As redes sociais e até alguns media têm revelado casos em que utilizadores se queixam da “fortuna” que pagaram para alimentar veículos equipados com baterias recarregáveis, sejam eles 100% eléctricos ou híbridos plug-in (PHEV). Isto coloca em causa o potencial interesse deste tipo de modelos, cujo principal argumento de venda consiste em prometerem ser muito mais interessantes para a carteira do utilizador, além de vantajosos para o ambiente. Mas será que acusar os automóveis eléctricos ou PHEV de serem mais caros de utilizar do que os seus rivais equipados com motores de combustão, a gasolina ou a gasóleo, espelha a realidade do país?

A resposta a esta questão é não, uma vez que continua a ser mais barato percorrer uma determinada distância em veículo eléctrico do que em modelos que queimam combustíveis fósseis, apesar de todos estes “combustíveis” terem registado aumentos nas últimas semanas. Da mesma forma que, em condições normais e sem que exista uma má utilização do equipamento ou da rede, não é proibitivo recarregar um veículo PHEV. Ambas as acusações equivalem a afirmar, por exemplo, que o preço de um bife em Lisboa é de 150€, valor que está longe de reflectir a realidade do mercado, apesar de poder ser atingido. Basta para tal que um restaurante como o Belcanto de José Avillez, por exemplo, decida um dia introduzir na sua carta um bife de Kobe, vindo directamente do Japão.

Recarregar um PHEV é um “roubo”?

Um utilizador de um veículo com mecânica híbrida plug-in denunciou ter sido confrontado com uma factura que apelidou de ser um verdadeiro “roubo”, após ter recarregado o seu PHEV. Aqui é bom ter presente que este tipo de veículos monta baterias relativamente pequenas, com cerca de 10 kWh de capacidade útil, o que lhes garante uma autonomia em modo eléctrico de 50 km, apesar de modelos mais recentes, devido às regras impostas pelo mercado alemão, já oferecerem 25 kWh e cerca de 100 km. Sucede que estas pequenas baterias carregam na maior parte dos casos com potências de apenas 3,6 kW ou 7,4 kW, o que obriga os veículos a estarem ligados ao posto de carga durante 3,5 horas.

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Solicitámos ao presidente da Associação de Utilizadores de Veículos Eléctricos (UVE), Henrique Sánchez, ajuda para perceber o que tinha acontecido. O responsável pela UVE começou por recordar que já tinha analisado a situação para um canal de televisão, onde explicou que “o condutor do PHEV cometeu o erro de recarregar um veículo que necessita de uma potência de apenas 3,6 kW num posto de carga que fornece uma potência quase 10 vezes superior”. Para evitar abusos, como deixar o carro a pernoitar ligado ao posto, apesar de já não estar a carregar, “estes postos aplicam uma taxa ao minuto de permanência, que penalizam os veículos que carregam mais lentamente, que por isso mesmo devem procurar postos de menor potência”, explicou Henrique Sánchez, para concluir que “foi o desajuste entre a capacidade de carga do veículo, a potência do posto e o longo tempo de permanência num ponto de carga pago ao minuto, que explica o valor elevado debitado ao utilizador”.

Fazendo as contas, um PHEV pode recarregar em casa, durante a noite e numa tarifa bi-horária, 10 kWh por apenas 0,90€, o que equivale a cerca de 0,5 litros de gasolina para percorrer 50 km, custos que são impossíveis de igualar por um motor de combustão. Caso se recarregue num posto público a 3,6 kW (pago ao kWh e não ao minuto), os 10 kWh custarão 5,45€, segundo a aplicação Miio, o que equivale a 2,9 litros de gasolina. Ainda assim, sai mais barato (mas não muito) do que o que pode ser conseguido por um veículo exclusivamente a gasolina.

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Circular de eléctrico mais caro do que a gasolina?

Outra crítica veiculada pelos media e redes sociais envolveu um condutor que terá pago mais pela energia consumida por um Porsche Taycan entre Lisboa e Leiria, do que seria necessário caso tivesse utilizado um modelo a gasolina. Segundo a aplicação da Miio, recarregar nesse posto de carga da rede Ionity, o mais potente e caro dos disponíveis em Portugal, tem um custo de 10,50€ por cada 10 kWh, à hora em que realizámos hoje a simulação, uma vez que o preço tem flutuações durante o dia. Face ao elevado consumo revelado pelo modelo (25,8 kWh/100 km), mesmo a uma velocidade dentro dos limites legais, o Taycan deveria necessitar de cerca de 51€ de energia (preços de hoje, às 9h00, com a Miio como CEME, fornecedor de energia, e a Ionity como OPC, operador de posto de carga) para percorrer a distância. Um veículo similar com motor a gasolina dificilmente ultrapassaria os 35€, ou seja, menos 31%.

Para perceber o que aconteceu, recorremos à CEO da Miio, Daniela Simões, que nos garantiu que “não é mais caro circular num veículo eléctrico do que noutro a gasolina, ou diesel, desde que o utilizador escolha o carregador mais adequado para o seu veículo”. Em relação ao caso específico relatado, Daniela Simões recorda que “o condutor recorreu ao posto mais caro que existe em Portugal, destinado a cargas mais rápidas e de muito curta duração, o que não se justificava uma vez que parou para almoçar”. Daí que a CEO da Miio sugira que, “se estava preocupado com a economia, bastava deslocar-se uma dezena de metros, pois na mesma área de serviço há um posto de carga muito mais barato e também carregaria o carro durante o almoço”.

Efectivamente, junto ao posto de carga da Ionity, que terá cobrado mais de 50€ de electricidade, há um posto rápido a 50 kW, que forneceria os 49 kWh em menos de uma hora e por 0,64€, em vez dos 1,06€ da Ionity, o que baixaria os custos para 31€, menos do que seria necessário para um modelo a gasolina. Ainda assim, a forma mais barata e aconselhável para recarregar um veículo eléctrico é em casa, através de uma wallbox que pode atingir 11 ou 22 kW em AC, o que permite recarregar a 0,09€ cada kWh, valor que sobe para 11 cêntimos com impostos. Nestas condições, os 49 kWh abastecidos implicariam um investimento de apenas 5,4€, com uma vantagem mais que confortável face aos 35€ gastos em gasolina.

Mais estranho ainda é o facto de o Porsche Taycan, cuja marca tem um protocolo com a rede Ionity que permite aos seus clientes, gratuitamente durante três anos (depois implica o pagamento de uma anuidade), poder recarregar a 0,32€ por kWh, de acordo com o site do construtor. Ou seja, por menos de um terço do valor declarado pelo utilizador. Os 49 kWh custariam então 16€, cerca de metade do que seria gasto em gasolina.

Em resumo, como o custo do abastecimento de veículos com bateria recarregáveis não é tão evidente, ou transparente, quanto atestar de gasolina ou gasóleo, é fundamental que os utilizadores, especialmente os que têm menos experiência com a mobilidade eléctrica, se informem junto dos construtores a quem adquiriram o veículo, com as aplicações gratuitas como a Miio a ajudar igualmente a antecipar os custos, através de diferentes simulações. Em condições normais, o custo de circular em veículos eléctricos continua a ser inferior ao dos rivais a gasolina ou a gasóleo, com a poupança a depender do local de carga, bem como do tipo de carregador.