Às nove da noite, em ponto, numa tenda gigante montada no claustro do Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, um não menos gigante ecrã sincroniza-se com a emissão televisiva e eis que aparece Judite Sousa: “Temos uma entrevista em exclusivo com João Rendeiro. Em meu nome e em nome dos profissionais da Media Capital, damos-lhe as boas-vindas à CNN Portugal, liderada pelo jornalista Nuno Santos. Vai começar o ‘Jornal da CNN’”, anuncia a jornalista, regressada ao pequeno ecrã depois de há dois anos ter deixado a TVI.

O momento marcou o arranque oficial do novo canal português de notícias, que vem substituir a TVI24 e se junta à SIC Notícias, à RTP 3 e à CMTV. Logo a seguir, deu-se uma ocorrência irónica. Os convidados que na segunda-feira à noite estavam nos Jerónimos para a cerimónia de lançamento do canal — com jantar, discursos e concerto — ouviram Judite Sousa acrescentar: “João Rendeiro não está no Belize e só regressa a Portugal se existir um indulto do Presidente da República.” Terminava a transmissão para a sala e ficava a ecoar a referência a Marcelo Rebelo de Sousa, que estava ali mesmo, já sentado numa mesa. Criou-se burburinho na sala e saltaram alguns risos.

Os jornalistas foram entretanto convidados a sair para que o jantar começasse. Serviu-se sopa de peixe, bochecha de porco, trouxa de ovos e, para vegetarianos, creme de espargos e trouxa de courgette recheada. As mesas eram redondas, de vidro, com castiçais prateados ao centro, e as cadeiras transparentes pareciam as do designer Philippe Starck. Até às 11 da noite ainda se ouviu uma intervenção gravada de Jeff Zucker, presidente da CNN, um discurso ao vivo do jornalista Richard Quest e uma atuação da fadista Ana Moura.

Para trás tinham ficado três horas de azáfama e suspense em torno da chegada dos convidados. Desfile de nomes importantes da casa-mãe, alguns deles vindos de Atlanta, e de figuras conhecidas da vida pública portuguesa, com direito a sessão fotográfica à entrada perante um magote de fotojornalistas e uma repórter da CNN Portugal.

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Deu nas vistas a apresentadora e atriz Rita Pereira. Ao perceber que tinha chegado ao mesmo tempo que o deputado André Ventura, decidiu caminhar por detrás dos repórteres, assim evitando cruzar-se com o líder do Chega. Minutos depois regressou para ser fotografada e fez questão de explicar: “Voltei. Não me queria misturar.” Mário Ferreira, maior acionista e presidente da Media Capital, grupo responsável por trazer a marca CNN para o nosso país, já tinha estado ao lado de Ventura, para se fazer fotografar, e declarara no momento: “Isto é para mostrar que damos voz a todos.”

21h00 em ponto: o “Jornal da CNN” com Judite Sousa deu início às emissões regulares do novo canal

“Fico só um bocadinho, senão engripo mesmo”

O Presidente da República, que tem residência oficial a menos de um quilómetro, chegou perto das oito e meia. Foi recebido junto a uma das entradas dos Jerónimos (a que dá para o Museu Nacional de Arqueologia, que ali funciona). Por se tratar de um monumento público, esperava-o o diretor-geral do Património Cultural, João Carlos dos Santos. Entrou de rompante e não quis prestar declarações. Foi cumprimentado a caminho do claustro pelo primeiro-ministro, António Costa, que chegara pouco antes e estava de saída.

Ao lado deles apareceram também Mário Ferreira e Rani Raad, presidente da divisão comercial da CNN. Costa desejou “good luck” a Raad. E Marcelo, ao saber que o primeiro-ministro não ficava para jantar, atirou: “Também fico só um bocadinho, senão engripo mesmo”. Uma jornalista da CNN Portugal ainda apanhou o Presidente à entrada da tenda e conseguiu perguntar-lhe sobre o indulto de Rendeiro, que haveria de aparecer noticiado por Judite Sousa daí a pouco. “Já é tarde” para o ex-presidente do Banco Privado Português pedir um indulto, ouviu-se como resposta.

Na tenda circulavam muitas dezenas de pessoas, quase todas sem máscara facial. À entrada tinham exibido um certificado de vacinação ou um teste negativo da covid-19. Trocavam-se cumprimentos e palavras sobre a chegada a Portugal da marca de informação que o empresário americano Ted Turner lançou nos EUA em 1980. Viam-se atores, apresentadores, músicos, comentadores, jornalistas, advogados, deputados, membros do Governo, embaixadores (de Angola e Espanha) e até o bispo auxiliar de Lisboa, D. Américo Aguiar, e o vice-almirante Gouveia e Melo, que coordenou a vacinação da covid-19. O diretor, Nuno Santos, enviou uma mensagem em vídeo, porque estava em Queluz de Baixo a acompanhar as primeiras horas de emissão.

