O Chile realiza este domingo as suas eleições mais relevantes deste século, num contexto de crise social e política e de um processo constituinte considerado o culminar da transição iniciada em 1990, finda a ditadura militar de Pinochet.

Uma inflação galopante, um sistema de pensões descapitalizado e uma desigualdade acentuada pela pandemia de Covid-19 são os principais desafios colocados ao próximo Presidente do Chile, país há dois anos mergulhado na mais grave crise das últimas três décadas, que deixou de ser o “oásis” que era antes de outubro de 2019, altura em que se iniciaram os mais graves protestos populares desde a ditadura.

Os sete candidatos que competirão para suceder, no palácio presidencial de La Moneda, ao chefe de Estado cessante, Sebastián Piñera, representam um espectro político muito amplo: os direitistas do Chile Podemos Mais (Sebastián Sichel), anteriormente conhecido como Aliança pelo Chile; o centro, com o Novo Pacto Social (Yasna Provoste), nova designação da tradicional Concertação; a esquerda com a coligação eleitoral Apruebo Dignidad (Gabriel Boric), que inclui os partidos Frente Amplio e Chile Digno e uma série de organismos e movimentos da sociedade civil; o Partido Progressista (Marco Enríquez-Ominami), a extrema-direita com a coligação eleitoral Frente Social-Cristã, formada pelo Partido Republicano e o Partido Conservador Cristão (José Antonio Kast); a União Patriótica de extrema-esquerda (Eduardo Artés); e o independente Franco Parisi, que não está no país.

Nas eleições gerais deste domingo, poderão ir às urnas cerca de 15 milhões de chilenos para eleger o novo Presidente e também deputados e senadores que tomarão assento no Congresso nacional.

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As sondagens, consideradas pouco fiáveis após os últimos atos eleitorais, preveem que nenhum dos candidatos vencerá à primeira volta e que os dois que mais probabilidades têm de passar à segunda volta, agendada para 19 de dezembro, são Gabriel Boric, da esquerdista Aprovar Dignidade, e José Antonio Kast, da Frente Social-Cristã, de extrema-direita.

Apesar de encarado como um dos países mais estáveis da América Latina, o Chile era, segundo alguns especialistas, uma verdadeira “panela de pressão”: a desigualdade e a impunidade da elite empresarial e política envolvida em múltiplos casos de corrupção e abusos geraram um mal-estar que desembocou em protestos em outubro de 2019.

A gota de água foi o aumento dos transportes públicos, e o resultado foram ondas de maciças manifestações em todo o país a partir de 18 de outubro, que se saldaram em 30 mortos, centenas de pessoas que perderam a visão (os chamados ‘mutilados oculares’), atingidas por balas de borracha nos olhos por polícias e militares que reprimiam os protestos, e milhares de outros feridos.

A solução institucional proposta pelos partidos políticos, fazendo eco das principais exigências dos manifestantes, em concentrações com mais de dois milhões de pessoas, foi a Convenção Constitucional, organismo encarregado de elaborar a nova lei fundamental que substituirá a vigente, herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

A Convenção Constitucional, que iniciou as suas funções a 04 de julho e está a trabalhar arduamente para redigir antes de julho do próximo ano uma nova Constituição que consagre a solidariedade do Estado, é composta por 155 delegados – na maioria, cidadãos progressistas -, entre os quais se incluem, pela primeira vez na história do país, 17 representantes dos dez povos indígenas.