Por estes dias a azáfama é grande no edifício da Alfândega do Porto, nas filas e nos corredores ouvem-se várias línguas, mostram-se certificados de vacinação e as paredes enchem-se de cartazes de músicos e auscultadores. A Womex – Worldwide Music Expo está pela primeira vez em Portugal e até domingo irá juntar mais de 260 artistas de 90 países em concertos distribuídos por seis palcos da cidade — Coliseu, Teatro Sá da Bandeira, Hard Club, Rivoli, Cinema Passos Manuel e Teatro Nacional S. João –, mas também 520 editoras, 800 agentes, 600 gestores e 300 produtores em sessões de networking.

Criada em 1994 por Christoph Borkowsky Akbar e por Ben Mandelson, e operacionalizada pela editora alemã Piranha, que assegura toda a produção internacional, a Womex era um desejo antigo de António Miguel Guimarães, diretor geral da AMG Music, a produtora responsável pela iniciativa acontecer este ano em território nacional. “Participo nesta feira há 15 anos e confesso que a ideia já me tinha passado pela cabeça, mas achava que o país não estava verdadeiramente preparado para a acolher. É um evento muito grande, onde são necessárias 1700 pessoas para montar tudo e é necessário procurar recursos financeiros importantes para que isto aconteça”, explica ao Observador.

O aumento da qualidade dos profissionais técnicos e da projeção internacional da música portuguesa, assim como as distinções turísticas de algumas cidades do país, fizeram com que o produtor mudasse de ideias. “Hoje temos profissionais ao nível dos melhores do mundo, nos últimos 20 anos a capacidade de exportação musical do país aumentou imenso, o fado tornou-se património pela UNESCO e o Porto ganhou o prémio de melhor destino turístico. O concurso internacional surgiu há dois anos e meio e achei que tínhamos conseguido reunir as condições necessárias para avançar com uma candidatura”, explica o responsável.

Pongo promete elevar os ritmos quentes do kuduro e o poder feminino no palco

Para António Miguel Guimarães, o evento é “culturalmente vital para o mundo da música”, prova que a indústria cresce todos os anos e dá exemplos concretos de como marcar presença pode abrir caminhos internacionais e ser uma rampa de lançamento para novos talentos. “A música portuguesa já exporta 500 ou 600 concertos por ano, mas com este boost pode exportar muito mais. Se falarmos com artistas que já vieram à Womex, todos dirão que duplicaram as suas vendas, é uma auto estrada que se abre. Claro que é uma luta tremenda e há uma concorrência enorme, mas isso acontece em qualquer outro setor. Estar aqui presente é crucial e mesmo para alguém que esteja agora a começar este é um palco e uma montra fantásticos.”

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O produtor foi membro do júri responsável por selecionar 60 propostas musicais, das 1200 inscritas, e da programação, que se prolonga até domingo, destaca sobretudo o palco lusófono, onde 13 artistas, entre Vitorino, Lucia de Carvalho ou Lucas Santtana, vão apresentar o seu trabalho no Teatro Nacional de São João.

Pongo, a artista luso angolana que em criança trocou Luanda por Lisboa e já trabalhou com os Buraka Som Sistema, promete mostrar em palco uma abordagem progressiva dos sons do kuduro angolano, misturando ritmos de samba e hip hop. Num registo totalmente diferente, está BrìghdeChaimbeul, a jovem de 23 anos que toca gaita de foles escocesa e enaltece a música tradicional celta, dando-lhe uma nova roupagem. Começou por aprender flauta, em 2016 ganha um prémio da BBC Radio e três anos depois lança o seu álbum de estreia, The Reeling.

Outro nome sugerido pelo responsável é o de Aragaki Mutsumi, a japonesa que convida o público a viajar com ela pela música tradicional de Okinawa, cheia de paisagens sonoras naturais e elementos eletrónicos e jazzísticos. Com a expressão na voz e um sanshin, instrumento de cordas japonês, na mão, a artista dá um toque contemporâneo e experimental a cada atuação intimista que faz.

Brìghde Chaimbeul é a jovem que faz da gaite de foles a protagonista das suas atuações pelo mundo

E como nem só de música vive a Womex, o evento inclui ainda um ciclo de cinema dedicado a músicas do mundo. “Incluir o cinema na programação faz todo o sentido, as duas artes estão ligadas desde sempre. Em certos filmes a banda sonora é quase uma protagonista, é essencial para as emoções que os realizadores pretendem passar ao público. Aqui mostraremos isto mesmo.”

Arrancar com a iniciativa num período pós pandemia tem, para a organização, um sabor especial. “Se olharmos à nossa volta vemos pessoas felizes, que falam contentes e se abraçam, mas todas elas estiveram impedidos de trabalhar e ganhar meios para a sua subsistência durante dois anos. Isto não é uma brincadeira, é algo muito sério e muito duro. Esta feira mostra milhares de pessoas que representam dezenas de milhares de artistas e centenas de salas, de repente esse mundo desapareceu, colapsou”, recorda António Miguel Guimarães, observando a sala da Alfândega do Porto dedicada aos stands.

Vitorino é um dos cantores portugueses a marcam presença no palco dedicado à música lusófona

O responsável pela Womex em Portugal espera que o evento internacional seja “um sinal de esperança” para o futuro, embora admita que os próximos tempos sejam de recomeço. “Todos temos consciência de que isto ainda não acabou, no próximo ano ainda não podemos circular com os espetáculos em digressão como fazíamos antes, mas é importante estar aqui para perceber quem desapareceu do mapa e quem sobreviveu e permanece. É necessário atualizar contactos, refazer estratégias e recomeçar gradualmente.

Numa altura em que o país pode viver uma crise política, o produtor alerta para importância de o estatuto profissional do artista avançar além do papel, “independentemente da cor do governo que venha a seguir”, e sublinha que os apoios à cultura devem continuar a existir, “se possível melhorados e adaptados à realidade”.

Os bilhetes para os espetáculos encontram-se à venda aqui.