Mário Ferreira defendeu um “jornalismo forte, escrutinador e verdadeiramente livre”

Ao Observador, Maria João Avillez, que veste a camisola do canal como comentadora, disse esperar “bom jornalismo” na CNN Portugal. “Bom jornalismo é seriedade, trabalho, esforço, intuição, e não se confunde com jornalismo assim-assim. Os portugueses ficavam muito gratos se houvesse melhor jornalismo.” Manuela Ferreira Leite, que acompanhava a jornalista e que é também comentadora do canal, acrescentou: “As redes sociais e as fake news deterioram a confiança na informação, por isso acho que a CNN pode e deve trazer um contributo para elevar o jornalismo, não só em benefício do grupo TVI mas de toda a comunicação social.”

“Dinheiro, pessoas, qualidade, valores, honestidade”

No meio da multidão, despontava Richard Quest, estrela dos programas de economia e finanças da CNN Internacional. Disse ao Observador que espera “apenas sucesso” para o novo canal português. Alto e bom som, como é seu timbre, referiu: “Foi a CNN que inventou a televisão que dá notícias 24 horas por dia, mas há exemplos do género em Portugal e não estamos aqui para ensinar nada aos portugueses. Simplesmente, há um tipo de qualidade, de conteúdos e de direção que só a CNN tem e achamos o público português vai gostar disso.”

Richard Quest recordou que Ted Turner costumava dizer, durante a Guerra do Golfo, que “é preciso gastar o que for necessário” para manter a cobertura jornalística. “Não vamos ser perdulários, mas temos de fazer o máximo possível para garantir as notícias. Isto implica dinheiro, pessoas, qualidade, valores, honestidade.” Entusiasmado, ainda quis declarar: “É da natureza dos jornalistas pôr em causa os poderes. Portanto, faz parte do jornalismo ter uma atitude liberal, que questiona o establishment.”

Marcelo jantou, Costa teve de sair mais cedo

Com todos sentados, e pouco antes de começar o jantar, surgiu num palco junto ao ecrã gigante um autêntico programa televisivo de entretenimento, ao vivo e a cores, com apresentação de Ana Guedes Rodrigues e João Póvoa Marinheiro, dois dos rostos da CNN Portugal.

Num púlpito, com recurso a teleponto, falou primeiro Rani Baad. “Boa noite, tudo fixe?”, ensaiou ele, em português. Enalteceu os “valores e ideias” que levaram os portugueses aos Descobrimentos, referiu-se ao “espírito de descoberta” de Vasco da Gama e de Fernão de Magalhães, comparando-o ao espírito da estação televisiva que representa.

“Na primeira conversa que tive com Mário Ferreira tornou-se claro que estávamos a falar a mesma língua. Não inglês ou português, mas os mesmos valores de qualidade do jornalismo, como a honestidade, a verdade e a transparência”, disse o presidente da divisão comercial, referindo-se à “família CNN” e dando as boas-vindas ao “novos irmãos e irmãs” portugueses.

“Não estamos aqui para ensinar nada aos portugueses. Simplesmente, há um tipo de qualidade, de conteúdos e de direção que só a CNN tem”, disse Richard Quest

No mesmo púlpito falou depois o presidente da Media Capital. Foram 12 minutos contados, mesmo em cima do início do noticiário de Judite Sousa. Sustentou Mário Ferreira que vivemos “um tempo em que a verdade e a objetividade são torpedeadas por uma massiva horda de atores que cultivam a falsidade, e que a toda a hora atentam contra os valores em que assenta o Estado social e de direito”. Defendeu um “jornalismo forte, escrutinador e verdadeiramente livre” como garante da “democracia e da liberdade”.

A chegada da CNN “coloca Portugal na rota do melhor jornalismo que se faz no mundo”, disse, o que “vai agitar o mercado dos média” e levar a concorrência a “reforçar o seu músculo competitivo”. Notou, a propósito, que o “único concorrente que aceitou o convite” para ali estar tinha sido o presidente da RTP, Nicolau Santos.

Marcelo Rebelo de Sousa assistiu a tudo e ficou para jantar. Na mesma mesa sentaram-se os ministros Pedro Siza Vieira e Graça Fonseca, o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, o diretor geral da CNN Internacional, Mike McCarthy, e também Mário Ferreira e a mulher, a juíza Paula Paz Dias.

Notícia alterada às 11h20 com correção da data de lançamento da CNN nos EUA: foi em 1980 e não em 1981.