Título: Conhecer uma Mulher
Autor: Amos Oz
Editora: D. Quixote
Tradução: Luísa Feijó e Maria João Delgado
Páginas: 320

Publicado em 1992, Conhecer uma Mulher tem agora uma segunda edição em Portugal. Amos Oz é um dos mais importantes autores israelitas e a obra em questão prova a sua versatilidade.

No romance, Yoel Raviv, agente da Mossad, acaba de ficar viúvo. As circunstâncias são pouco claras e Yoel abandona a profissão, começando uma nova vida com a filha, a mãe e a sogra nos arredores de Telavive. Neste período, passa a ter tempo para a vida pessoal e escrutina as suas relações. É aí que se depara com o quão pouco sabia sobre a esposa. Ao mesmo tempo, repara que, durante toda a vida, nunca deu ouvidos a mulher nenhuma da família. Passou a vida a descobrir os segredos dos outros, e o romance é a descoberta dos seus. Numa incursão no passado, analisa as mentiras que disse, pensa nos seus anos ao serviço do Estado, repensa e repisa a morte da mulher. Logo de início, vê-se o contraste entre a vida que se vira para fora, em busca, com a que se vira para dentro, em espera:

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“Como não tinha nada que fazer nem de dia nem de noite, Yoel habituou-se a seguir, quase todas as tardes, os programas da televisão até ao fim da emissão, à meia-noite. A mãe acompanhava-o quase sempre, sentada à frente dele numa poltrona a bordar ou a fazer malha (…). Ele, de calções e descalço esparramava-se no sofá da sala com a cabeça num monte de almofadas.” (p. 47)

Yoel trabalhou durante 23 anos para o serviço de informações. Até em circunstâncias corriqueiras, era conhecido por detectar mentiras. A sua trajectória tem mais ou menos a mesma idade do Estado de Israel. Enquanto Oz traça a história do detective, entrelaça-a com a parte doméstica, paralelizando a missão do auto-conhecimento com a de um profissional se imiscuir nos segredos do Estado. Aqui, a história do casamento é também feita de habituação e, analisando-o a posteriori, Yoel encara cada ponto do tempo como ponto de partida para outras possibilidades de acção.

A mentira, claro, era um ponto fulcral da sua vida profissional, e Yoel até “fica fascinado com a qualidade das mentiras: como é que cada pessoa forja as suas próprias mentiras? Por um rompante de fantasia, de imaginação? Despreocupadamente, espontaneamente? Com uma lógica sistemática calculada ou, pelo contrário, de improviso e com uma falta de sistema estudada?” (p. 51/52). No serviço, era conhecido como “Detetor de Mentiras Ambulantes”. Era-lhe fácil saber quando alguém as dizia, até numa partida inocente, como teste.

Num fio condutor deambulante, Oz vai alternando entre a dificuldade que Yoel tem em lidar com a morte da esposa e as dificuldades com a nova reconfiguração familiar. Esta luta interna é escrita com detalhe, mas não se vai entendendo bem qual é o rumo da narrativa. A rotina de Yoel é foco de grande atenção e, durante vários pontos do livro, não há grandes solavancos na acção, já que a introspecção ganha terreno. Pelo meio, Yoel tenta não só entender a mulher que viu partir, mas também toda a gente da sua vida pessoal. Está em pleno luto e há coisas evidentes que lhe escapam. O seu trabalho prévio era o de controlar e manipular, e por isso nota-se que não conseguir ler as coisas é angustiante.

O ponto principal do romance talvez seja, assim, a importância do conhecimento na paz interior de alguém. Enquanto espião, Yoel focou-se sempre em atingir uma verdade, e o seu trabalho era-lhe sempre externo, independente das relações pessoais que tecia. Não raras vezes, agia até como um autómato, despindo-se de individualidade e emoções em busca de um objectivo. Aqui, não só o frustra não atingir a verdade, mas também a ausência de estratégias para lá chegar, já que, neste caso, não há pistas ou passos a seguir.

Não sendo o maior romance de Amos Oz, Conhecer uma Mulher consegue dar-nos exemplos da versatilidade do autor e da sua capacidade de pôr o leitor dentro de uma situação. O tom é quase sempre melancólico, sendo interrompido por picos de algo que não chega a humor mas que é graça. A prosa nunca emperra e a vida descrita sabe a coisa real.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia