A administradora do Banco de Moçambique Silvina de Abreu disse esta segunda-feira que sofreu “chantagem emocional e pressão” dos serviços secretos para dar parecer favorável à contração das dívidas ocultas, sob o argumento de serem de “importância estratégica”.

“Senti esses aspetos todos na minha pele, tenho essas sequelas e até aqui o assunto me persegue”, afirmou Abreu.

A administradora do Banco de Moçambique falava como declarante no julgamento do processo principal das dívidas ocultas que decorre no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo.

Silvina de Abreu avançou que a “chantagem emocional e psicológica” foi exercida por António Carlos do Rosário, então diretor da Inteligência Económica do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE) e arguido no caso.

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“Fazia chantagem emocional forte.(…) Ele estava sempre a referir que tínhamos que ser patriotas e nós não devíamos estar a criar constrangimentos para que os projetos avançassem”, afirmou Abreu.

O então diretor da Inteligência Económica do SISE, prosseguiu, descrevia os projetos usados para contrair as dívidas ocultas como de “importância estratégica para a defesa da soberania da pátria e do nacionalismo económico do país”.

Numa das ocasiões, António Carlos do Rosário mostrou uma foto de Afonso Dlhakama, defunto líder da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), principal partido da oposição, ao lado de um helicóptero e de um “homem de raça branca”, como alegada prova de que o país estava a ser alvo de ações hostis movidas a partir do estrangeiro.

Na altura, Moçambique vivia uma tensão política e militar na sequência da recusa da Renamo em aceitar a derrota nas eleições gerais de 2009.

Essas supostas atividades subversivas precisavam de ser travadas através de um melhor apetrechamento das capacidades de defesa e segurança do país, contexto que justificava a contração de dívidas, continuou Silvina de Abreu, reconstituindo o ambiente dos encontros com António Carlos do Rosário.

“Ele estava constantemente a insurgir-se e a querer ter a resposta [em relação ao pedido de autorização do Banco de Moçambique] pronta”, enfatizou Silvina de Abreu.

Abreu declarou que o na altura governador do Banco de Moçambique Ernesto Governo também deu nota à sua equipa de assessores do caráter urgente da matéria relativa às dívidas ocultas, dada a pressão que estava a ser exercida pelos serviços secretos.

Recebi uma chamada do governador Ernesto Gove para que tratasse [do assunto] de forma sigilosa, porque se impunha sigilo por se tratar de uma matéria ligada à soberania do Estado”, avançou.

Silvina de Abreu assinalou que expressou dúvidas em relação a um segundo pedido de autorização do financiamento da Empresa Moçambicana de Atum (Ematum), dado que o regulador já tinha anuído a favor de um primeiro empréstimo para a mesma companhia.

Questionada se o Banco de Moçambique tinha competência para a autorização dos empréstimos das três empresas beneficiárias das dívidas ocultas, dado que as mesmas tinham estatuto jurídico de entidades privadas com garantias do Estado, Silvina de Abreu salientou que a ela só competia emitir parecer “para consideração superior” do governador do banco central.

Abreu explicou que os pareces técnicos favoráveis emitidos pelos peritos do Banco de Moçambique tiveram em conta a importância estratégica dos projetos que deviam ser financiados pelo dinheiro das dívidas ocultas, taxas de juro, período de diferimento do pagamento dos encargos e de amortização, bem como o potencial de geração de divisas, através de exportações de bens e serviços que seriam criados pelas empresas.

Silvina de Abreu era, à data dos empréstimos diretora do Departamento do Estrangeiro, uma divisão do Banco de Moçambique responsável pela supervisão de operações financeiras com o exterior e é a terceira técnica superior do banco central a depor como declarante.

Ainda vai ser ouvido em tribunal o antigo governador do Banco de Moçambique Ernesto Gove.

O Ministério Público moçambicano considera que as empresas Proindicus, Ematum e Mozambque Asset Management (MAM) foram propositadamente criadas para servirem de ardis para a mobilização do dinheiro das dívidas ocultas, que alimentaram um gigantesco esquema de corrupção.

A justiça moçambicana acusa os 19 arguidos do processo principal de se terem associado em “quadrilha” e delapidado o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares (2,28 mil milhões de euros) — valor apontado pela procuradoria e superior aos 2,2 mil milhões de dólares até agora conhecidos no caso — angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo Governo.

Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.