O PCP “não desiste” de encontrar uma convergência à esquerda e garante que, mesmo depois das eleições antecipadas de 30 de janeiro, todas as “medidas positivas” terão a sua “marca”. A altura é, no entanto, de apontar as “contradições” das políticas do PS e obrigar o partido a fazer uma escolha: António Costa é que está “com pressa em abrir a maçaneta” para deixar a direita entrar e fazer acordos com esses partidos.

O argumentário é o que saiu da reunião deste domingo do comité central, dedicada a analisar a situação política e as próximas eleições, e que foi esta segunda-feira apresentado por Jerónimo de Sousa, numa conferência de imprensa na sede do PCP, em Lisboa. Como o Observador tinha antecipado, sem novidades das listas de deputados — deixando só a sugestão de que a posição de Jerónimo de Sousa como cabeça de lista em Lisboa não deverá sofrer alterações, uma vez que, disse o líder do PCP, “no plano pessoal não há grande novidade” — e mais focado em definir o tom e o discurso político dos comunistas a caminho das eleições.

Os tempos são de pressão sobre o PS, enquanto os comunistas garantem ao eleitorado que, apesar do falhanço destas negociações, “o PCP contará sempre para a convergência”. Objetivos eleitorais? Estão definidos: “Combater as forças reacionárias, impedir o regresso do PSD e do CDS com os seus sucedâneos [Chega e Iniciativa Liberal] ao Governo, dificultar alianças entre PS e PSD, impedir maiorias absolutas, prosseguir o caminho”.

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“A resposta aos problemas do país só é possível com o reforço da CDU”, concretizou Jerónimo. “Como anos de política de direita de PS e PSD comprovam, as soluções para os problemas do país exigem que quer maiorias absolutas quer os arranjos entre PS e PSD em curso sejam derrotados”.

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O raciocínio conta com uma série de premissas para explicar ao eleitorado de esquerda porque é que a esquerda não se entendeu desta vez — e como é que poderá voltar a entender-se. Primeira premissa: o PS, como a esquerda tem dito e repetido, “pensou na maioria absoluta para se ver livre das dificuldades” e “chegou ao limite tendo em conta as suas opções de fundo”. “Pensava que era melhor apostar na maioria absoluta do que procurar convergências”, assegurou Jerónimo de Sousa.

Segundo passo: se os comunistas assumem que Costa já não estaria, no fim deste processo orçamental, interessado em procurar “convergências”, também colocam a hipótese de que agora esteja mais virado para entendimentos, mas com a direita. Jerónimo de Sousa foi, aliás, recuperar a frase de António Costa, em entrevista à RTP, e que em rigor era sobre a geringonça (“Há muitas formas de estar na vida, há quem olhe para portas e veja fechaduras e há quem olhe para a porta e veja a maçaneta para a abrir“) mas pegou nela para recordar que o primeiro-ministro abriu, na mesma entrevista, a hipótese de conversar também com o PSD.

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“Em relação a abrir a porta à direita, foi o primeiro-ministro que usou a expressão de meter a mão na maçaneta. Isto encerra uma opção“, atacou. “Quando se tratou de abrir a porta, o PCP abriu a porta a PSD e CDS para os afastar do Governo. Sempre que pudemos, abrimos a porta a avanços e conquistas. Há aqui um problema a que o senhor primeiro-ministro poderá responder – esta pressa em abrir a maçaneta…”.

Terceiro passo: mesmo que o PS queira uma maioria absoluta, num cenário ideal, e esteja aberto a entender-se com o PSD, o PCP assegura aos eleitores de esquerda que continua a “não desistir de uma convergência”, mesmo que o PS tenha agora “chegado a uma encruzilhada“. Com discurso virado também para o eleitorado que está descontente e que pode escolher o voto de protesto: depois dos milhões anunciados do Plano de Recuperação e Resiliência, “o que se pode dizer” a um jovem casal que não consegue casa em Lisboa ou a um reformado que vê uma consulta “mais uma vez” adiada?, questionou Jerónimo, de braços no ar. Deixando um alerta claro: “Estamos a distanciar-nos dos que não encontram a resposta aos problemas da sua vida”.

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A ideia que o PCP deixa agora ao eleitorado de esquerda é que “não abdica da convergência” e que “todas as medidas positivas terão, com certeza, a marca do PCP”, sem entrar em “encenações motivadas pelo poder”. E o que significarão essas medidas positivas? Uma nova convergência de fundo, ao estilo da geringonça, ou negociações caso a caso? “Não sou adivinho em termos de resultado eleitoral. Voltaram à carga com uma mistificação – aos anos que ouço isto! – das eleições para primeiro-ministro. Naturalmente, mediante composição da Assembleia da República determinará nomeação do Governo”, explicou Jerónimo. Mais claro: “Não há aqui uma questão a regra e esquadro. É perante o pano que vamos talhar a obra”.

Será, portanto, apenas perante o “pano” que os eleitores escolherem nas urnas, a 30 de janeiro, que o PCP assumirá a sua opção quanto a entendimentos futuros, sendo certo que já avisou que à geringonça, tal qual existiu, não voltará. O discurso para as próximas eleições fica escrito.