Título: Encruzilhadas
Autor: Jonathan Franzen
Editora: Dom Quixote
Tradução: J. Teixeira de Aguilar
Páginas: 680

Encruzilhadas é o primeiro volume de uma trilogia anunciada. É mais um calhamaço de Jonathan Franzen em que a família é o campo de batalha e a narrativa é o dia-a-dia de quem a faz. Para o autor norte-americano, tem sido habitual que a literatura seja feita a partir das quatro paredes de uma casa. O autor traz personagens originais, dentro do clichê, mas parece buscar sempre a mediania. Apesar de largas críticas em seu louvor, a verdade é que Franzen, que muitas vezes é comparado aos grandes, parece não conseguir alcançar para lá dessa mediania que apresenta.

Neste romance, estamos no início dos anos 80 em New Prospect, cidade do Illinois, à volta da família Hildebrandt. O pai, Russ, é reverendo de uma igreja cristã e está atraído por uma mulher viúva acabada de chegar. Russ é casado com Marion, que envelheceu, deprimiu e engordou. Durante o romance, bate-se pela perda de tempo, e também aí há a previsível luta de uma mulher contra o tempo para agradar a um homem só porque é suposto. Clem, filho de ambos, tenta cingir-se a uma ideia de moralidade incompatível com a sua vontade. Becky, filha, bela rapariga que tenta rejeitar a superficialidade, quer seduzir Tanner, músico e bonito, a la lugar comum da adolescência. Perry é irmão dos dois, tem 15 anos, é sobredotado e tem tiques de adulto, como álcool e drogas. Judson é o mais novo, tem 9 anos e vive no presbitério.

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Ao longo de quase 700 páginas, Franzen tenta explorar as tensões desta família. Neste cenário, a guerra do Vietname ainda está fresca, aparecendo em episódios quase periféricos em pontos soltos. Ao longo do percurso, há algo que une as personagens: procura-se a família e o caminho em Crossroads (Encruzilhada), uma comunidade de jovens ligada à igreja.

São 677 páginas na edição portuguesa, e neste romance Franzen parece conter-se mais do que em romances anteriores, já que se coíbe de longas explicações sobre o mundo. Ainda assim, parece continuar a não ser capaz de distinguir o acessório do essencial. As acções são meramente expositivas, não sendo activas na narrativa e não sendo, desta forma, um elemento interno. Ou seja, possibilitam a narrativa, mas não a compõem.

Uma grande parte do romance cumpre a função de entretenimento, e fá-lo bem, já que, para além de a prosa ser escorreita e da originalidade das personagens e das acções, tudo flui, pelo menos até que o leitor se aperceba de que tudo vai ao sabor da onda sem grande objectivo. As personagens existem e fazem a história, adensam-se em episódios quotidianos, mas não parecem sair dali nem chegar a algum lado, talvez porque o propósito expositivo de Franzen suprime o foco na criação de um arco de personagem que feche no cerne da narrativa.

Ainda assim, as partes expositivas têm velocidade, graça e originalidade. Frazen usa todas as ferramentas ao seu dispor, que vão de ironias a cinismos. As personagens são imperfeitas, e só isso já agarra. É sabido que as crises atraem os romancistas e aqui o autor pega no casamento como génese do desespero, e o clichê atinge o leitor porque os clichês não o são por acaso, mas pela onda de empatia que provocam.

Franzen é esforçado e trabalhador, mas a sua falta de rumo é evidente, estando o autor longe de ser o que fazem dele. Tem sido comparado a Faulkner, mas a sua prosa escorreita não chega aos calcanhares da elevação, da elegância e da densidade do Nobel de 1949. Em Encruzilhadas, com as exposições permanentes, há prosa que não cumpre uma função que não seja a de entreter, e por vezes o leitor parece apenas deparar-se com um conjunto de mosaicos. Bem feitos. Ainda assim, mosaicos.

Franzen pega em vidas sem horizontes e enfileira-as para fazer um romance, mas o problema é que também o romance aparenta não ter rumo. Russ e Marion deambulam pelo quotidiano das suas vidas em alturas em que o quotidiano já se impôs e o casamento se manteve apesar de. Não é fácil descrever a banalidade quando não se sabe sublimá-la, e expô-la em vez de a esventrar não tem outro caminho senão a mediania. Ainda por cima, por vezes, o autor puxa ao intelectual e o fio condutor cede à lição. Há diálogos que não cabem na boca de ninguém, explicativos, descritivos, embora também haja discurso directo como tacadas. O outro problema é que Franzen não mantém o tom, quer ir a tudo, quer explicar tudo, quer meter tudo, e parece ter medo de cortar, de sacrificar pontos pela coesão do romance, enveredando por muita carne e pouco osso, muita palha e pouco sumo.

Apesar dos rasgados elogios da crítica, Franzen mostra uma vez mais que não sabe escrever com bisturi. Não há o momento de uma imagem, um baque. Há apenas a lassidão da exploração da vida alheia, que tem os seus méritos, sim, que sabe a verdade, sim, mas que é incompatível com os píncaros em que o autor é posto, como a revista Time a considerá-lo o “grande romancista americano” em 2010. Se é certo que, por inúmeras razões, Franzen se destaca (como a escrita escorreita ou a capacidade de pôr o leitor num cenário ou num conflito emocional), também é verdade que, em termos de construção de um romance, lhe falta saber pôr pontos finais e deitar fora gorduras.