O conceito de networking que reúne durante o dia milhares de participantes da Web Summit no Altice Arena ganha outra dimensão quando o sol se põe em Lisboa. A palavra é proferida como estratégia de engate, brindes com cervejas e, de vez em quando, para trabalhar a sério ao longo da Rua Cor-de-Rosa. A noite que, às 23h, parecia avançar a meio-gás transformou-se a principal artéria da diversão noturna no Cais do Sodré à viragem da data. E com uma riqueza de línguas tão colorida como os chapéus suspensos naquela rua e que tanto jeito deram ao longo da noite para atenuar a leve chuva que caía esta terça-feira.
Não é que Lisboa nunca tenha visto nada assim: aquilo que o Observador encontrou naquele ponto de encontro, sugerido pela própria organização do evento, não se equipara à euforia da noite em que o país celebrou a reabertura das discotecas. Nem sequer a muitas noites de verão dos tempos pré-Covid-19, quando o calor português atraía as alvoroçadas despedidas de solteiros de turistas estrangeiros — embora alguns dos ornamentos com formatos sugestivos, típicos destes eventos, tenham ornamentado algumas cabeças da primeira Night Summit de 2021.
Esta seria sempre especial: foi a primeira depois de dois anos em que o dito networking foi varrido para o universo digital. Mas, se um eremita tivesse trocado durante esta noite o sossego do seu retiro por um passeio na Rua Cor-de-Rosa, não se aperceberia que o planeta está a batalhar contra um vírus potencialmente letal: não há vivalma com a máscara colocada e ninguém parece especialmente preocupado em manter o distanciamento físico (pelo contrário, os abraços são comuns). As únicas diferenças estão mesmo na naturalidade (ou falta dela) com que a nova realidade foi absorvida.
Ashish Shroti, natural da Índia, chegou a Portugal há dois meses para estudar Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. Voluntariou-se para trabalhar na Web Summit 2021 na esperança de encontrar exemplos a seguir entre os representantes de empresas, os palestrantes e os investidores, mas aquela que para os lisboetas não parecia ser mais do que uma noite de amena cavaqueira foi para o estudante uma verdadeira “experiência”: “De onde venho, só vemos tanta gente reunida em festivais”. Ashish Shroti admite que, quando se aproxima de grupos mais concentrados de pessoas, vê-se envolvido em dúvidas sobre o nível de segurança que tem por ali. Mas tenta resistir ao medo: “Fiz o que podia, que é ser vacinado”.
Sarah Wilson, que veio assistir às conferências da Web Summit com esperança que lhe tragam “pontos bónus” com os professores de Gestão, não se deixou impressionar pela dimensão da Night Summit porque, em Inglaterra, de onde é originalmente, os bares e as discotecas já estão abertos desde o verão. Os preços das bebidas, no entanto, são incomparavelmente mais baixos cá do que em território inglês — e por isso Sarah não se está a inibir no seu consumo, apesar de ter a intenção de acordo cedo pela manhã para regressar ao recinto no Parque das Nações.
Dependentes dos bares do Cais para encontrarem a diversão desta noite — as grandes discotecas estiveram fechadas esta noite —, vários turistas preferem manter-se nas esplanadas com copos de vinho nacional. Vão contando com os portugueses para lhes orientar os gostos no que ao mundo das uvas diz respeito, mas o francês Louis Bernard, participante no evento, não se deixa impressionar pelo copo de vinho alentejano que experimentou a conselho de um transeunte português: conhece bem Bordéus, justifica. Gostos não se discutem.
A maior parte das interações dispensam apresentações aprofundadas: são raros os casos de quem efetivamente usa o QR Code nos cartões de apresentação dos participantes para manter contacto com eles — muitos deles já não estão ao pescoço e, de resto, o Instagram serve o mesmo propósito. E a pandemia parece ser um assunto a evitar: não se mencionam marcas de vacinas ou certificados digitais. Na primeira noite, o objetivo parece mesmo ser esquecer a nova realidade imposta pelo vírus.
Apesar do entusiasmo, a unidade especial da Polícia de Segurança Pública destacada no Cais do Sodré assegurou ao Observador que, pelo menos até às duas da manhã, nenhuma ocorrência tinha motivado a intervenção das autoridades nas ruas do centro lisboeta. Um dos agentes parados junto à estátua do Duque da Terceira, que por volta da meia-noite recebeu vários turistas à espera de transportes públicos para regressarem a casa, disse mesmo que a noite estava a ser “calmíssima”: “Não há mesmo nada a apontar”, garantiu a polícia.