A tempestade Blas, que tem provocado chuvas impiedosas nas ilhas Baleares, não vai interferir com o verão de São Martinho na península, mas ainda ameaçou transformar-se num “medicane” (do inglês “Mediterranean hurricane“, furacão do Mediterrâneo).
Em Portugal continental (e, até, em grande parte de Espanha), a manutenção do tempo seco e ameno é resultado do anticiclone dos Açores, que nos traz o ar quente do norte de África, antes de a atmosfera fazer o reajuste das massas de ar para o inverno. É quase sempre assim nesta época do ano, daí o tal tempo quente, devido à posição que o anticiclone dos Açores ocupa, bloqueando as frentes polares, ainda que a ciência não o consiga explicar.
A conjugação do forte bloqueio anticiclónico com o fluxo de Leste ????️ causará #temperaturas ligeiramente acima da média ????????️ para a época em #Portugal continental.
☀️ O #tempo será estável e soalheiro, digno do verão de São Martinho ????.
????️ Modelos: https://t.co/Z1Y12NCW6Z pic.twitter.com/LhQQGu85GK
— Meteored | Tempo.pt (@MeteoredPT) November 8, 2021
No Mediterrâneo, as temperaturas altas também têm um impacto, mas muito diferente, são elas que ajudam à formação de ciclones, menos intensos do que os furacões atlânticos — um medicane, como aconteceu no final de outubro no sul de Itália e em mais uma ilha mediterrânica, a Sicília.
Por agora, as ilhas Baleares e a costa da Catalunha e Comunidade Valenciana podem contar com chuvas intensas, cheias, ventos fortes e ondas que ultrapassam os cinco metros, segundo a Agência Estatal de Meteorologia espanhola (Aemet). Uma situação que se manterá, pelo menos, até ao fim de semana, com as ilhas a poderem assistir a 100 litros de chuva por metro quadrado.
Probabilidad de #precipitación SUPERIOR A 2 MM esperada hoy en #Península y #Baleares, a partir del EPS del Centro Europeo. Más info en https://t.co/9PLsmvqyfS pic.twitter.com/KVzyRKLSds
— AEMET (@AEMET_Esp) November 11, 2021
Quanto ao medicane parece que, apesar de ter dado sinais de se estar a formar e até apresentar algumas condições para isso, teve o seu fim antes mesmo de ter um início.
Juan Jesús González Alemán, meteorologista do Aemet, físico e investigador em ciclones (e medicanes), tem seguido a evolução da tempestade Blas na sua conta do Twitter. Desde o início do mês de novembro, que o meteorologista apontava para previsões de formação de um medicane que afetasse a costa espanhola, ainda que destacasse a dificuldade de prever este tipo de fenómenos.
É ainda demasiado cedo para determinar se se vai formar, pois trata-se de um fenómeno com muito baixa previsibilidade. Mas dá uma ideia da importância da situação que se avizinha”, escreveu González Alemán.
Nos dias seguintes, os modelos registaram a possibilidade de ocorrerem condições favoráveis à formação de um medicane. “Em qualquer caso, a formação de um vórtice ciclónico tão intenso teria um impacto notável.” Mas o físico insistia na “elevada incerteza” das previsões, tal como já havia, aliás, explicado num artigo científico em relação a uma outra situação.
Ao longo dos dias (e dos tweets), o meteorologista da Aemet ia mostrando e explicando o potencial de formação (ou não) do ciclone, mas também a incerteza associada à formação ou ao impacto. Dúvidas não havia de que as ilhas Baleares seriam atingidas intensamente pela tempestade. Na quarta-feira, as imagens mostravam a formação de um vórtice ciclónico típico que poderia levar ao medicane.
Ya se puede indentificar la formación de un vórtice ciclónico típico precursor de #medicanes.
Está asociado al desarrollo de una gran sistema convectivo.
La evolución de este vórtice determinará el desarrollo fructífero o no de la transformación de #Blas en un #medicane. pic.twitter.com/rV9cXhTItp
— J. J. González Alemán (@glezjuanje) November 10, 2021
Ao final da tarde de quarta-feira, González Alemán reportava os primeiros sinais de que a tempestade Blas se estava a transformar em medicane a este da ilha de Menorca. Mas foi um falso alarme. As mudanças de atividade na atmosfera baralham os modelos e evidenciam a incerteza que o físico tantas vezes destacou.
“A tempestade Blas poderia ter adquirido certos toques de ciclone subtropical (um medicane híbrido), de caráter simétrico e núcleo convetivo próximo ao centro”, escreveu o meteorologista na manhã de quinta-feira. “No entanto, não parece ter muito potencial para se intensificar e se tornar um ciclone tropical.”
Imágenes #METEOSAT canal IR de las últimas 12h. https://t.co/YbHiaSo4nH pic.twitter.com/r7S8guYoHe
— AEMET (@AEMET_Esp) November 11, 2021
O que é, afinal, um medicane?
Definir este tipo de fenómeno meteorológico e perceber como se formam estão entre os objetivos do projeto financiado pelo programa Horizonte 2020 da União Europeia — Rede europeia de ciclones mediterrânicos no estado do tempo e clima (MedCyclones). Este projeto conta com a participação de 29 países, incluindo Portugal .
“Medicane tem sido amplamente usado nos ciclones que adquirem características tropicais no mar Mediterrâneo (ciclones de tipo tropical), mas estes não adquirem totalmente a estrutura tropical”, alerta a página Twitter do projeto. Se compararmos com os furacões atlânticos, estes precisam de temperaturas superficiais da água na ordem dos 26º C, mas para o medicane bastam os 15º C, como destaca a CNN.
An important mission of our project is to stablish a definition of a #Medicane.#Medicane has been extensively used for those cyclones which acquire tropical characteristics in the Mediterranean Sea (tropical-like cyclones), but they don't fully attain tropical structure. pic.twitter.com/OpD8kqND0e
— MedCyclones (@medcyclones) October 30, 2021
Em comparação com os furacões tropicais, como os que assistimos no oceano Atlântico e atingem os Estados Unidos, os medicanes também formam um “olho”, mas são mais fracos (a velocidade dos ventos é menor) e duram menos tempo (estão confinados pelas costas do Mediterrâneo, em vez de atravessarem o oceano). Além disso, os medicanes são mais frequentes noutra época do ano, entre setembro e dezembro.
No futuro, influenciados pelo aumento das temperaturas globais e alterações climáticas, os medicanes podem tornar-se mais intensos. Prevê-se assim, também, um aumento dos impactos sócio-económicos e ambientais, porque estes ciclones atingem as regiões costeiras do Mediterrâneo com ventos intensos e chuvas fortes.