Sentados no meio de um dos pavilhões da Web Summit, rodeados de palestras e pessoas de todas as idades e nacionalidades unidas por um único tema — a tecnologia — torna-se fácil embarcar numa conversa onde os tópicos parecem ter saído de um filme de ficção científica, mas que na realidade são o futuro que já está a chegar ao presente.

O entrevistado é Alan Boehme, americano, apaixonado por tecnologia e com um currículo onde constam nomes como Coca-Cola e Procter & Gamble antes do seu atual trabalho, CTO do grupo H&M. À pergunta sobre o que faz um Global CTO do gigante grupo sueco responde com simplicidade, “na H&M sou responsável por toda a tecnologia, desde a cadeia de fornecimento até à contabilidade e finanças”.

À conversa com Boehme, conceitos como realidade virtual ou inteligência artificial, traduzem-se em ferramentas para melhorar a experiência do cliente e também a vida do dia-a-dia. Para ele o futuro está já à nossa frente, dependendo das condições e infraestruturas de cada país para as inovações tecnológicas. A empresa que foi, provavelmente, a primeira do universo da moda a falar de sustentabilidade, foi notícia em 2020 pelo fecho de inúmeras lojas, em consequência da pandemia. Em 2021 volta a dar que falar, mas pela subida dos seus lucros. Pelo meio há uma certeza que Alan Boehme tem: “temos de estar em todo o lado, no mundo físico e no virtual”.

Veio à Web Summit falar sobre o papel da tecnologia no futuro da moda e da venda a retalho. No caso da moda, o que é que a H&M está a planear mudar?
Primeiro, se olharmos à nossa volta, a tecnologia e o retalho tradicional não são sinónimos. Não podemos ter um sem o outro. Se virmos, em diferentes partes do mundo, a adoção de tecnologia aconteceu muito mais depressa do que em outras. Temos de ver pelos olhos do utilizador. Agora focamo-nos muito em ajudar as pessoas a sentirem-se bem consigo próprias e a expressarem-se com o uso da tecnologia na moda. Assim como, em proporcionar as condições básicas de conveniência, onde e como comprar, comprar online e entregar onde for preciso.

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Há três pontos na visão da H&M para o futuro sobre os quais gostava que me falasse: sustentabilidade, inteligência artificial e inovações nos tecidos. Primeiro a sustentabilidade, que é uma bandeira da marca desde há muitos anos, muito antes de ser um tema da moda. Mas como é que uma marca de fast fashion pode ser sustentável?
A H&M tem uma longa história. Acho que a tecnologia acelerou a nossa capacidade de sermos sustentáveis, circulares e de usarmos novos materiais, que estamos a desenvolver. Quanto mais a ciência dos materiais avança e a inteligência artificial vai ficando disponível, vai fazer com que toda a indústria se repense. Nós já pensamos. Queremos ser líderes da moda sustentável e acessível. Queremos permitir que o cliente possa ter moda com design, onde quer que esteja no mundo, num determinado período de tempo. Isso significa que temos de mudar todos os nossos processos e todo o nosso modelo de negócio, mas é uma situação em que todos ganham, para os consumidores, o ambiente, a empresa.

Alan Boehme é o Global CTO do grupo H&M, ou seja, é o responsável por toda a sua tecnologia. Esteve na We Summit para falar sobre o futuro da moda e da venda a retalho.

Que exemplos da utilização de inteligência artificial na moda nos pode dar?
Pode ser em várias coisas. Nós podemos perceber melhor que pessoa tu és se conhecermos o teu estilo de vida. Nós temos a possibilidade de ser algo diferente da tua rede social ou profissional, porque interagimos contigo no teu closet todos os dias, em tua casa. E, com a tua permissão, usamos essa informação para te ajudar a tomar melhores decisões. Vai estar frio hoje e os teus filhos precisam de mais uma camisola? Hoje à tarde vai estar calor ou vai chover? Nós podemos dar-te esta informação em qualquer altura. Esta informação está na internet, está em todo o lado.

As pessoas falam muito do “futuro”. Para si quando é o futuro? Quando é que vamos poder ver todas estas mudanças?
As mudanças vão poder ser vistas em diferentes partes do mundo de cada vez. No outro dia estava a falar com amigos e perguntei onde está Portugal quanto à tecnologia 5G? Muito atrás. O que eu quero fazer é uma experiência imersiva em realidade virtual e realidade aumentada. As infra estruturas variam consoante o país e as cidades.O  nosso objetivo não é ser um barco à veleiro a passear e a ver o vento, mas sim ser um lancha.

Quanto às inovações tecnológicas, elas serão iguais para todo o mundo? Ou pensadas e adaptadas a cada cultura?
Trabalhei muitos anos na DHL, que é uma empresa realmente global, porque em 1992 operava em 225 países. Eu nem sabia que havia 225 países nessa altura. E se perguntássemos às pessoas onde está a base da empresa, as pessoas pensavam sempre que era no seu próprio país, porque fazia um trabalho extraordinário a tornar-se local. Acho que é isto que vai acontecer com a moda. A tecnologia vai-nos permitir individualizar e personalizar. Podemos ver como outros estão a tirar partido disso, mas tem mais a ver com a experiência e com aquilo a que aspiras ser. Porque não ser aspiracional? A combinação da tecnologia e da moda é isso.

O facto de uma empresa ser mais tecnológica significa ter menos pessoas?
Não necessariamente. Em última instância, as pessoas são sociais. Ir às compras é mais como uma experiência de lifestyle. Homens como eu vão às lojas para comprar. Por exemplo, para vir à Web Summit, fui a uma das nossas lojas, e como eu  não tenho o melhor gosto em cores, levei uma amiga comigo através do Zoom.

Em 2020 a pandemia obrigou a H&M  a fechar muitas lojas, mas em 2021 os lucros subiram. O que mudou entretanto? E o que é que a H&M aprendeu com este período?
Acho que não fechamos muitas lojas, fechamos algumas e abrimos outras, no início de 2021. Agora que a Covid está menos ativa, podemos perceber como é a procura pelos nossos produtos. Nos Estados Unidos, por exemplo, estava a falar com [o pessoal de] uma das nossas lojas e descobrimos que, quando as pessoas não podiam ir às nossas lojas, porque estavam fechadas [por causa da pandemia] o que faziam era comprar em triplicado. Por exemplo um par de calças, as pessoas compravam o seu verdadeiro tamanho, uma mais pequena que era aquela que gostariam que lhes servisse, e uma maior para o caso da de tamanho real não servir. E faziam o mesmo com uma camisa e com uma camisola. Então, as pessoas compravam nove peças e devolviam seis. Isto não estava a acontecer só na H&M, estava a acontecer em todas as lojas. Também vimos esse fenómeno noutros países. Acho que o que aprendemos é que temos de estar em todo o lado, no mundo físico e no virtual.