O advogado do ex-vereador da Câmara de Pedrógão Grande Bruno Gomes disse esta quinta-feira que a investigação que levou ao julgamento sobre a reconstrução de casas naquele concelho após os incêndios de 2017 procura bodes expiatórios para acalmar impulsos mediáticos.

“O que esta investigação procura são bodes expiatórios e culpas para transmitir essas imagens e acalmar os impulsos mediáticos e para dizer ‘estão aqui os culpados'”, afirmou Victor Faria, nas alegações finais do julgamento do Tribunal Judicial de Leiria, que prossegue na Exposalão, Batalha.

O advogado acrescentou que Bruno Gomes “não retirou deste processo qualquer tipo de vantagens, uns cêntimos sequer”, recuando à fase de inquérito quando a investigação tentou aferir a eventual prática por parte dos arguidos Bruno Gomes e do ex-presidente da Câmara de Pedrógão Grande Valdemar Alves do crime de participação económica em negócio.

“É evidente que as TV e jornais nada disseram sobre isto, porque o objetivo era arranjar-se efetivamente um culpado a quem pudessem ser imputadas as verdadeiras culpas, se é que há culpas neste procedimento de reconstrução de casas”, notou Victor Faria, para sublinhar que Valdemar Alves e Bruno Gomes “saem deste processo de mãos limpas”.

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Valdemar Alves e Bruno Gomes estão pronunciados por 20 crimes de prevaricação de titular de cargo político, 20 crimes de falsificação de documento e 20 crimes de burla qualificada. Em julgamento, estão mais 26 arguidos.

Citando depoimentos de várias testemunhas, Victor Faria repetiu as palavras do presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, ou do ex-presidente do município de Castanheira de Pera Fernando Lopes.

Do primeiro relatou que “a primeira mensagem que transmitiram às populações era que todas as casas eram para reconstruir” e que “existia o apoio total a todas as habitações”; do segundo que “este regulamento [do Revita] não excluiu as [habitações não permanentes]” e “a ideia era apoiar-se tudo se houvesse dinheiro”.

O Revita é o fundo de apoio às populações e à revitalização das áreas afetadas pelos incêndios ocorridos em junho de 2017.

Victor Faria disse depois que “não houve uma habitação daquelas consideradas permanentes que não tivesse merecido apoio do fundo”, para sustentar que havia dinheiro “de sobejo” e que as habitações não permanentes não estavam excluídas deste processo.

“Não foi feita uma lista de habitações prioritárias, o que era básico”, argumentou, observando que o regulamento do Revita cria um “critério de priorização”, mas não diz exclusivamente.

“Como é que se pode falar de prioridade se não se sabe até onde ou a partir de onde?”, questionou, dizendo estar “plenamente convencido de que não existe uma única casa que tivesse ardido que não tivesse tido apoio”, que “todas estas pessoas que aqui estão sentadas têm direito ao apoio” e não ter havido notícia de casos de “criancinhas e velhinhos” sem casa na sequência dos fogos.

Sobre o despacho de acusação, Victor Faria usou os termos “lodaçal” e “pântano”, e sobre as alegações finais da procuradora da República Catarina Lopes declarou: “Não posso concordar com a estratégia que vossa excelência definiu. Pede para que o meu cliente seja condenado por 60 crimes e preso”.

“[As alegações do Ministério Público] estão contaminadas pelo inquérito e não podem, em circunstância alguma, impressionar o tribunal”, sustentou.

O causídico rejeitou ter havido da parte do antigo vereador Bruno Gomes qualquer motivação política, até porque rejeitou integrar listas às eleições autárquicas de 2017, ou motivação para beneficiar o concelho.

Já o advogado do ex-presidente da Câmara Valdemar Alves destacou que “os processos de reconstrução das casas eram processos do fundo Revita, não eram processos administrativos iniciados na autarquia”.

“Este processo nasceu e morreu no fundo Revita, nada tem que ver com a autarquia”, observou, recusando a existência do crime de prevaricação por parte do antigo autarca, “porque não eram processos da autarquia”, insistiu Bolota Belchior.

Por outro lado, sustentou que “prejuízo não houve nenhum, pelo contrário, havia dinheiro para as habitações permanentes e não permanentes, e houve uma condução [do processo] sem beliscar uma norma legal”.

Aos jornalistas Bolota Belchior repetiu que “sempre houve dinheiro” embora “a acusação diz que não havia dinheiro para pagar [a reconstrução] das casas que não seriam permanentes”

“Havia dinheiro de sobra e ainda hoje devem lá estar à volta de três milhões de euros”, apontou, acrescentando: “Era tudo para ser reconstruído, havia uma prioridade, mas era tudo para ser reconstruído, é o que está na lei”.

O julgamento das alegadas irregularidades no processo de reconstrução das casas que arderam no incêndio de junho de 2017 no concelho de Pedrógão Grande, distrito de Leiria, e que alastrou a municípios vizinhos começou em 26 de outubro de 2020.

Este incêndio provocou 66 mortos e 253 feridos, tendo destruído cerca de 500 casas, 261 das quais habitações permanentes, e 50 empresas.

As alegações finais prosseguem esta tarde.