A clamídia na população australiana de coalas está a aumentar e a pô em causa a sobrevivência da espécie, noticia a CNN. A doença pode levar à perda de visão, à falha do sistema reprodutor do animal, ou até à própria morte.

Em 2008, apenas cerca de 10% da população de coalas de Gunnedah, Nova Gales do Sul, na Austrália, apresentavam sinais de contaminação pela doença. Hoje, o número fixa-se nos 85%. Segundo Mark Krockenberguer, professor de patologia veterinária da Universidade de Sydney, os coalas de Gunnedah já não são sequer uma população viável, uma vez que as fêmeas infetadas com a bactéria tornam-se inférteis dentro de um a dois anos. A realidade na cidade australiana é apenas a ponta do iceberg.

A raiz do problema está na bactéria que infeta mais de 100 milhões de pessoas pelo mundo anualmente. Em humanos, a doença não tratada pode levar à infertilidade dos hospedeiros, contudo, a realidade é mais grave nos coalas. A situação apenas piora quando se colocam os antibióticos necessários ao tratamento da doença na equação. Apesar de serem uma parte vital no processo de cura, os antibióticos podem destruir a flora intestinal do coala, pondo em risco a alimentação do animal e por consequência a sua vida, mesmo que curado da doença, dizem os especialistas.

De acordo com um estudo publicado no Journal of Applied Ecology em 2018, que seguiu 291 coalas, a doença foi a segunda maior causa de morte destes marsupiais, depois dos ataques de outros animais. E segundo a Universidade de Sidney, em alguma populações a clamídia chega a afectar 100 por cento da comunidade, tornando-a completamente estéril, sublinha a CNN.

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Como é que a clamídia se espalha?

Há duas variantes da bactéria em circulação nos coalas australianos, a mais prevalente é a chlamydia pecorum, responsável pelos casos mais severos da doença, adianta a CNN. Segundo um trabalho da Federação Europeia das Sociedades Microbiológicas publicado em setembro de 2020, esta variante mais perigosa foi introduzida pelos colonos europeus na Austrália no século XIX.

A bactéria tira proveito dos comportamentos sociais e reprodutivos que fazem parte do acasalamento e as crias não escapam à armadilha hereditária montada pela bactéria, acabando por serem portadoras da doença que parece ser aliada das altas temperaturas.

O problema das alterações climáticas

A crise climática tem tornado a Austrália mais vulnerável a incêndios florestais devastadores como aqueles de 2019, mas não só: as secas e as fortes ondas de calor estão também a fazer com que os coalas se tornem mais suscetíveis à doença.

Segundo a Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (CSIRO), desde 1910 o país aqueceu em média 1.44 graus. Um relatório do governo australiano elucida que, por norma, quando o coala está sujeito a ambientes anormais, a bactéria causadora da clamídia prospera. Exemplo disso é a população de coalas em Gunnedah, que viu os casos da doença duplicar após as secas e ondas de calor em 2009 e 2010.

O professor de microbiologia da Universidade de Sunshine Coast, na Austrália, Peter Timms, diz que a combinação da perda de habitat com as alterações climáticas torna o coala “cronicamente deprimido”, o que acaba por fragilizar também o seu sistema imunitário e fortalecer a ação da bactéria.

Uma vacina para os coalas

Avizinha-se uma possível luz ao fundo do túnel. Uma vacina para o combate à clamídia nos coalas está a ser testada dentro da população da espécie no país de forma a proteger os animais de infeções mais gravosas. Decorrem já ensaios de controlo para testar a eficácia da vacina em grupos menores de coalas, o ensaio que decorre atualmente é o maior, envolvendo 400 coalas.

A vacina visa controlar os níveis de contágio da doença. A esperança é que com a redução dos níveis de infeção por clamídia nos coalas, os investigadores poderão prevenir a doença de se espalhar para novos hospedeiros e assim manter-se-á o sonho de uma população viável e fértil.

Estarão os coalas australianos em risco de extinção?

Há poucos animais australianos mais emblemáticos do que o coala. O marsupial de pelo cinzento e orelhas pomposas que devora folhas de eucalipto apenas pode ser visto na Austrália. É uma presença regular nas representações culturais do país.

A vida do coala não é isenta de desafios. Todos os dias, os marsupiais sofrem pela perda do seu habitat, pelos ataques de outros animais e também pelos atropelamentos aquando da sua travessia pela estrada.

Para a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) o coala está na lista vermelha e ganha o estatuto de espécie “vulnerável”, o que o coloca em risco de extinção. A união aponta para a existência de 100 mil a 500 mil coalas na natureza, porém, a Fundação Australiana dos Coalas aponta outros valores: cinquenta e oito mil.

A confusão relativa ao verdadeiro tamanho da população da espécie já motivou o governo australiano a dedicar quase um milhão e trezentos mil euros ao apuramento do número. O que se sabe é que a espécie sofreu perdas severas durante os incêndios de 2019, que dizimaram, feriram e deslocaram mais de sessenta mil coalas.

O cenário obrigou o governo australiano a tomar medidas e como resultado surgiu um Plano Nacional de Recuperação para o Coala, que será avaliado no fim deste ano antes de se tornar uma potencial lei em 2022.