O primeiro-ministro, António Costa, defendeu esta segunda-feira uma revisão das regras de governação económica na Europa que tenha em conta as lições aprendidas com as diferentes respostas às mais recentes crises, advertindo contra “reduções abruptas da dívida e do défice”.

Intervindo, por videoconferência, na conferência anual sobre o orçamento da União, organizada pela Comissão Europeia em formato híbrido, Costa centrou a sua intervenção de quase meia-hora no debate recentemente lançado sobre a revisão da governação económica na UE e das regras de disciplina orçamental, defendendo regras “inteligentes”, como aquelas aplicadas desde o ano passado para dar resposta à crise provocada pela pandemia da Covid-19 – em contraste com as políticas de austeridade instauradas durante a anterior crise financeira -, e também e criação de “um instrumento permanente de resposta a crises” à imagem do programa SURE, mecanismo para proteger os postos de trabalho implementado em 2020.

Nós já temos longos anos de vivência com as regras europeias, já tivemos oportunidade de as testar em duas crises de natureza bastante diversa [a crise financeira de 2008 e a crise da Covid-19] e de avaliar as respostas, também bastante diversas, que demos numa e noutra crise, e hoje estamos também em condições de avaliar os resultados”, começou por dizer, para fazer a defesa da resposta mais recente.

“Eu acho que 2020 e 2021 ficarão para a história da UE pela forma como fomos capazes, no quadro de um Tratado comum, no quadro de regras comuns, dar uma resposta suficientemente robusta, solidária e coordenada a esta crise. É isso que nos permite, passados dois anos do início da crise do Covid, ter todas as economias a crescerem, o desemprego a recuar, e o cenário de recuperação para um nível pré-crise no horizonte do próximo ano”, assinalou.

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Elogiando as respostas dadas em várias frentes e coordenadas pelas diferentes instituições, desde o Banco Central Europeu (BCE) às múltiplas iniciativas da Comissão, Costa, além de sublinhar inevitavelmente o plano de recuperação e resiliência, destacou então o programa SURE, que “provou a importância de um instrumento que assegure a todos o funcionamento normal dos estabilizadores automáticos”, apoiando cerca de 31 milhões de pessoas, “quase um quarto da população ativa” na UE.

“Precisamos de ter um instrumento permanente de resposta à crise. O SURE foi uma boa inspiração, mas o SURE deve merecer a sua consolidação no arsenal de ferramentas de que dispomos para responder a crises. Esta crise foi totalmente exógena e simétrica, e isso facilitou muito o consenso. Mas sabemos, e a História diz-nos, que nem todas as crises são exógenas e muito menos simétricas. Ora, isso significa que nós temos de ter, também para essas situações, mecanismos como o SURE a funcionar”, argumentou.

Quanto à reflexão mais geral sobre o futuro da governação económica europeia e revisão das regras de disciplina orçamental, o primeiro-ministro disse que a “primeira regra fundamental” é que, havendo uma moeda única, tem de haver regras comuns, “aplicadas por todos”, mas defendeu então que deve haver “um quadro de aplicação inteligente”, como aquele em funcionamento para fazer face à recente crise da Covid.

“Eu não sou um académico e, portanto, não vou dar a resposta de como deveria ser num mundo ideal. Vou responder como um político, dizendo o que é que deve ser no quadro do contexto europeu. É obvio para todos que seria muito difícil proceder a uma revisão dos Tratados para fixar novos limites quantitativos, por isso acho realista trabalharmos com base nos limites quantitativos existentes e que podem ser trabalhados ao nível do Conselho”, começou por sustentar.

Expressando a sua concordância com a recente posição do diretor do Mecanismo Europeu de Estabilidade, Klaus Regling, que defendeu uma atualização dos limites da dívida, pois a fasquia de 60% foi fixada “numa outra época”, António Costa considerou que “ainda mais importante do que a fixação dos limites é a gestão da trajetória da recondução, quer dos níveis de endividamento, quer dos níveis de défice, para as situações pré-crise”.

“Se fizermos o exercício de nos recordarmos como as medidas que visaram, na anterior crise [financeira], reduções abruptas do défice e da divida e do impacto que tiveram, quer no crescimento económico, quer no emprego, quer na coesão social, quer também, e convém não desvalorizar, o contributo que deram para o reforço do populismo em muitos países, nós devemos ter por conclusão que temos regras comuns, mas que devemos ter trajetórias para nos reconduzir a essas regras comuns que sejam económica, social e politicamente sustentáveis”, declarou.

Dando uma vez mais o exemplo concreto de Portugal, onde, argumentou, foi possível “uma alteração das políticas sem que isso implicasse” um desvio do objetivo de ter finanças públicas sãs — “pelo contrário”, disse, recordando que o país alcançou em 2019 o primeiro excedente orçamental desde o 25 de abril de 1974 —, Costa defendeu que é preciso “adequar as regras à atualidade”, mas sem abrir grandes debates, designadamente de alterações dos Tratados.

“Nós devemos evitar a abertura de grandes debates confrontacionais que dividam os 27 (…) Por isso, não nos envolvamos na discussão de tratados, procuremos na margem dos Tratados ajustarmos o que é possível tendo em vista assegurar rotas de convergência para metas que sejam realistas e que por isso aumentem a nossa credibilidade, e que sejam compatíveis com a diversa capacidade de trajetória que os diferentes Estados-membros poderão alcançar”, afirmou.

A terminar, o chefe de Governo disse ser também fundamental os Estados-membros terem margem para fazer os investimentos necessários a dupla transição digital e climática, considerando que há duas vias para o fazer, “preservando as regras comuns”: ou criando exceções a certas despesas ou financiando essas despesas centralmente a partir do orçamento comunitário, com programas contratualizados para cada Estado-membro com metas e acompanhamento permanente.

A intervenção de Costa nesta conferência promovida pelo executivo comunitário coincide com uma reunião de ministros das Finanças da zona euro (Eurogrupo), que também tem entre os pontos em agenda uma discussão sobre a governação económica, no quadro do debate recentemente lançado pela Comissão Europeia.

À entrada para o Eurogrupo, também o ministro das Finanças, João Leão, O ministro das Finanças, João Leão, defendeu uma revisão das regras orçamentais europeias que seja “amiga do crescimento”.

“Nós já sabemos que em 2022 as regras orçamentais vão estar suspensas e que vão voltar a vigorar em 2023. Precisamos de uma revisão da governação económica que seja amiga do crescimento, que assegure que tenhamos capacidade de fazer os investimentos, designadamente os investimentos de natureza verde para combater as alterações climáticas, fundamentais para a Europa e para o mundo, e ao mesmo tempo que assegure uma recuperação da dívida pública que seja amiga do crescimento”, disse.