer ou até levar um comité de ética a aprovar um estudo com um grande número de pequenos mamíferos.
Marta Moita espera agora que “o conhecimento alcançado na mosca, leve a um entendimento de como o cérebro controla o comportamento em outros animais, incluindo os humanos”.